Entenda por que regular o mercado de carbono é melhor para o Brasil

A Agência de Notícias da Indústria responde às principais dúvidas sobre as discussões em torno do mercado de carbono, que está no centro das negociações da COP-26

ilustração colorida traz elementos de sustentabilidade, como energia eólica e solar, para ilustrar mercado de carbono

A criação de um mercado global de carbono é uma das estratégias para ajudar os países a reduzir as emissões e atingir a meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura do planeta abaixo de 1,5ºC. No entanto, esse é um dos pontos no qual ainda falta consenso para a finalização do livro de regras para implementação do acordo e é grande a  expectativa de que a questão seja equacionada na próxima Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP-26), que ocorre de 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. 

Enquanto as negociações andam lá fora, diversos países já estão criando seus próprios sistemas de precificação do carbono, na forma de taxação de emissões ou de comercialização de cotas via mercado de carbono. Para a indústria brasileira, liderada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o caminho mais adequado, dentre as opções de precificação, para o Brasil contribuir no atingimento das metas da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) é via mercado de carbono regulado. O compromisso do país é de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 37% até 2025 e 43% até 2030, tendo como base as emissões de 2005.  

São duas as estratégias centrais para promover ações de mitigação de emissões de gases de efeito estufa. A primeira é por meio de políticas de “comando e controle”, em que o Estado estabelece a regulação direta. Já a segunda é via instrumentos econômicos, por meio da adoção de incentivos e subsídios e por meio da precificação de carbono. Esta consiste na atribuição de um preço sobre as emissões de gases de efeito estufa. 

A precificação pode ser feita de duas formas. A primeira é pela taxação de carbono e a segunda é por meio de mercados de carbono, que podem ser voluntários ou regulados. 

No caso dos mercados regulados, o tipo mais comum mundialmente é o Sistema de Comércio de Emissões, sob a ótica do Cap and Trade. Neste mercado há interação entre os setores regulados, que podem comprar e vender permissões de emissões de GEE (de acordo com alocações definidas pelo governo).  Este é o caminho defendido pela Confederação Nacional da Indústria. 

Uma eventual taxação de carbono no Brasil levaria ao aumento de custos de produção, uma vez que não sendo possível zerar as emissões, alguns setores produtivos vão pagar mais tributos. A taxação do carbono resultaria em cumulatividade na cadeia produtiva, gerando perdas de competitividade econômica. Além disso, não existe garantia de que a receita gerada pelo pagamento desse tributo será destinada a ações de redução de emissões ou desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono.   

Foram mapeadas as seguintes perdas potenciais: redução de 800 mil postos de trabalho, queda de R$ 130 bilhões no PIB, aumento de custos e redução da atividade econômica em até 3%, quedas nas exportações em até 5% e aumento dos custos de insumos da indústria, sobretudo de energia elétrica (6%), transportes (16%) e combustíveis (22%).  

O projeto Partnership for Market Readiness (PMR Brasil), coordenado pelo governo brasileiro em parceria com o Banco Mundial, avaliou impactos econômicos e sociais da implementação de sistemas de precificação de carbono no Brasil. Como resultado, sugeriu como mecanismo mais adequado para o país o mercado regulado de carbono, ou seja, um sistema de comércio de emissões no modelo Cap and Trade, para apoiar o cumprimento das metas estabelecidas pelo Brasil no Acordo de Paris.

No sistema de comércio de emissões (SCE), sob o racional Cap and Trade é definida uma quantidade máxima de emissões de gases de efeito estufa aos agentes regulados (cap) e são emitidas permissões de emissão de GEE. As permissões são distribuídas gratuitamente ou via leilões e podem ser comercializadas entre empresas. Em discussão no Brasil nos últimos anos, a regulação de um mercado de carbono deve avançar nos próximos meses. 

A criação de um mercado regulado permite um ambiente de segurança jurídica e confiança da indústria. Com regras claras e garantias de monitoramento e governança, as empresas conseguem decidir qual a melhor estratégia e quais medidas precisam ser adotadas para alcançá-la, como troca de equipamento ou investimento em novas tecnologias para reduzir as emissões de CO2, por exemplo.

Segundo o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, esse instrumento estimula o ambiente de negócios sem aumentar a carga tributária. “O mercado regulado de carbono será mais efetivo e complementará a estratégia para o cumprimento da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) no âmbito do Acordo de Paris”, declara. 

O setor industrial defende uma fase inicial de aprendizado e a utilização dos recursos financeiros da comercialização de permissões de emissões de gases de efeito estufa para reinvestimento em tecnologias de baixo carbono. Além disso, a indústria quer que a regulamentação do mercado contemple também o uso de offsets (geração de créditos para compensação) em diversas frentes, como créditos florestais, energias renováveis, gestão de resíduos, entre outros. 

Outro ponto defendido é a consolidação e implementação de um sistema robusto de mensuração, relato e verificação (MRV) de emissões e remoções de gases de efeito estufa.   

A indústria também sugere a criação de um órgão colegiado que conte com a participação do governo e do setor privado, além da criação de comitês técnicos especializados, também com a participação do setor privado, para subsidiar o órgão colegiado. Segundo a CNI, essa é a base para que o sistema funcione. Para a efetividade desse mecanismo, é fundamental que haja alto nível de governança por parte do governo, para planejar e implementar um sistema adaptado ao contexto nacional.  

Elaborado pela CNI abordando iniciativas da União Europeia, do México, do Western Climate Initiative (WCI) no Canadá e Califórnia, do Japão e da Coreia do Sul, o estudo Mercado de Carbono: análise de experiências internacionais aponta para importância de uma governança bem estruturada, com participação do setor privado, para o sucesso da implementação de programas duradouros. 

Três elementos cruciais foram apontados nos mercados de maior sucesso: governos com forte capacidade de articulação que transcende o setor público e favorece um diálogo aberto com o setor privado; vontade política para avançar na agenda climática como um tema de Estado e não de governo, com consistência ao longo dos anos e experiência; e com um sistema de relato obrigatório de emissões. 

Além da liderança no Executivo, outros pilares identificados pela pesquisa e apoiados pela CNI são a descentralização, criação de novas estruturas, organização dos sistemas de compensação, interface com o setor privado e formas de interação com setores não regulados. 

A criação de um mercado regulado de carbono tem sido discutida pelo Congresso. O principal projeto é o PL 528/2021, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PL/AM). Atualmente ele está na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) aguardando deliberações.  

O tema também tem sido discutido pelo Executivo. Entre 2016 e 2020, a CNI, federações de indústrias, associações setoriais e empresas participaram do projeto Partnership for Market Readiness (PMR Brasil), coordenado pelo governo brasileiro em parceria com o Banco Mundial. O PMR é um programa global que já apoiou 23 países na avaliação de instrumentos de precificação de carbono.   

O projeto PMR Brasil finalizou em dezembro de 2020, com recomendação para a adoção do mercado regulado de carbono. Outra iniciativa do governo brasileiro, lançada em 2020, é o Floresta+. Trata-se de um programa do Ministério do Meio Ambiente que inclui um mercado voluntário de carbono em áreas de vegetação nativa, por meio da criação, fomento e consolidação de um mercado de serviços ambientais.  

Atualmente, dezenas de sistemas de mercado regulado já foram implementados para a comercialização de cotas de carbono ou para a taxação das emissões. De acordo com a pesquisa do Banco Mundial State and Trends of Carbon Pricing 2021, em países desenvolvidos, a precificação de carbono aumentou a produtividade e a inovação. Segundo dados da instituição, foram movimentados US$ 53 bilhões em receitas, em 2020, geradas a partir de estratégias de precificação de carbono que cobriram cerca de 21,5% das emissões globais de gases de efeito estufa, em 64 iniciativas implementadas

O primeiro sistema de comércio de emissões implementado na Europa (EU-ETS), por exemplo, surgiu há 15 anos e está na quarta fase. O ETS (Emissions Trading System, na sigla em inglês) é a principal referência de mercado de carbono. Já surgiram iniciativas relevantes em países do continente americano, como Estados Unidos, México e Chile. Na Ásia, diferentes países têm avançado concretamente na agenda da precificação. 

Maior emissor de carbono do mundo, a China lançou  este  ano seu mercado  interno, o maior do mundo em volume de emissões cobertas, com 2.225 empresas do setor elétrico. Essas companhias são responsáveis por um sétimo das emissões globais de carbono provenientes da queima de combustíveis fósseis, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).

A sustentabilidade está na estratégia da indústria brasileira, que não só usa a matriz energética a seu favor, mas está constantemente se atualizando para aumentar sua eficiência. Entre as iniciativas que já contribuem para o cumprimento das metas de redução de emissões, estão os esforços nas áreas de energias renováveis, recuperação de resíduos, eficiência energética e maior eficiência nos processos industriais. Também merece menção o RenovaBio, programa que prevê metas anuais de descarbonização para o setor de combustíveis. 

Enquanto a participação de renováveis na geração elétrica dos países da OCDE está em torno de 18% a 27%, no Brasil as fontes renováveis representam 83% da matriz elétrica. 

Para mostrar os feitos do setor em prol da transição para uma economia de baixo carbono, a CNI fez um levantamento de iniciativas e indicadores de seis setores – cimento, alumínio, vidro, papel e celulose, químico e aço –, responsáveis por 85% das emissões do setor.  

O setor de cimento brasileiro, por exemplo, emite 11% a menos de GEE quando comparado à média mundial do setor. No setor de papel e celulose, enquanto 9 milhões de hectares são destinados ao cultivo de árvores para fins industriais, outros 5,9 milhões de hectares são preservados em florestas nativas, entre Áreas de Preservação Permanente (APP), Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e Reserva Legal (RL).  

A reciclagem no Brasil alcança índices bastante representativos. Por exemplo, no caso do papel a taxa é de 66,9%, uma das mais altas do mundo. No setor de alumínio, a reciclagem responde por cerca de 56% do volume total do consumo dos produtos de alumínio, enquanto a média global é de 26%. No caso das latas de alumínio para bebidas, o percentual chega a 97%. A indústria de embalagens de vidro recicla em torno de 400 mil toneladas de vidro por ano, o que equivale a uma redução de 100 mil toneladas de gases de efeito estufa não emitidas na atmosfera anualmente.  

O setor químico também se destaca nessa agenda de baixo carbono. Entre 2006 e 2016, as indústrias químicas reduziram em 44% as emissões de gases de efeito estufa associados aos seus processos industriais. Outro setor com contribuição relevante é o de aço, que teve a iniciativa pioneira de utilizar o carvão vegetal em substituição ao carvão mineral para produção de aço com baixa pegada de carbono. O carvão vegetal é obtido a partir da madeira extraída de florestas plantadas. Desta forma, a captura de CO2 que ocorre durante o crescimento das árvores iguala, ou mesmo supera, o volume liberado deste mesmo gás durante o processo de produção do aço. 

Diversas instituições públicas e privadas participam do processo de elaboração dos Inventários Nacionais, contribuindo junto ao governo com a disponibilização de dados de atividades, ou com o desenvolvimento de parâmetros e fatores de emissão nacionais. Essa abordagem é chamada top-down.  

Atualmente não há um banco de inventários de emissão bottom-up (onde o preenchimento é feito pela própria empresa) consolidado e disponível para todos os setores econômicos.  

Apesar de muitas empresas relatarem as suas emissões de forma voluntária, estados como São Paulo e Rio de Janeiro já exigem, de forma obrigatória, o relato de emissões.

Em relação aos relatos voluntários, as demandas estão ligadas ao atendimento a requisitos de mercado, à comunicação externa, à adesão às plataformas voluntárias, como o Carbon Disclosure Project (CDP) e o Programa Brasileiro GHG Procotol, além dos sistemas nos estados de Minas Gerais e Paraná, ainda na fase de relatos voluntários. 

O mercado de carbono é um dos instrumentos que pode apoiar o Brasil no cumprimento das metas estabelecidas na NDC. Existem outras agendas para o Brasil implementar a NDC, como: avançar na implantação de energias renováveis mais competitivas, desenvolver ações para combater o desmatamento ilegal, fortalecer a política nacional de biocombustíveis, ampliar os índices de reciclagem, estabelecer a recuperação energética de resíduos, implementar ações de eficiência energética, avançar nas agendas de economia circular e bioeconomia, entre outros. 

A NDC brasileira é “economy-wide”, o que significa que vale para o conjunto da economia e não tem metas específicas para setores. Dessa forma é mais difícil concluir qualquer questão relacionada a impactos para a indústria.  

Um dos principais pontos que vem sendo discutido e o que ainda falta alcançar consenso é o instrumento financeiro estabelecido no Acordo de Paris. O Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS) permite que o setor privado invista em projetos voluntários de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs).

Por meio do MDS, será estabelecido o mercado de carbono global que, se bem operado, propiciará novos negócios, investimentos e transferência de tecnologia para o Brasil. Assim, pode ser uma das soluções baseadas no desenvolvimento sustentável para a geração de emprego e renda no país, principalmente no cenário pós-covid-19.

Alguns temas também estão no radar do setor industrial e têm feito parte das discussões prévias da COP 26 com a presença de ministros e representantes de alto nível: financiamento climático, adaptação, transferência de tecnologia e pagamento por serviços ambientais. 

Entre as prioridades para atrair mais investimentos para o Brasil estão: energias renováveis, hidrogênio, ações para combater o desmatamento ilegal, conservação florestal, reciclagem, recuperação energética de resíduos, eficiência energética, projetos de economia circular e bioeconomia.

O Brasil tem grande potencial para ser protagonista no processo de transição para uma economia de baixo carbono. A matriz energética brasileira tem grande participação de fontes renováveis, o que acontece em poucos países. Segundo dados do último Balanço Energético Nacional (BEN 2020), a participação das fontes renováveis é destaque na geração de eletricidade, na qual elas representam 83% da oferta interna do País.

De acordo com a International Energy Agency (IEA), nos EUA e nos países membros da OCDE essa representatividade seria em torno de 18% e de 27%, respectivamente. Além disso, o País detém a maior biodiversidade (20% do número total de espécies da Terra) e disponibilidade hídrica do mundo (12% das reservas mundiais), tendo 58% do território nacional com cobertura florestal. 

Para a agenda climática como todo, podemos destacar a necessidade de definição de uma estratégia nacional  mais ampla e integrada para a redução de emissões com políticas que criem um ambiente favorável aos investimentos; o estabelecimento de governança institucional e coordenação de esforços entre governo e setor produtivo para garantir mais transparência no cumprimento das metas do Acordo de Paris; a elaboração de um plano de descarbonização para o país com participação do setor produtivo; e investimentos em P&D visando novas tecnologias associadas a baixo carbono (como eólica offshore, hidrogênio, e captura e armazenamento de carbono). 

A CNI defende que a implementação dos compromissos adotados pelo país seja integrada e transparente, com ampla participação do setor produtivo e, para contribuir nesse processo, mapeou 4 pilares estratégicos para desenvolver uma economia de baixo carbono: transição energética, precificação de carbono, economia circular e conservação das florestas. 

Em relação ao tema específico sobre mercado, a CNI entende como prioridade a criação de um mercado regulado de comércio de emissões. Mas para isso, é fundamental a consolidação de um sistema robusto de mensuração, relato e verificação (MRV) de emissões e remoções de gases de efeito estufa.

É uma medida da União Europeia que estabelece um Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, em inglês), para cobrança de tarifa adicional, sobre produtos importados com base na quantidade de carbono emitida em sua produção. A proposta legislativa anunciada prevê uma fase transitória, de três anos, a partir de 2023. Reino Unido, Estados Unidos e Canadá também estudam adotar medidas semelhantes. 

Ao precificar o carbono, o Brasil também se protege de novas taxações externas, como o CBAM, anunciado pela União Europeia. 

O CBAM é um fator de pressão para o Brasil estabelecer normas para precificação interna de carbono. Se o Brasil já tiver um mercado regulado quando o CBAM for implementado — o que deve ocorrer em fase transitória em 2023 —, pode solicitar uma redução do número de certificados CBAM se comprovar que já paga pelo carbono em território nacional. 

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