Franklin de Freitas – Emanuel Maltempi de Souza coordena os estudos da vacina

Mesmo diante de tantos obstáculos, que vão desde a falta de infraestrutura e passam ainda pela falta de recursos e corte de verbas para a educação superior, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) segue firme no propósito de desenvolver uma vacina paranaense contra a Covid-19. Com resultados promissores na fase pré-clínica, a pesquisa completou dois anos no último mês e agora se prepara para realizar o ensaio de proteção animal. Tudo dando certo, a expectativa é até o final do ano já iniciar ou ao menos deixar todo o trâmite bem encaminhado para o início da fase clínica do estudo, com testes em humanos e a avaliação, primeiramente, no tocante à segurança da vacina.

“Não vai ser no tempo que a gente gostaria, mas vamos levar esse negócio a cabo. Vamos ter um produto importante gerado no estado do Paraná”, comenta o professor Emanuel Maltempi de Souza, pesquisador da UFPR e coordenador dos estudos para desenvolvimento da vacina paranaense contra a Covid, que estão sendo feitos em um laboratório no Centro Politécnico da UFPR.

Desde o ano passado, os resultados preliminares do estudo, que já eram promissores, ganharam novos ‘ingredientes’. Antes, uma proteína vinha sendo produzida por auxílio de uma bactéria (escherichia coli), mas verificou-se que a capacidade de neutralização do anticorpo não era tão grande. “Tinha muito anticorpo, mas pouco anticorpo neutralizante”, explica Maltempi. A solução, então, foi utilizar células de mamíferos como antígeno, o que está funcionando bem melhor, garantindo maior capacidade de bloqueio à infecção pelo coronavírus. “Tem alto nível de anticorpo e de anticorpo neutralizante também. Essa é a preparação que estamos investindo agora para realizar o ensaio de proteção animal”, complementa o cientista.

Para o início do ensaio de proteção animal, a equipe de pesquisadores agora precisa de um laboratório com nível de biossegurança 3, o segundo mais alto nível de contenção. E acontece que esses laboratórios não estão disponíveis no Brasil. “Temos poucos desses laboratórios e um deles seria completado no Instituto Carlos Chagas. Deveria ter ficado pronto no ano passado, mas esse biotério ainda não está certificado para uso e, se não tem certificação, não dá para colocar o vírus lá. Aguardamos essa certificação”, relata ainda o professor da UFPR.

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Próximos passos

Nesse ínterim, e tendo em vista que a pesquisa já demonstrou a produção de anticorpo neutralizante (que é o melhor indicativo de que a vacina vai funcionar em animais), os pesquisadores já iniciaram o procedimento de solicitação de autorização continuada para a fase clínica, abrindo conversas com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para conseguir autorização para a fase clínica do estudo, que observará, em três etapas diferentes, a segurança da vacina em seres humanos e também sua eficácia, ou seja, a proteção conferida contra a doença, efetivamente.

“Gostaria de dizer que começa neste ano [a fase clínica], mas já errei muitas vezes. Vamos um passo de cada vez. Estamos atrasados em relação à proteção animal e levaremos 3 ou 4 messes nesses experimentos. Dando certo, vamos escutar o que a Anvisa vai nos dizer e, se tudo funcionar bem, este ano ainda conseguiremos, pelo menos, estar bem adiantados nesse processo de autorização”, afirma Emanuel Maltempi de Souza.

Problema com verbas é superado, mas cortes na universidade preocupam

No ano passado, quando a pesquisa completava seu primeiro ano, a preocupação dos pesquisadores era com a disponibilidade de verbas para que o estudo pudesse avançar. Um ano depois, essa questão foi solucionada com repasses do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), recursos do Governo do estado e a previsão de entrada de mais verba através de uma emenda da bancada federal (deputados e senadores) paranaense, que deve ser suficiente para a conclusão da fase pré-clínica da pesquisa e a realização da fase clínica 1.

“Eu acho que recurso para esse projeto vamos ter. Tivemos ainda doação do público, numa ação da universidade. Não é um valor muito grande, mas em virtude dos atrasos em liberação de dinheiro público, permitiu que a gente continuasse andando. Continuando os experimentos por causa dessas doações”, diz Emanuel Maltempi de Souza, explicando que esse cenário dá ainda mais confiança aos pesquisadores. “Estamos confiantes de que vamos chegar em algum lugar. Talvez não no tempo que esperávamos, temos tido vários atrasos, mas é a nossa realidade. Vamos chegar em algum lugar”, diz o cientista.

Por outro lado, a notícia de cortes no orçamento do Ministério da Educação e do MCTI tem gerado preocupação aos pesquisadores. Ainda que esses cortes não atinjam diretamente o projeto em si, eles podem impactar o funcionamento da universidade. “Não adianta ter dinheiro para o projeto se não tem energia elétrica na universidade, se a pessoa que cuida do biotério não pode ser contratada. Isso deve ser fonte de novos atrasos, em decorrência do funcionamento precário da universidade”, lamenta Maltempi.

Por que é importante investir em vacina?

Mas se a vacinação contra a Covid-19 já está caminhando e ainda há uma série de imunizantes disponíveis no mercado farmacêutico, qual a importância de o Paraná continuar investindo para ter uma vacina própria?

Nesse sentido, há alguns aspectos que devem ser considerados. Um deles diz respeito à segurança: é que a vacina da UFPR é produzida com insumos nacionais, não dependendo de qualquer tipo de importação. Outra questão é que tais esforços são importantes para que o país crie uma capacidade nacional de produção, além de considerar o fato de que imunizantes contra a Covid-19 deverão ser necessários pelos próximos anos.

“[Ter uma vacina própria] Primeiro garante segurança. Se houver um surto no mundo inteiro, tendo nossa vacina e capacidade de produção no país, não dependemos de ninguém. E isso não só para Covid-19, mas para outras doenças também. Vírus novos vão aparecer, a maioria é doença leve, mas algumas vão ser doenças importantes. E a melhor forma de combater doença infecciosa é vacina, então precisamos ter tecnologia pra produção de vacina”, aponta o professor Emanuel Maltempi de Souza.

Outro ponto destacado pelo pesquisador é o fato de que imunizantes contra a Covid-19 deverão ser necessários pelos próximos anos. “Pelo que está se mostrando, vamos precisar de vacinação anual contra a Covid. Passado esse surto que estamos tendo, que vai se estender pelo inverno todo, começa a cair o número. No inverno que vem, quem foi vacinado este ano já não tem imunidade. Vamos precisar de vacinação anual, como temos contra a gripe, pneumonia. Se não for toda a população, ao menos os grupos mais vulneráveis.”