Franklin de Freitas – “Este mês de março está sendo uma loucura”

Ao mesmo tempo em que o sistema de saúde enfrenta sua maior crise desde o início da pandemia, as empresas do setor funerário que atendem Curitiba e região metropolitana estão tendo de lidar com um momento de pico na demanda. Nas últimas semanas, funerárias, cemitérios e crematórios relatam que a procura pelos serviços dobrou, obrigando algumas empresas a acionarem planos de contingência para o melhor atendimento da população. Além disso, trabalhadores que há mais de década atuam no ramo relatam que este é um dos momentos mais difíceis e com maior procura que o segmento já atravessou, algo comparável, até aqui, apenas ao que foi visto em dezembro do ano passado.

No último mês de 2020, o Paraná registrou um total de 7.668 óbitos, maior número para um único mês desde o início da série histórica, em 2003. Agora em março, porém, a tendência que se nota é de um novo recorde. Até ontem (17) havia 4.851 mortes no estado e o número para o período que passou deve ainda aumentar, já que os prazos para registros chegam a prever um intervalo de até 15 dias entre o falecimento e o lançamento do registro no Portal da Transparência.

Como seria de se esperar, a elevação dos óbitos já traz reflexos no sistema funerário da Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Segundo funerárias, crematórios e cemitérios, a procura teve um aumento principalmente nos últimos 15 dias, com acréscimo significativo nos casos relacionados à Covid-19. A estimativa extraoficial, que o Bem Paraná ouviu de mais de uma empresa do setor, é de que, nos últimos dias, seis em cada dez casos que chegam às funerárias digam respeito às pessoas que contraíram ou tinham suspeita de ter contraído o novo coronavírus.

“Está tendo um acréscimo significativo [na procura], inclusive na questão do próprio Covid. Claro que existem outras causas, mas a maioria [dos casos que pegamos] são sepultamento direto, a maioria é Covid mesmo”, conta Valdir Santos, gerente da funerária Catedral, relatando ainda que está tendo o dobro de demanda pelo serviço. “Aumentou e aumentou bastante”.

No Cemitério Vaticano, Joana Ferreira, que é responsável pelo administrativo e pela logística do serviço e atendimentos, comenta que desde a última quarta-feira tem sido realizado um sepultamento a cada 50 minutos no espaço. Antigamente, os sepultamentos aconteciam a cada duas ou três horas.

“Esse mês de março está sendo uma loucura. Nós fazíamos uma média de quatro sepultamentos por dia, até seis, num intervalo de cada duas, três horas. Agora começamos às nove horas da manhã e estamos fazendo uma média de 10, 12 sepultamentos por dia”, diz ela, fazendo ainda um apelo à população.

“O que a gente pede é que as pessoas se cuidem, não esqueçam que a Covid está aí, para que não sofram e tenham que precisar de nossos serviços. Se cuidem. Estamos aqui para ajudar, mas não queremos mais mortes.”

‘Não acredito que vai entrar em colapso, mas precisamos de conscientização’

Gerente administrativa do Jardim da Saudade, Fabiana Miranda comenta que a procura se intensificou principalmente a partir de segunda-feira, em todas as unidades e canais de atendimento do grupo (que tem cemitério, funerária e crematório), atingindo uma demanda maior que o dobro do que seria normal. Diante do cenário, foi necessário acionar o plano de contingência que já havia sido preparado no começo da pandemia, no ano passado.

“Trabalho no grupo há 15 anos e os momentos de pico de atendimento que já percebi foi em dezembro do ano passado, logo após as eleições, e agora. Esse é o segundo momento com maior demanda de atendimento”, afirma Miranda, explicando ainda que funcionários do administrativo estão ajudando para atuar no atendimento à população. “Desde o início da pandemia já fizemos plano de atendimento em contingência e nossos funcionários do BackOffice foram treinados para atuar no atendimento e damos mais folgas para eles, para não ficarem sobrecarregados”.

No Cemitério Vaticano, a situação é parecida, inclusive porque a contratação de novos profissionais demandaria meses de treinamento. “Agora todos se juntaram, de todas as funções, e todos nós estamos nos ajudando para acolher todas as famílias”, comenta Joana Ferreira.

Importante destacar, ainda, que apesar da sobrecarga sobre o sistema, as empresas do ramo sempre destacam a organização do setor em Curitiba. “Curitiba é muito bem preparada, dificilmente vamos ver o horror de outras cidades. Aqui não acredito que vai entrar em colapso, mas temos grande demanda e precisamos da conscientização da população”, diz Miranda.

Em poucos dias, famílias inteiras destruídas

Funcionária do Cemitério Vaticano, Joana Ferreira comenta que a nova fase do coronavírus, com a circulação da cepa P1, está bem mais forte e levando cada vez mais rápido os pacientes ao óbito. “Os profissionais de saúde nem espaço tem mais para atender, está difícil para todo mundo. E a maior parte dos casos vemos que a doença está no núcleo familiar. As pessoas se cansaram do Covid, mas o Covid não se cansou da gente”, lamenta a profissional.

Ontem, inclusive, quando o Bem Paraná esteve no cemitério, estava acontecendo um sepultamento. Era o quinto no dia do qual Ferreira participava (três deles envolvendo óbitos por Covid-19) e se tratava de uma pessoa que recentemente já havia perdido outros dois familiares para a doença. Anteontem, uma outra situação parecida também foi registrada. “Recebemos mãe e filha que morreram no mesmo instante de Covid. A família já tinha deixado outro familiar comigo na sexta. É muito sofrimento.”