Acuada por críticas, Anfavea renova defesa de adiamento do Proconve P8 e L7
Entidade tem dificuldade para convencer governo e organizações ambientais sobre necessidade de postergar próximas fases de restrição de emissões
Cada vez mais acuada por críticas de organizações ambientais e sem conseguir convencer o governo a prorrogar as próximas fases da legislação brasileira de emissões, a associação dos fabricantes de veículos, a Anfavea, voltou a organizar uma entrevista coletiva na terça-feira, 15, para tentar se defender de acusações e explicar seus argumentos em favor do adiamento do Proconve P8 e L7 – etapas do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores pesados (P) e leves (L) que no fim de 2018 foram regulamentadas e agendadas para entrar em vigor a partir de 2022.
A Anfavea mudou sutilmente duas partes de seu discurso externado há quatro meses (leia aqui), quando pela primeira vez a entidade admitiu publicamente que negociava a prorrogação da legislação com o Conama – órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pela gestão do Proconve. Desta vez, os representantes da associação negaram que tivessem sugerido o período do adiamento “em dois a três anos”, também refutaram que a principal razão do pedido fosse para postergar investimentos calculados em R$ 12 bilhões para introduzir tecnologias capazes de atender aos novos limites de emissões, cifra que as montadoras não teriam mais para investir após o aperto de caixa causado pela pandemia de coronavírus.
Marco Saltini, um dos vice-presidentes da Anfavea, exibiu cópia de dois ofícios enviados em maio e agosto ao ministro do Meio Ambiente, em que a entidade solicitava o estudo de adiamento das novas fases P8 e L7 do Proconve, sem no entanto citar qualquer prazo. Luiz Carlos Moraes, presidente da associação dos fabricantes, acrescentou que “na época [da primeira coletiva sobre o tema em 5 de agosto assado] estávamos bem no meio da pandemia e não tínhamos como saber quanto prazo iríamos precisar, foi feita uma sinalização, mas não foi fixada uma data, essa questão ainda está em discussão”, justificou.
JUSTIFICATIVAS |
Já Henry Joseph Jr., diretor técnico da Anfavea, apontou que o maior problema em cumprir os prazos do P8 e L7 não é financeiro, mas a falta de tempo hábil. “É preciso entender que tudo parou com a pandemia. Tínhamos começado a desenvolver os sistemas necessários, o que exige testes de milhões de quilômetros rodados, mas fomos obrigados a parar, alguns ensaios de bancada foram abandonados bem no meio e vamos ter de refazer, laboratórios foram fechados, os engenheiros não podem mais rodar com os veículos, o próprio governo não publicou normas necessárias que deveriam ser conhecidas ainda no fim de 2019. Essas condições atrasaram todo o desenvolvimento, não é mais possível cumprir o prazo estipulado antes”, explicou.
Os representantes da Anfavea também rebateram o argumento simplista, classificado de “falácia”, de que as tecnologias necessárias para atender aos novos limites de emissões de poluentes – equivalentes ao Euro 6C em vigor na Europa para veículos pesados e EPA Tier 3 usado nos Estados Unidos para automóveis e comerciais leves – já estão disponíveis em outros países e poderiam ser adotadas já no Brasil. “Isso não é verdade. Temos condições de topografia, clima e combustíveis com mistura e etanol e biodiesel que são completamente diferentes dos países que já adotaram essas tecnologias. Um caminhão roda com 40 toneladas na Europa e aqui com mais de 70 toneladas. É necessário desenvolver tudo no País. Não é possível dar garantias de 600 mil quilômetros para um sistema de emissões (como prevê a legislação para caminhões e ônibus) sem antes testar isso na prática, nas condições que temos aqui”, sustentou Saltini.
Ele informou ainda que as montadoras vendem atualmente 1,3 mil modelos de veículos leves e 500 de caminhões e ônibus que terão de adotar as novas tecnologias de controle de emissões para atender às novas fases do Proconve, o que demanda tempo. Se o pleito de adiamento da Anfavea não for atendido, a entidade calcula que muitos desses veículos não poderão mais ser homologados para rodar no Brasil, porque boa parte dos fabricantes e seus fornecedores não conseguirá desenvolver os componentes e produtos dentro dos limites da legislação até 2022 e 2023.
“Recebemos questionamentos e críticas que consideramos injustas, baseadas em informações incorretas. A Anfavea expôs aos órgãos reguladores que a pandemia afetou profundamente as atividades de pesquisa e desenvolvimento do setor, que só podemos retomar quando houver condições. Nosso objetivo é evitar um impasse em 2022 ou 2023 e cumprir a lei, como vem sendo feito à risca desde que o Proconve foi criado”, afirmou Luiz Carlos Moraes. |
ARGUMENTOS RECUSADOS |
Até o momento a Anfavea vem encontrando dificuldades para convencer órgãos do governo sobre a necessidade de prorrogar os prazos da legislação de emissões. “Queremos atender o Proconve com eficiência como fizemos até agora – e todos os índices de redução de poluição nas cidades comprovam isso. Mas até agora não conseguimos argumentar ou discutir com seriedade essa questão. Não somos ouvidos”, reclama Joseph Jr.
O Ministério Público Federal (MPF) também não aceitou os argumentos e justificativas para adiar as próximas fases do Proconve. O procurador regional da República José Leonidas Bellem de Lima, coordenador do Grupo de Trabalho de Qualidade do Ar da 4 ª CCR (Câmara de Coordenação e Revisão), manteve posicionamento do órgão contrário à proposta da entidade. “Não há dúvida que o atraso defendido pela Anfavea significará graves malefícios à qualidade do ar e à saúde da população”, escreveu o procurador em ofício datado de 22 de novembro passado.
A Anfavea também argumenta que a adoção da inspeção técnica veicular no País, atrelada a um programa oficial de renovação de frota, teria impacto muito mais eficiente para reduzir emissões de poluentes do que a implantação de limites que só valem para veículos novos e que, portanto, só terão efeito a longo prazo. “A inspeção para tirar veículos velhos e poluentes das ruas é um mecanismo ideal para melhorar a qualidade do ar de maneira muito mais ampla do que as novas fases do Proconve”, defende Saltini.
Este é um projeto que se arrasta há mais de duas décadas, já foi discutido por diversas gestões de fabricantes e do governo, mas nunca foi adiante porque esbarra no modelo de financiamento de um programa de renovação de frota: ninguém, nem governo nem montadoras, quer garantir os empréstimos para a compra de veículos novos no lugar dos velhos.