Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Inflação mundial da comida é a maior em 32 anos

Disparada de preços de alimentos medida pela FAO é recorde e balança política

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O preço de carnes, grãos, derivados de leite, óleos e açúcar não era tão alto faz pelo menos 32 anos, segundo as contas da FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Altos em termos reais, descontadas outras inflações da economia mundial.

A inflação americana, da gasolina em particular, ajuda a derrubar a popularidade do presidente Joe Biden. Os preços para o consumidor americano aumentaram 8,5% em março (na comparação com março do ano passado), ritmo mais veloz em mais de 40 anos. A comida em casa ("groceries") aumentou 10%.

Na França, os preços subiram menos, 4,5%. Mas foram o tema das semanas finais da campanha eleitoral, o que ajudou a colocar Marine Le Pen nos calcanhares do presidente Emmanuel Macron. A candidata da extrema direita promete cortar impostos sobre consumo de bens do dia a dia. Na Europa do euro, a inflação anual está em 7,5%. No Brasil, em 11,3%.

A inflação ultrapassou os 8% nos Estados Unidos em março, sua maior marca desde 1981 - Frederic J. Brown/AFP

Haverá refresco, para preços da comida ou da inflação em geral? O chute depende do que vai acontecer com a guerra na Ucrânia, com os problemas de produção da indústria mundial ou com a epidemia, em particular na China. Surtos de Covid fazem os chineses fecharem fábricas, portos ou regiões inteiras, tumultuando ainda mais o abastecimento da globalização cada vez mais avacalhada.

Na observação mais banal, os números das bolsas e das cotações internacionais, vê-se que o barril do petróleo deu uma acalmada em degrau muito alto, desde março (alta de cerca de 35% no ano). Em abril, os grãos continuaram a encarecer. No ano, é terrível ainda a carestia de trigo (43%), milho (31%) e soja (26%). Carnes e açúcar deram uma acalmada.

Nesses patamares, porém, preços tão essenciais como os de energia e comida já comeram o poder de compra de pobres e remediados do mundo, "classe média" europeia e americana inclusive. Não haverá baixa de preços ou alta de salários tão cedo. Há risco de tumulto social e político —sim, temos peste, guerra e inflação.

Em um ano, o índice de preços da FAO aumentou 33,6%. Na virada de 2010 para 2011, subia a cerca de 30% ao ano. Foi quando começaram as revoltas sociais e políticas chamadas de "Primavera Árabe". Dizer que foram causadas pela carestia da comida é exagero, mas não muito (alta ainda maior de preços, em 2008, não chegou a causar revoluções).

A inflação mundial da comida vinha em alta forte desde outubro de 2021, com a retomada gradual das economias, mas estacionara em níveis recordes em torno da virada do ano. A guerra provocou um salto mortal. Porém, há problemas que precedem a invasão russa da Ucrânia e não vinham tendo refresco.

Mesmo que um milagre dê fim à guerra, os efeitos do conflito vão persistir por algum tempo, em particular no que diz respeito a fertilizantes, grãos, trigo e óleos. A alta mundial das taxas de juros vai derrubar o crescimento das economias, ainda não se sabe quanto, o que pode conter a carestia. Mas, como parece óbvio, só vai ser bom (menos inflação) se for ruim (menos crescimento).

No Brasil, poderia haver um alívio por causa da desvalorização do dólar em relação ao real (mais de 17% desde dezembro) e da redução do preço da eletricidade. No entanto, a inflação está disseminada e talvez já provoque algum efeito bola de neve (inércia). A redução da carestia dependeria de um dólar mais baixo por uns meses. Mas é preciso relembrar que o dólar mais barato não é páreo para um barril ainda em alta de 35% no ano. Além disso, a campanha eleitoral vem aí, com seus disparates e geradores de incerteza, que costumam jogar o real no chão.

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