Por Darlan Alvarenga, g1


Com a piora das expectativas para o desempenho da economia brasileira em 2021 e 2022, a população brasileira só deverá retomar o nível de riqueza de antes da pandemia a partir de 2023. Já a recuperação do patamar de Produto Interno Bruto (PIB) per capita de 2013, o mais alto já registrado no país, ainda poderá levar quase uma década. É o que mostra levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

O PIB per capital funciona como um termômetro para avaliar o bem estar e nível de renda de uma nação, apesar de suas limitações, devido às desigualdades do país.

O indicador é a soma de tudo o que país produz dividido pelo número de habitantes. O PIB per capita sobe quando a atividade econômica avança num ritmo mais rápido do que o crescimento populacional. Já quando há retração na economia, ele costuma encolher de forma mais acentuada, uma vez que a riqueza total do país diminui e população continua em crescimento no Brasil. Ou seja, o bolo fica menor e precisa ser dividido com mais pessoas.

Em 2020, o PIB despencou 4,1% em 2020, ao passo que o PIB per capita tombou 4,8% – a maior queda já registrada em 25 anos – ficando em R$ 35.172 por habitante.

O Ibre/FGV estima que o PIB per capita irá crescer 4,1% em 2021. Com isso, o brasileiro deverá terminar o ano ainda 0,9% mais pobre na comparação com 2019 e 7,5% abaixo da máxima histórica de 2013. Para 2022, a projeção é de um avanço de apenas 0,8%, o que deixaria o indicador ainda 0,1% inferior ao nível pré-pandemia. Veja gráfico abaixo:

PIB per capita ainda longe da recuperação — Foto: Economia G1

O levantamento leva em conta as últimas projeções do Ibre para o crescimento da economia brasileira. Em setembro, o instituto reduziu sua projeção para o avanço do PIB total de 5,2% para 4,9% em 2021. Já a previsão para o crescimento de 2022 baixou de 1,6% para 1,5%.

"O risco de um cenário pior para o ano que vem é mais provável do que de um aumento nas projeções para o PIB – o que significará também uma taxa de crescimento muito baixa do PIB per capita. Será abaixo de 1% com certeza. Ou seja, ainda não recupera o patamar de 2019", afirma a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV e autora do levantamento.

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Economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV. — Foto: Fábio Motta/Estadão Conteúdo/Arquivo

Pico de 2013 só deve ser recuperado no fim da década

O cenário base atual do Ibre considera uma taxa de crescimento médio anual de 1,6% da economia e de 1% do PIB per capita a partir de 2023.

"Um cenário base de crescimento do PIB per capita de 1% ao ano é bem factível. Só que, mesmo assim, a gente só voltaria ao patamar de 2013 em 2029. Ou seja, precisaria de uma década para voltar ao patamar do pico de 2013. É muito difícil imaginarmos alguma coisa melhor que isso", diz a economista, destacando a perda de fôlego da economia nos últimos meses e o retrospecto de crescimento muito baixo das últimas décadas.

A pesquisadora explica que a estimativa já considera também um crescimento populacional menor, o que em tese é um fator de pressão a menos sobre o PIB per capital.

"Na década anterior, a média de crescimento populacional por ano foi 0,83%. Agora nesta década a gente prevê que o crescimento será de 0,6% ao ano, o que também pode ser revisto até para baixo dependendo do resultado do Censo", diz.

Mesmo em um cenário de maior otimismo, com uma taxa de crescimento econômico de 3% ao ano a partir de 2023, o PIB per capita retornaria ao pico de 2013 a partir de 2025. Ou seja, o retorno ao patamar de antes da grande recessão de 2014-2016 ocorreria após no mínimo 12 anos.

"Isso seria um cenário super otimista, porque o PIB crescer 3% sistematicamente por vários anos é algo muito raro e atípico", afirma Matos.

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Última década foi a pior da história

De 1981 a 2019, a taxa de crescimento médio do PIB per capita foi de apenas 0,7% ano, de acordo com o levantamento.

A última década foi a pior da história para o PIB per capita, em um movimento na contramão do mundo, uma vez que a riqueza mundial apresentou crescimento no período.

Segundo o Ibre, o brasileiro ficou em média 0,6% mais pobre ao ano entre 2011 e 2020, um resultado ainda pior que o registrado na década de 1980, quando o PIB per capita caiu em média 0,4% ano a ano. Considerando apenas o período de 2015 a 2020, a perda anual média foi de 2%.

Evolução do PIB per capita nas últimas décadas — Foto: Economia G1

Importante destacar, porém, que o fraco desempenho observado na última década não é resultado apenas da pandemia, mas também da dura recessão registrada entre o fim de 2014 e 2016 e da fraca retomada nos três anos seguintes.

"A gente sempre gosta de apontar um culpado pela nossa mediocridade. Mas, antes da pandemia, o PIB já estava rateando bastante. 2019 já foi um ano relativamente ruim, com alguns trimestres negativos, a gente ainda estava 6,7% abaixo do patamar de 2013", afirma a pesquisadora. "Temos uma nova crise gerada pela pandemia, mas os nossos desafios de crescimento permanecem", acrescenta.

Inflação, crise energética e outros freios no PIB

As projeções econômicas do mercado financeiro para a economia têm piorado semana após semana, segundo o relatório Focus, do Banco Central, que colhe a avaliação de uma centena de economistas. Hoje, os analistas estimam que o PIB deve crescer 5,04% em 2021 e apenas 1,57% em 2022. No começo do ano, a previsão era de alta de 2,5% no ano que vem.

Após o PIB do Brasil avançar 1,2% no 1º trimestre, a recuperação perdeu fôlego no 2º trimestre, e os analistas não descartam a possibilidade de uma nova queda do PIB no 3º trimestre, o que caracterizaria uma recessão técnica.

A pesquisadora do Ibre destaca que o setor industrial e de bens de consumo continua sendo bastante prejudicado pelo aumento de preços, falta de insumos e encarecimento do custo da energia elétrica.

"Ainda há um espaço para normalização nos serviços públicos e alguns segmentos de serviços talvez possam acelerar um pouco. Então, é difícil imaginar um crescimento no ano muito abaixo de 4,9%, e algum crescimento para o ano que vem já está meio que garantido. É preciso qualificar, porém, o que é mero retorno à normalidade e não crescimento econômico propriamente dito", afirma.

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Entre os principais fatores de risco para a retomada e de freio para o PIB, estão o agravamento da crise hídrica, as preocupações com a trajetória das contas públicas (risco fiscal), a maior tensão política e antecipação da disputa eleitoral, a trajetória de alta da taxa básica de juros, o desemprego elevado e, principalmente, a inflação nas alturas.

"Mais de 60% do PIB do lado da demanda é consumo das famílias. Então, num cenário inflacionário e de baixo emprego, e com cobertor curto para as políticas redistributivas, o espaço para o aumento do consumo das famílias é muito baixo", avalia Matos.

A incerteza fiscal e política impedem uma queda do dólar – o que, além de pressionar a inflação, abala o otimismo dos empresários, inibindo os investimentos e, consequentemente, um maior crescimento potencial de longo prazo da economia.

Nesta semana, deputados e senadores aprovaram um projeto que permite ao governo federal abrir espaço no orçamento para bancar o Auxílio Brasil, programa social que o presidente Jair Bolsonaro pretende lançar para substituir o Bolsa Família. O texto autoriza o governo a contar com projetos ainda não aprovados para compensar gastos.

"Os desafios orçamentários para 2022 continuam substanciais, elevando a probabilidade de que o governo recorra a malabarismos fiscais – o que poderia continuar a deteriorar a percepção de risco soberano brasileiro, retardando a descompressão cambial e ampliando os riscos inflacionários", alertou, em nota, a equipe da LCA Consultores.

Para piorar, a atividade econômica chinesa vem mostrando sinais de forte esfriamento, o que além de prejudicar as exportações brasileiras de países emergentes como o Brasil também contribui para manter o câmbio pressionado.

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Desemprego alto e renda em queda

O desemprego no país também continua muito distante da registrada em 2013 e em 2014, quando a taxa média chegou a recuar a 6,8%, o que faz com que o rendimento do trabalho ainda continue em queda no país.

Segundo dados do IBGE, o desempregou recuou para 13,7% no trimestre encerrado em julho, mas o rendimento real habitual do trabalhador ficou em R$ 2.508 o que representa uma queda de 8,8% na comparação com julho de 2020.

"Temos um choque inflacionário num contexto de uma renda do trabalho que não cresce. Ou seja, o emprego cresce, mas a renda não vem junto porque é muita gente ainda querendo voltar ao mercado de trabalho. A inflação corrói o poder de compra e não tem muito por onde escapar, porque até mesmo o crédito está ficando mais caro", diz Matos, citando o aumento da Selic, atualmente em 6,25% ao ano.

Na visão da economista, a incerteza deverá permanecer elevada pelo menos até as eleições presidenciais do ano que vem, e até que haja maior clareza sobre a perspectiva para trajetória e sustentabilidade das contas públicas.

"Num cenário de um governo com menos tensão política e uma agenda reformas, pode haver espaço para uma valorização cambial, o que ajudaria a segurar a inflação e a deslanchar investimentos. Isso poderia permitir até mesmo uma redução de juros em 2023", avalia.

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