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Por que a greve dos caminhoneiros não teve adesão?

Para lideranças de caminhoneiros, desarticulação da categoria, disputa de egos, polarização política, crise econômica e ameaça de multas atrapalharam movimento - Vinícius de Oliveira/UOL
Para lideranças de caminhoneiros, desarticulação da categoria, disputa de egos, polarização política, crise econômica e ameaça de multas atrapalharam movimento Imagem: Vinícius de Oliveira/UOL

Vinícius de Oliveira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

02/11/2021 17h33

Com muito barulho das lideranças e marcada para começar no dia 1º de novembro, a greve dos caminhoneiros autônomos não teve a adesão prevista. Apesar do aumento constante dos preços dos combustíveis, a manifestação do setor teve baixa adesão e não houve bloqueio em nenhuma das rodovias federais ou pontos logísticos estratégicos.

De acordo com o último boletim divulgado pelo Ministério da Infraestrutura por volta das 16h, apenas duas localidades possuem concentração de manifestantes. Uma delas é na altura do km 276 da BR-116, a Rodovia Presidente Dutra, no município de Barra Mansa (RJ), outra é próxima ao Porto de Santos (SP).

Para algumas lideranças, que não participaram da greve, são vários os motivos para ela não ter prosperado. "O país está muito polarizado politicamente. Outro fator é o volume de cargas que já está pequeno. Daí, a paralisação não impacta muita coisa", disse Edvan Ferreira, líder dos caminhoneiros do Piauí na greve de 2018.

"A categoria é muito descentralizada e não tem representatividade política no Congresso Nacional. Em 2018, foram atendidas praticamente todas as pautas, mas elas não vigoraram. A própria categoria burla as leis e não exige os seus direitos", lamentou.

Os caminhoneiros autônomos piauienses não participaram da greve deste ano.

Para André Costa, presidente da FECAM-RS/SC (Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina), a categoria conseguiu mostrar que a situação está difícil, mas "não é momento político ou econômico para fazer uma paralisação". "Apesar de cientes das dificuldades, os caminhoneiros também estão cansados de serem usados como massa de manobra", afirmou.

Outro motivo também para a falta de adesão à greve teria sido a "briga de egos" entre as diferentes lideranças do setor. Quem diz isso é Ailton Gomes, diretor do Sindtanque-MG (Sindicato dos Transportadores de Combustíveis e Derivados de Petróleo do Estado de Minas Gerais).

"Só fracassou por causa da vaidade dos líderes desse movimento. Eles são os verdadeiros culpados", disse.

Ailton Gomes afirma que foi excluído por outras lideranças de grupos de WhatsApp que discutiam a pauta e a paralisação dos caminhoneiros.

A greve foi convocada majoritariamente pela Abrava (Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores), pelo CNTRC (Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas) e pela CNTTL (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística).

Carlos Alberto Litti Dahmer, diretor da CNTLL, afirma que a ordem de ficar em casa e não rodar com os caminhões teria causado a impressão de baixa adesão à greve. "Nós estamos pedindo que eles venham ocupar a rodovia. Só em casa, não resolve. Dá a falsa impressão de que não tem movimento", disse.

O fato de o governo federal ter conseguido 29 liminares na Justiça para impedir interdições nas estradas, mediante multas que variavam de R$ 5 mil a R$ 1 milhão, também esfriou os ânimos do movimento grevista.

A Abrava até entrou com um Mandado de Segurança e uma Reclamação contra a decisão no Supremo Tribunal Federal (STF), mas a ministra Cármen Lúcia indeferiu os recursos. "Coragem para o bloqueio não nos falta. Falta R$ 100 mil para pagar a multa", afirmou Litti.

Como foi a greve

A greve dos caminhoneiros não teve bloqueio das estradas ao longo do dia 1º de novembro, de acordo com o Ministério da Infraestrutura. Houve manifestações em alguns locais, como na Rodovia Presidente Dutra (BR-116), na altura de Pindamonhangaba (SP), em Barra Mansa (RJ) e na região de Itaitinga (CE).

Também houve concentração dos caminhoneiros na BR-101, na região de Rio Bonito (RJ). Na madrugada, houve uma tentativa de fechamento dos acessos ao Porto de Santos (SP). Mas, os manifestantes tiveram de parar de abordar outros caminhões após a chegada da liminar que a União obteve na Justiça.

De acordo com o Ministério da Infraestrutura, alguns grevistas supostamente atacaram pedras em outros caminhões. Um veículo da concessionária da pista, a Ecovias, teve o vidro dianteiro atingido. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) disse que também impediu um bloqueio no Porto de Capuava (ES).

O que pediam os caminhoneiros

Entre as diversas reivindicações dos caminhoneiros autônomos, três foram eleitas como as principais pelas lideranças grevistas.

Eles pedem que o governo reveja o PPI (Preço de Paridade de Importação) praticado pela Petrobras. Adotada durante o governo de Michel Temer (MDB), essa política faz com que os valores de venda dos combustíveis sigam o mercado internacional e a variação do dólar.

Portanto, quando o preço do barril do petróleo sobe lá fora, ele contribui para a alta dos preços dos combustíveis aqui. Em 2021, o diesel já acumula alta de 65,3% nas refinarias, e a gasolina subiu 73,4% no mesmo período.

Para tentar frear o aumento do preço dos combustíveis, o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), colegiado formado pelos secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal, aprovou o congelamento do valor do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) cobrado nas vendas de combustíveis por 90 dias.

Os autônomos também cobram o cumprimento do piso mínimo do frete, uma das principais conquistas das paralisações de 2018. No entanto, os caminhoneiros dizem que a lei ainda é questionada e descumprida por muitas empresas do setor.

Os grevistas cobram que o governo federal intensifique as fiscalizações e que o assunto seja julgado pelo STF. A matéria está sob análise do ministro Luiz Fux.

A última das principais reivindicações é a volta da aposentadoria especial para a categoria. Até a Reforma da Previdência, os caminhoneiros podiam se aposentar com 25 anos de contribuição na função, independentemente de idade e sem incidência do fator previdenciário. Agora, é preciso ter no mínimo 60 anos e a aposentadoria é proporcional. O texto está em tramitação no Senado Federal.

Em reunião no último dia 28 de outubro, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, repassou ponto a ponto as demandas listadas na pauta de reivindicações dos caminhoneiros.

De acordo com as lideranças que estiveram presentes, como Ailton Gomes, diretor do Sindtanque-MG (Sindicato dos Transportadores de Combustíveis e Derivados de Petróleo do Estado de Minas Gerais), o ministro disse que "não irá medir esforços" para atender o que for de sua competência direta.

Um exemplo será a construção de novos pontos de parada e de descanso (PPDs) em rodovias pelo poder público e pela iniciativa privada. O ministro teria se comprometido também a aproximar os caminhoneiros de outros agentes políticos, como Fux, e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

Mais um aumento de combustíveis

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) declarou nessa segunda-feira, 1º, que a Petrobras vai divulgar um novo reajuste em até 20 dias. De acordo com o mandatário, o preço dos combustíveis será a sua prioridade ao voltar para o Brasil. Atualmente, ele está na Itália devido a reunião do G-20, grupo das 20 maiores economias do mundo.

"No tocante aos rendimentos que a Petrobras dá para o governo federal, não me interessa esse recurso. Tenho conversado com Paulo Guedes [ministro da Economia], nós queremos que isso seja revertido diretamente em diminuição do preço do diesel na ponta da linha", disse Bolsonaro.

O presidente também voltou a falar que o ICMS é responsável pelo valor alto na bomba dos derivados do petróleo. As lideranças dos caminhoneiros autônomos não quiseram comentar as falas de Bolsonaro.

Em comunicado oficial, a Petrobras desmentiu o presidente e disse que não antecipa decisões de reajuste de preços de combustíveis. A estatal indicou que todas as decisões que foram tomadas pelo Grupo Executivo de Mercado e Preços (GEMP) já foram anunciadas ao mercado e nenhuma nova ainda foi feita.

"A Petrobras reitera seu compromisso com a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado, ao mesmo tempo em que evita o repasse imediato das volatilidades externas e da taxa de câmbio causadas por eventos conjunturais", disse a companhia em nota.