Franklin de Freitas – Laboratório de pesquisa da UFPR: estudo na fase pré-clínica

A pandemia do novo coronavírus persiste, bem como os esforços da ciência para encontrar saídas para a crise sanitária. E uma promissora iniciativa é liderada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), que desde maio do ano passado estuda o desenvolvimento de uma vacina paranaense contra a Covid-19. Com resultados animadores nas primeiras etapas da fase pré-clínica, o trabalho sofre com a escassez de recursos, mas ainda assim se prepara para iniciar a fase clínica, com pesquisas em humanos, no começo do ano que vem. Tudo dando certo, é possível que o imunizante, que utiliza tecnologia nacional e promete ser mais barato que os concorrentes, esteja disponível à população a partir de 2023.

Segundo o cientista Emanuel Maltempi de Souza, presidente da comissão de especialistas criada na UFPR para o enfrentamento e prevenção da Covid-19 e também o líder das pesquisas da vacina, a ideia de desenvolver o imunizante surgiu em abril de 2020, ainda no início da pandemia, e os esforços tiveram início, efetivamente, no mês seguinte, antes mesmo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) repassar qualquer verba (R$ 230 mil) para o estudo, por meio da Rede Vírus.

“O recurso [do MCTI] chegou em agosto, mas começamos a trabalhar antes, usando material que tinha em laboratório e a taxa de bancada do CNPQ de alguns professores [recurso para pesquisa que não está relacionado com um estudo específico]”, conta Maltempi de Souza, comentando ainda que ao final de 2020 a pesquisa para desenvolvimento da vacina já apresentava resultados muito bons, por exemplo induzindo uma produção maior de anticorpos que a de Oxford em fase pré-clínica.

Mas se os resultados são promissores, os desafios também são grandes, inclusive (e talvez principalmente) pelo aspecto financeiro e burocrático. O recurso do MCTI, por exemplo, já estava praticamente todo comprometido ao final do ano passado. Foi quando os pesquisadores apelaram ao Governo do Estado, que fará um aporte de R$ 1 milhão, o que permitirá a conclusão da fase pré-clínica (faltam ainda os ensaios de neutralização, que buscam verificar por quanto tempo o nível de anticorpos permanece alto no organismo dos animais; de proteção animal, que verificam qual a melhor dose da vacina para proteger o organismo; e o teste toxicológico, que verifica se diferentes concentrações da vacina podem trazer efeitos colaterais ao animal de forma global).

“Hoje a gente está quase em stand by, pouca gente para trabalhar. O recurso do Estado, começamos a conversar em janeiro, mas está saindo agora e preciso de três novos bolsistas, que devem chegar em um mês ou dois. Mas até o final do ano devemos ter todos os resultados da fase pré-clínica. Antes a previsão era outubro, agora é novembro, talvez dezembro. Depende muito de ter os recursos”, explica o cientista.

Fase clínica demandará ainda mais dinheiro; busca por recursos já começou

Conforme Maltempi de Souza, assim que os pesquisadores já tiverem os resultados do ensaio de neutralização na fase pré-clínica, deverá ter início as conversas com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para adiantar toda a burocracia necessária para iniciar a fase clínica do estudo, que envolverá o teste em humanos. Além da questão burocrática, porém, outro problema deve ser novamente os recursos.

“Agora o governo do Estado está financiando com R$ 1 milhão. Na fase clínica, falamos, para começar, em um valor de 5 a 10 vezes maior”, conta o cientista, que recentemente participou de uma reunião com o MCTI e a bancada de deputados federais do Paraná. Já se sabe, de partida, que o governo federal não deverá aportar mais recursos, embora vá ajudar na questão burocrática. Mas a bancada paranaense prometeu destinar, por meio de emenda, R$ 10 milhões para o desenvolvimento da vacina. “Foi deixado claro para gente, desde o ano passado, que o Ministério não tem dinheiro neste momento. Contamos com o recurso da bancada para conseguir colocar essa fase clínica em ação”, complementa o pesquisador.

Esse montante, contudo, é suficiente apenas para iniciar a fase clínica do estudo. A estimativa dos pesquisadores é que, ao todo, seja necessário um investimento de, pelo menos, mais R$ 50 milhões para o desenvolvimento do imunizante.

“Se vier emenda da bancada, é possível avançar rapidamente para a fase 1 e 2 [da fase clínica, que envolve testes de segurança em um grupo mais restrito de pessoas] e, enquanto realizamos essas fases, já precisamos ter mecanismos para obter recursos para a fase 3 [com testes de eficácia envolvendo dezenas de milhares de pacientes vacinados e monitorados]. Se tudo corresse perfeitamente, teríamos no final deste ano o fim da fase pré-clínica, ano que vem começaríamos a fase clínica e em 2023 a vacina estaria pronta para produção.”

Vacinas serão necessárias pelos próximos anos: “Vírus veio para ficar”

Hoje, além da UFPR, instituições como o Butantan, a USP, a UFMG e a UFRJ também estão trabalhando para desenvolver vacinas brasileiras contra o coronavírus. Os esforços são importantes para que o país crie uma capacidade nacional de produção, além de considerar o fato de que imunizantes contra a Covid-19 deverão ser necessários pelos próximos anos. “Não sei se pelos próximos cinco, dez anos ou para sempre. Mas esse vírus veio para ficar, não embora”, diz o cientista Emanuel Maltempi de Souza.

Ainda segundo o especialista, há a expectativa de que a vacinação contra a Covid-19 tenha de acontecer periodicamente. “Não sabemos se a cada seis meses, um ano, mas temos de construir capacidade de produção de vacinas e de diferentes vacinas para os próximos anos. Minha aposta inicial é que a vacinação de Covid é para sempre. As variantes ainda representam uma grande interrogação. Com o aparecimento de variantes, percebemos que muda a resposta para a vacina. A cada ano, a cada seis meses, talvez tenhamos de repensar a vacina. Por isso é necessário ter vários tipos de vacina, várias plataformas de vacina, que sejam desenvolvidas no Brasil para a gente poder fazer essas modificações”, ressalta.

Ainda segundo ele, o Brasil convive com um grande número de doenças infecciosas que matam brasileiros, deixam sequelas e diminuem a produtividade da economia. “Hoje, nossa única solução é conviver com essas doenças. Isso é uma estratégia errada, perdedora. O certo é apostar na ciência, no desenvolvimento de vacinas, para gente ter independência nesse setor. Junto vem emprego de qualidade, saúde de qualidade, tudo de bom. É um círculo vicioso que não podemos deixar de iniciar.”

 Vacina paranaense será mais barata e utilizará tecnologia nacional

A vacina desenvolvida pela UFPR tem características multifuncionais, ou seja, pode ser recombinada para servir como imunizante para outras doenças, como dengue, zika vírus, leishmaniose e chikungunya. O mais importante, contudo, é que o imunizante em desenvolvimento utiliza insumos nacionais e tem tecnologia de produção 100% desenvolvida na UFPR. fruto de pesquisas realizadas com biopolímeros biodegradáveis e com partes específicas de proteínas virais. Além disso, outro ponto positivo é o custo de produção. De acordo com os pesquisadores, hoje são gastos menos de cinco reais para fabricar cada dose.

“Nossa estratégia usa imunidade de proteína ou proteína recombinante. Não usamos o vírus, mas produzimos uma parte do vírus em bactéria e usamos isso para imunizar. A novidade dessa vacina, que é o seu diferencial, é o seguinte: é sempre necessário adicionar algo para induzir o sistema de defesa a construir uma defesa contra o vírus. Isso é chamado de adjuvante. No nosso caso, essas partículas que produzimos em laboratório tem atividade de adjuvante. Produzimos uma resposta de anticorpo muito alta sem o adjuvante. Então nossa iniciativa é uma das mais modestas, partimos testando uma nova fórmula e deu certo, deu bastante certo. E ao mesmo tempo, por ser modesto, uma tentativa de algo bem novo, está se tornando mais ambicioso porque vemos uma possibilidade de ter uma tecnologia nacional, que a gente pode aplicar com insumos naturais, uma tecnologia que permite outros desdobramentos, e o custo é baixo, porque esses adjuvantes são muito caros. Não fechamos os olhos pros adjuvantes naturais, tem de testar, comparar. Mas devemos dispensar, se não todos os adjuvantes, uma boa parte deles, porque essa estratégia permitiu induzir resposta de defesa muito boa sem uso do material. Essa é a diferença.”

Abismo

Para o cientista Emanuel Maltempi de Souza, da UFPR, o planejamento, desenvolvimento e produção de vacinas num país como o Brasil, com 220 milhões de habitantes, deveria ser uma questão de segurança nacional. Acontece que o país não tem e nunca teve essa independência no setor. E quando se compara à realidade de outras nações, o abismo que se vê é gritante. “O MCTI, por exemplo, talvez tenha repassado R$ 20 milhões no todo [para os projetos de desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19]. Os Estados Unidos, só para a Moderna, na fase de pesquisa, antes de iniciar a fase clínica, repassou 1,5 bilhão de dólares. Em setembro, outubro de 2020, destinou mais 1 bilhão de dólares. Essa é a diferença entre as coisas feitas e as meio feitas. É necessário uma decisão política, estadista, de dizer que vamos investir nessa aposta, porque se der certo os ganhos são imensos.”