Por Raphael Martins, g1


Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos — Foto: Divulgação

A nova alta da taxa básica de juros, a Selic, não surpreendeu a nenhum dos economistas que acompanham a movimentação do Banco Central. O patamar de 12,75% ao ano marcou a subida de mais de 10 pontos percentuais desde o início de 2021, uma tentativa de controlar a inflação brasileira.

Desde de setembro, o principal índice de preços do país está acima dos dois dígitos mesmo com a subida da Selic. Em entrevista ao podcast Educação Financeira, o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, explica o que acontece.

Para o especialista, o país vive um momento de ressaca depois dos incentivos ao consumo inseridos durante a pandemia, somada às crises fiscal e política brasileiras, além de uma crise global de oferta, causada tanto pelas paralisações durante a pandemia como pela guerra na Ucrânia.

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Os melhores trechos da conversa podem ser ouvidos no episódio ou no texto a seguir.

OUÇA AQUI:

  • Caio, podemos começar explicando o que é política monetária? Por que o Banco Central sobe e desce os juros?

Basicamente, o BC tem uma uma função que é administrar a quantidade de recursos na economia. A quantidade de moeda em circulação. Ao fim e ao cabo, isso tem o poder de controlar a inflação. O objetivo é não deixar a economia muito fraca, nem deixar os preços subindo muito. A ideia é achar um equilíbrio, manter a economia como se fosse no limite de velocidade de uma estrada. Quando você sobe a taxa de juros, o crédito fica mais caro e a demanda fica menor. Uma empresa vai preferir deixar o dinheiro guardado do que investir.

Quando a gente entrou na pandemia, o BC cortou os juros para 2% ao ano porque era o momento de jogar a economia para cima e manter a demanda firme. Agora, que a inflação está em alta, é hora de fazer o contrário, de pisar no freio e trazer a economia de volta para o equilíbrio.

  • Por que a inflação não tem reagido a esse movimento de alta dos juros?

São três efeitos que precisamos levar em consideração. O primeiro é que mudanças de política monetária não afetam a economia rapidamente. Tem um 'tempo de transmissão', que é o termo técnico para isso.

Você sobe a taxa de juros, nos meses seguintes as taxas de juros no crediário começam a subir, também as de remuneração das aplicações financeiras, e aí as decisões de investimentos estão sendo formadas. Lá na frente vai impactar a economia, que depois impacta a inflação. Em média, a estimativa é que uma decisão de política monetária de hoje bata na economia de 1 ano a 1 ano e meio depois. É como um remédio para dor de cabeça. Você toma o remédio e espera o efeito. Se não deu certo, aumenta a dose. Aos poucos.

Segundo ponto é que há um canal de transmissão da política monetária pela taxa de câmbio. Normalmente, quando você sobe os juros, o Brasil fica mais atraente para o fluxo de capitais em dólares. O real se valoriza e isso ajuda a trazer a inflação para baixo. É um canal que ficou, durante muito tempo, obstruído por toda a questão de ruído político e das contas públicas que tivemos nos últimos anos.

Um terceiro fator é que a inflação, desta vez, não é uma inflação 'verde e amarela'. É uma inflação global. É uma soma de alta das commodities e o choque de custos. Nosso BC sozinho não vai resolver a situação. Agora, com outros BCs indo nessa direção, vai ajudar a conter a parte global da inflação.

  • Tem alguma previsão de melhora? Como estão suas projeções?

Ainda estamos na fase de tomar o remédio. A 'dor de cabeça' aqui segue muito forte — ou seja, a inflação continua rodando em níveis muito altos. Não é só um produto que subiu demais, é uma inflação muito espalhada. Quando isso acontece, a pancada para quebrar a inércia é maior.

Então, nós projetamos mais uma alta de 1 ponto percentual em junho e fecha em 13,75% ao ano. São quase 12 pontos percentuais de alta de juros, acho que já é uma dose forte do remédio.

Teve uma coisa que atrapalhou o 'script', que foi a guerra na Ucrânia. Quando o Vladimir Putin [presidente da Rússia] decide invadir a Ucrânia — e o preço do petróleo saiu de US$ 100 para US$ 120, o preço do milho, soja e trigo subiram —, fica mais difícil o trabalho para o BC.

Vai demorar mais tempo, tem que persistir mais para garantir que todo esse efeito passe. Mas todo esse movimento vai levar a uma desaceleração da economia e uma virada na inflação, o que começa a abrir espaço para afrouxar o cinto de novo.

  • Traduzindo para a população em geral, como essa desaceleração bate no dia a dia?

Tentando fazer também todo o trajeto desde a pandemia, quando estávamos trancados em casa, veio um estímulo muito grande para o consumo na forma de auxílios emergenciais. Ou seja: muita transferência de dinheiro do governo para as pessoas e na forma de proteção ao emprego.

Você está na sua casa, mas pelo menos pode comprar uma televisão nova, uma geladeira, um carro porque o juro está muito barato. Foi um período forte, principalmente de bens duráveis.

Passado esse período, veio um período de euforia nos serviços conforme a economia foi reabrindo. Viagens, hotéis, restaurantes, toda uma demanda reprimida. Então gerou uma atividade forte que segurou a economia até agora.

Agora, chegou uma ressaca desse período, hora de pisar no freio. A inflação está mais alta, os salários não acompanharam e o emprego também não acompanhou no mesmo ritmo. É um período de arrocho de consumo.

Teve um exagero de consumo, que era importante naquele momento para manter a economia funcionando, e agora vamos passar por uma ressaca. A expectativa é que, com isso, baixe a fervura da inflação. Mas, no curto prazo, é momento de arrocho mesmo.

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