Desarranjo da cadeia automotiva leva a fila de espera por carro zero e falta de usado

Setor convive com retomada de vendas e incertezas sobre o futuro devido à pandemia

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São Paulo

A pandemia da Covid-19 desarrumou o setor automotivo. Há filas de espera por alguns modelos novos —cujos preços dispararam—, alta procura por carros usados e falta de veículos nas locadoras.Tudo isso em um cenário de retomada nas vendas e incertezas sobre o futuro próximo, com a possibilidade de novas restrições à circulação.

O mês de novembro foi o melhor do ano para as montadoras, com 225 mil unidades emplacadas. O dado divulgado nesta quarta (2) pela Fenabrave (entidade que representa os revendedores) inclui carros de passeio, veículos comerciais leves, ônibus e caminhões.

Esse número poderia ser ainda melhor caso não houvesse restrições nas linhas de produção, causadas pela redução de turnos de trabalho e por faltas pontuais de componentes, ambas consequências da pandemia.

E há um terceiro fator: o aumento de preços, que tem feito muitos consumidores migrarem para o segmento de carros usados. As negociações envolvendo modelos já rodados superaram as 3 milhões de unidades na soma dos últimos três meses e mostram um desempenho mais vistoso em comparação aos emplacamentos de automóveis novos.

Em outubro, 1,125 milhão de veículos usados foram comercializados no Brasil, uma alta de 6,7% em comparação ao mesmo mês de 2019. No mesmo período, as vendas de modelos zero-quilômetro tiveram queda de 15,1%, embora o setor esteja em plena retomada.

O empresário e consultor de vendas Adalmo Vaz Mourão monitorou os aumentos seguidos nos valores cobrados por veículos novos neste ano, com impacto maior nos modelos importados de custo mais elevado.

“O aquecimento no mercado de carros usados se deve muito a alta exagerada nos preços dos modelos zero-quilômetro. Em janeiro, eu revendia um Ford Mustang por R$ 310 mil. Hoje esse carro me custa R$ 370 mil”, afirma Mourão.

O engenheiro Cassio Pagliarini, sócio da consultoria Bright, afirma que as montadoras estão sob a pressão do dólar.

“No fim do ano passado, quando a cotação da moeda americana ainda estava em R$ 4,20, as montadoras já conversavam com os revendedores sobre a necessidade de aumentar os preços”, diz o consultor.

A alta do dólar influi até no custo da matéria-prima nacional usada pela indústria automotiva. Um exemplo é o aço, que faz parte das commodities de cotação internacional e está na lista de insumos em falta no mercado interno.

Segundo Pagliarini, houve empresas cujos carros novos tiveram aumento médio de 19% ao longo de 2020. Entre as importadoras, há registro de reajustes acima de 40%, o que faz as empresas do setor reivindicarem a redução da alíquota do Imposto de Importação de 35% para 20%.

Mas apenas a elevação dos preços do zero-quilômetro não justifica a maior procura por modelos usados. O consultor diz que o represamento ocorrido nos meses mais restritivos da pandemia se reflete agora, com clientes que optam por modelos já rodados indo às compras. São consumidores que se enquadram em diferentes faixas de preço. Segundo dados da Bright, cada automóvel tem, em média, seis donos ao longo de sua vida útil no Brasil.

Com o aquecimento do setor, há falta de alguns modelos usados no mercado, principalmente opções com menos de dois anos de uso. Os lojistas estão em busca de veículos com maior liquidez e evitando elevar os estoques. A razão disso é o medo de novas paralisações devido ao agravamento da pandemia.

A situação se agrava com os problemas enfrentados pelas locadoras, que fornecem automóveis seminovos ao mercado. As empresas do setor aguardam a chegada de carros para renovação das frotas. Paulo Miguel Jr., presidente da Abla (Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis), afirma que o segmento espera receber 40 mil veículos em dezembro, mas o número ainda será insuficiente para suprir a demanda.

Segundo Miguel, seria preciso adquirir 80 mil veículos para atender os clientes no fim do ano, época em que a procura pelo aluguel tende a crescer. As montadoras não têm capacidade para fornecer tantas unidades ainda em 2020.

O presidente da Abla avalia que o mercado e as entregas por parte das fabricantes devem se normalizar até março, mas qualquer evolução depende do andamento da pandemia.

Hoje os clientes têm tido dificuldades de encontrar alguns modelos disponíveis para locação ou assinatura de longo prazo, apesar de as empresas do setor estarem prolongando a permanência dos automóveis nas frotas de aluguel.

É essa extensão que reduz o volume de carros revendidos pelas locadoras para lojistas e também para o cliente final por meio de lojas próprias. Essas empresas se acostumaram a comprar milhares de unidades a preços baixos durante os anos de crise aguda vivida pela indústria automotiva, principalmente entre 2014 e 2019.

Esses veículos eram revendidos com um bom lucro no setor de usados. Agora as montadoras estão menos flexíveis na negociação e mais focadas no varejo, enquanto as empresas de locação ficam sem carros para revender.

No caso dos automóveis novos, a escassez é pontual. Pagliarini explica que as fabricantes têm optado por oferecer versões mais equipadas de modelos que são sucesso de vendas, o que é uma forma de melhorar a rentabilidade. Com isso, versões de entrada podem ter longas filas de espera.

Representantes da indústria acreditam que o mercado vai se reequilibrar durante 2021, ano em que modalidades como a assinatura de longo prazo —semelhante ao leasing adotado nos EUA— devem ganhar força no Brasil.

Além das locadoras, as montadoras começam a investir, timidamente, nessa opção. Mas ainda há um potencial muito grande de crescimento das vendas financiadas, afirma Rodnei Bernardino de Souza, diretor de veículos do Itaú Unibanco.

“O movimento atual [assinatura de longo prazo] envolve faixas de renda mais altas e está concentrado nos grandes centros. A relação carro/população ainda é muito baixa Brasil afora, e uma retomada no emprego, com salários estáveis, vai movimentar o segmento de financiamentos”, diz o executivo. ​

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