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Na corrida dos veículos autônomos, Alemanha sai na frente com nova lei

Norma propõe que automóveis sejam supervisionados por humanos e operem em espaços definidos

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Jack Ewing
Frankfurt (Alemanha) | The New York Times

Em Hamburgo, na Alemanha, uma frota de furgões elétricos da Volkswagen que opera sob o controle de um serviço de transporte por app circula pelas ruas apanhando e deixando passageiros. Os veículos são autônomos, mas técnicos trabalhando em um centro remoto de controle acompanham seu progresso com a ajuda de monitores de vídeo. Se qualquer coisa de errado acontecer, eles podem tomar o controle de um veículo e resolver o problema.

Essa visão futurística, que está ao alcance da tecnologia atual, em breve será legal na Alemanha. O Legislativo do país, em Berlim, aprovou uma nova lei sobre veículos autônomos em maio, e ela só aguarda a assinatura do presidente da Alemanha, uma formalidade. A lei abre caminho para que empresas comecem a ganhar dinheiro com serviços de veículos autônomos, o que também pode estimular seu desenvolvimento.

Com o requerimento de que as operações de veículos autônomos sejam supervisionadas por seres humanos, a lei alemã reflete a compreensão por parte do setor de que os pesquisadores ainda estão a anos de desenvolver carros que podem permitir que o motorista desvie sua atenção completamente enquanto o veículo faz todo o serviço. A lei também requer que os veículos autônomos operem em um espaço definido aprovado pelas autoridades, um reconhecimento de que a tecnologia ainda não avançou o suficiente para funcionar com segurança em áreas nas quais o tráfego seja caótico e imprevisível.

Volkswagen tem testado serviço de compartilhamento de corridas em Hamburgo e Berlim chamado Moia; nova lei facilita para a empresa converter os furgões elétricos para operação autoguiada até 2025
Volkswagen tem testado serviço de compartilhamento de corridas em Hamburgo e Berlim chamado Moia; nova lei facilita para a empresa converter os furgões elétricos para operação autônoma até 2025 - Francois Lenoir - 9.jul.2020/Reuters

Assim, as empresas alemãs que estão desenvolvendo a tecnologia ajustaram suas ambições, concentrando-se em usos lucrativos que não exijam inovações revolucionárias.

A abordagem nacional adotada pela Alemanha contrasta com a colcha de retalhos de leis estaduais nos Estados Unidos. O governo federal americano divulgou diretrizes para a direção autônoma, mas tentativas de estabelecer regras compulsórias que se aplicariam a todos os 50 estados fracassaram no Congresso, em meio a desacordos sobre o que a legislação deveria dizer.

Alguns estados encorajaram a pesquisa sobre veículos autônomos. O Arizona permite que a Waymo, por exemplo, ofereça táxis autônomos em seu território. Mas ainda não é possível lançar esses serviços em base nacional para atingir a escala que os tornaria lucrativos.

“A Alemanha é única no sentido de ter uma lei que se aplica a todo o país”, disse Elliot Katz, vice-presidente de negócios da Phantom Auto, uma empresa da Califórnia que cria software para monitorar e controlar veículos remotamente. “Nos Estados Unidos, não temos uma regulamentação federal geral para os veículos autônomos. Temos leis estaduais, o que é problemático porque o movimento de veículos é inerentemente interestadual”.

A legislação alemã também pode dar às montadoras de automóveis do país uma vantagem na corrida para projetar carros capazes de se autoguiar. Ao colocar veículos autônomos em operação comercial, elas recolherão grande quantidade de dados que poderão usar para levar adiante a tecnologia. Se os serviços forem lucrativos, elas também poderão pagar por um desenvolvimento adicional.

“Há dois grandes tópicos para os fabricantes de automóveis alemães: a transição para os carros elétricos e os veículos autônomos”, disse Moritz Hüsch, sócio no escritório de advocacia Covington, de Frankfurt, que acompanha a evolução da legislação. “Os fabricantes de carros alemães são uma das joias da coroa do país. E estão muito ansiosos por estar na vanguarda quanto aos dois tópicos”.

A lei permite que veículos autônomos que se mantenham dentro de um território definido sejam supervisionados por técnicos treinados. Crucialmente, permite que os monitores mantenham sob observação remota numerosos veículos. Isso significa que uma pessoa ou equipe pode supervisionar por vídeo uma frota de furgões ou táxis autônomos, de uma central de comando, eliminando a necessidade de um motorista de segurança em cada veículo. Em caso de problema, um técnico poderia tomar o controle do veículo, de longe.

Os proponentes dizem que a lei permite ônibus autônomos para servir áreas rurais nas quais o transporte público seja escasso. Outros serviços podem incluir serviços automatizados de estacionamento ou entrega robotizada de pacotes. Veículos autônomos poderiam ser usados para transportar componentes ou trabalhadores dentro de um complexo de fábricas, ou estudantes por uma universidade.

Já existem veículos capazes de se deslocar por um percurso previsível, por exemplo do estacionamento de um aeroporto para o terminal de embarque, mas a lei alemã vigente requer a presença de um ser humano a bordo, o que cancela qualquer economia de custo com a eliminação do motorista.

Se um operador puder supervisionar uma dúzia de ônibus, de uma central de controle, “há situações de uso em que isso seria atraente”, disse Peter Liggesmeyer, diretor do Instituto Fraunhofer de Engenharia de Software Experimental, em Kaiserslautern. Isso encorajará mais desenvolvimento, ele disse.

No jargão técnico, a nova lei permite direção autônoma de nível quatro, na qual um veículo pode se manobrar e orientar sozinho na maioria do tempo, mas talvez requeira intervenção humana ocasional. Isso fica a apenas um passo do nirvana da direção autônoma: carros capazes de operar sem qualquer assistência humana.

A Volkswagen, por exemplo, vem testando um serviço de compartilhamento de corridas em Hamburgo e Berlim chamado Moia. A nova lei facilita para a empresa atingir seu objetivo de converter os furgões elétricos do Moia para operação autônoma até 2025, ainda que novas mudanças nas leis de transporte público do país também possam ser necessárias.

“O uso de veículos autônomos na Alemanha agora é possível”, afirmou Christian Senger, vice-presidente da divisão de veículos comerciais da Volkswagen, em comunicado. “Isso é algo pelo que não só a Volkswagen mas todos os participantes do mercado estavam esperando”.

Empresas de tecnologia como a Waymo ou montadoras de automóveis como a Toyota investiram bilhões de dólares em tecnologia para veículos autônomos, mas ainda não viram grandes retornos sobre seu investimento. A Uber vendeu sua unidade de veículos autônomos no ano passado, depois de investir mais de US$ 1 bilhão nela. Colisões fatais envolvendo o software Tesla Autopilot despertaram questões sobre as deficiências da tecnologia.

Determinar se uma estrutura legal uniforme dará às empresas alemãs uma vantagem decisiva sobre as companhias dos Estados Unidos é outra questão. Era essa a intenção.

“A Alemanha pode ser o primeiro país do mundo a levar os veículos sem motoristas do laboratório para o uso cotidiano”, disse Arno Klare, membro social-democrata do Legislativo alemão, durante um debate sobre a lei em Berlim.

Nos Estados Unidos, assim que um veículo autônomo cruza fronteiras estaduais, as coisas se complicam. Califórnia, Arizona, Michigan e Pensilvânia são considerados líderes na definição de parâmetros legais para a tecnologia de veículos autônomos. Mas 10 estados, entre os quais Nova Jersey, Rhode Island e Maryland, não adotaram leis ou decretos que definam a operação de veículos autônomos, de acordo com a Conferência Nacional de Legisladores Estaduais. As regras em outros estados não seguiram um modelo compatível.

Raj Rajkumar, que comanda o programa de veículos autônomos da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, que produziu muitos dos principais cientistas nesse ramo, disse que a nova legislação daria uma vantagem às companhias alemãs. Mas ele disse que estava preocupado com a possibilidade de que tanto os Estados Unidos quanto a Europa ficassem para trás da China em termos de tecnologia e regulamentação.

“Existe uma corrida armamentista internacional entre Estados Unidos, Europa e China”, disse Rajkumar, que estima que a entrada em uso regular dos veículos autônomos esteja ainda a uma década de distância. “A China é um país autoritário. Eles podem aprovar as regras que quiserem do dia para a noite”.

Tradução de Paulo Migliacci

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