• Mario William Esper*
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Parque Ricardo Franco, no Mato Grosso (Foto: Divulgação)

(Foto: Divulgação)

O grande volume de consumo nas cidades resulta em uma geração de resíduos sólidos urbanos bastante alta - crescimento que, infelizmente, não é gerido de maneira adequada. Essa gestão inadequada traz consequências danosas para o meio ambiente e para a saúde das pessoas com contaminação do solo, do ar e dos recursos hídricos.

Grande parte dos resíduos poderia ser reaproveitada ou transformada em produtos de valor agregado (economia circular), poupando recursos naturais, financeiros e emissões de gases do efeito estufa (GEE).

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sancionada em 2010, foi um marco importante para o setor e a iminência da aprovação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) traz à tona metas importantes para o gerenciamento adequado de resíduos sólidos, como redução de aterramento, reciclagem e estabilização da fração orgânica.

Entretanto, há poucas adequações no país, os lixões ainda existem e o Brasil precisa evoluir bastante em todos os setores, públicos e privados. Após 10 anos da lei federal 12.305/10, os índices relacionados à coleta regular, coleta seletiva, reciclagem, estabilização dos biodegradáveis e destinação final adequada dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) ainda são insatisfatórios.

De acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) em 2020, através do “Panorama dos Resíduos Sólidos”, a geração de RSU no Brasil na última década registrou crescimento considerável, passando de 67 milhões para 79 milhões de toneladas por ano.

Desse total, foram coletados 58,7 milhões de toneladas em 2010 e 72,7 milhões de toneladas em 2019. Isso equivale a 140 maracanãs cheios de lixo.

A coleta regular é a etapa inicial necessária para viabilizar um sistema adequado de gestão de resíduos, e, apesar do avanço registrado, o país ainda apresenta déficit na abrangência desses serviços e 6,3 milhões de toneladas/ano seguem abandonadas no meio ambiente - impactando diretamente na saúde de 77,65 milhões de brasileiros, com um custo ambiental e para tratamento de saúde de cerca de US$ 1 bilhão por ano.

Já sobre a coleta seletiva, os dados mostram que, em 2010, 3.152 municípios registravam alguma iniciativa, enquanto na década seguinte esse número aumentou para 4.070. Apesar do crescimento, em muitas cidades as atividades ainda não abrangem a totalidade da área urbana.

As iniciativas ainda são bastante iniciais e a falta de separação, de infraestrutura e de logística refletem na sobrecarga do sistema de destinação final e na extração de recursos naturais.

No Brasil, a maior parte dos RSU coletados seguem para disposição em aterros sanitários, tendo sido registrado um aumento de 10 milhões de toneladas em uma década, passando de 33 milhões de toneladas/ano para 43 milhões de toneladas/ano.

Por outro lado, a quantidade de resíduos que segue para unidades inadequadas (lixões e aterros controlados) também cresceu, passando de 25 milhões de toneladas/ano para pouco mais 29 milhões de toneladas/ano. Ou seja, atualmente, 40,5% dos resíduos no Brasil têm sua destinação final feita de maneira inadequada.

A gestão da fração orgânica é outro grande desafio. Apesar de representar a maior fração dos RSU (51,4%), a gestão adequada ainda é insignificante.

Segundo o Planares, em 2018 foram coletadas 37 milhões de toneladas de orgânicos e apenas 127.498 toneladas, ou seja, só 0,34% desta fração foi submetida a um tratamento adequado, que poderia ser utilizada para gerar eletricidade, combustível veicular e industrial, composto orgânico (reciclando carbono e nutrientes), material de cobertura de aterro, dentre outros. Lembrando que o tratamento desta fração caracteriza-se como índices de reciclagem de materiais.

Para evoluirmos na quantidade de resíduos reciclados, do ponto de vista da hierarquia das alternativas de tratamento de resíduos, está o ecoparque, uma instalação que segrega, processa e transforma as frações dos resíduos em produtos de valor agregado (recicláveis secos, resíduos para aproveitamento energético (RSUE), composto, biogás/biometano, energia elétrica, energia térmica, material de cobertura de aterro, dentre outros).

"Neste sentido, precisamos aumentar o número de ecoparques no país, gerando possibilidades de uso dos resíduos e reduzindo significativamente a destinação final diretamente no aterro"

 

Pensando nisso, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), em parceria com a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), está trabalhando em um plano para elaborar normas que definam o que é um ecoparque e quais devem ser os processos, etapas e a caracterização desde o ponto de coleta até o processamento e entrega dos produtos finais.

Além disso, estamos fazendo uma força-tarefa para atualizar e elaborar novas normas referentes aos setores de meio ambiente, resíduos e saneamento que trabalharão todas integradas.

Somente a regulamentação e a transparência das etapas dos processos relacionados poderá facilitar a estruturação deste modelo de negócios, trazendo segurança jurídica para que o mercado possa investir na criação de ecoparques, como aconteceu em diversos países na Europa, possibilitando ao Brasil ter uma escala maior de resíduos destinados adequadamente e de acordo com uma normalização nacional e procedimento único.

As normas também auxiliam no ciclo de desenvolvimento positivo gerado através da economia circular, que propõe que os resíduos de um setor sejam aproveitados por outros como matéria-prima, permitindo que os produtos e serviços retornem à natureza com menor impacto ambiental.

Mario William Esper é presidente da ABNT, engenheiro civil, mestre em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP).