Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

Carros voadores de um futuro próximo serão sustentáveis?

Depois de conquistarem os espaços subterrâneos e a superfície, os transportes urbanos ocuparão o espaço aéreo

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Nas primeiras décadas do século 20 uma guerra, muitas vezes sangrenta, era travada nas ruas das cidades. Pedestres e carros pelejavam pelo direito de usufruir do espaço público.

Os carros começaram por ser demonizados na imprensa pelo alto índice de obituários de pedestres (“Sempre os Automoveis” destaca uma notícia da Folha de 23 de fevereiro de 1921), mas as primeiras leis de controle de tráfico viário (em 1928, em Los Angeles) acabaram por ditar a vitória final do carro. Os pedestres foram empurrados para as calçadas e obrigados a respeitar faixas para atravessar vias, encurtando-se a ampla liberdade espacial que anteriormente desfrutavam.

Uma guerra semelhante está prestes a ser travada, agora pelo domínio do espaço aéreo. Mais de 150 empresas estão desenvolvendo algum tipo de eVTOL (veículos elétricos de pouso e decolagem vertical), incluindo a Embraer. O governo do Japão, um dos mais visionários em mobilidade aérea, quer que o uso de “carros voadores” seja uma prática comum já em 2025.

A Morgan Stanley estima o tamanho do mercado em US$1,5 trilhão até 2040. Legisladores, agências de controle de tráfego aéreo, investidores e corporações movimentam-se para criar as condições basilares para que este mercado decole —literalmente.

Um dos argumentos recorrentemente usados pelos opífices de eVTOLs é o da sustentabilidade. A política rodoviarista alimentada por combustíveis fósseis gera crônicos problemas de saúde pública, de mobilidade urbana, e de sustentabilidade ambiental.

Os eVTOL, por outro lado, serão mais limpos, quando comparados com automóveis. Um estudo da Universidade de Michigan demonstrou que eVTOLs emitem menos 52% (se comparados a carros a gasolina) e menos 6% de gases do efeito estufa (relativamente a carros elétricos), se usados em distâncias de 100 kms.

Mas serão os eVTOL verdadeiramente sustentáveis, se interpretarmos a sustentabilidade como um conceito holístico que considera as dimensões ambiental, social e econômica?

A vastíssima maioria dos eVTOL transportam menos de uma mão cheia de passageiros, reforçando o individualismo e a desumanização da mobilidade urbana. Os atuais críticos do transporte individual em comparação ao coletivo terão um novo público-alvo para direcionarem as suas flechas.

Outra das consequências dos carros voadores é o hiperacesso. A mobilidade passará a ser customizada à personalidade de cada um e a noção de distância será reinterpretada. A ausência de restrições físicas levará a que os seres humanos ocupem espaços atualmente inacessíveis, penetrando em áreas de domínio da natureza, fundamentais para o sequestro de carbono.

Da mesma forma que a construção das primeiras rodovias, na década de 50 nos EUA, permitiu o avanço desordenado de populações citadinas para áreas desocupadas e a edificação de bairros periféricos e de cidades dormitório, o desenvolvimento de rodovias aéreas permitirá que possamos trabalhar e viver em novas regiões, ainda mais afastadas, desequilibrando biomas essenciais para mitigar os efeitos das alterações climáticas.

Além disso, estes transportes criarão, pelo menos inicialmente, novos arquipélagos de exclusão e elitismo. Sendo o eVTOL um transporte privado e não coletivo, dificilmente os governos apoiarão o seu desenvolvimento com incentivos fiscais e outros subsídios, o que manterá o preço das aeronaves num patamar alto, por muito tempo.

Curiosamente, a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA), responsável por garantir a segurança e a proteção do ambiente na aviação civil na Europa, lançou há poucas semanas um manual de especificações técnicas que os fabricantes de eVTOLs deveriam seguir para conseguirem as devidas licenças de operação. Porém, entre os requisitos, as questões ambientais são praticamente negligenciadas. Oferece-se assim um laissez-passer para que as aeronaves possam ser construídas e operadas sem as mais exigentes proteções sociais e ambientais.

Na breve apresentação que a Embraer faz do seu eVTOL no seu site, saltitam as expressões “inovação disruptiva” ou “os mais altos níveis de segurança”, mas a sustentabilidade, pelo menos no marketing, é descuidada.

Se no início do século 2020 a batalha era entre carros e pedestres, na primeira metade do século 21 a contenda será entre carros voadores e a sustentabilidade do planeta. Que modelo de cidade queremos construir?

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