Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu The New York Times

Como não entrar em pânico com a inflação

Lembre das lições do temor de 2010-2011

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The New York Times

Você se lembra do medo da grande inflação de 2010-2011? É um episódio que vale a pena rever, porque há uma boa chance de vermos uma reprise dentro do próximo ano, mais ou menos.

Depois que a crise financeira de 2008 mergulhou os Estados Unidos em profunda recessão, tanto o então novo governo Obama quanto o Federal Reserve (o correspondente ao Banco Central nos Estados Unidos) tentaram estimular a economia gastando centenas de bilhões de dólares em diversos programas, enquanto compravam bilhões em títulos.

Hoje há um consenso entre os economistas de que esses esforços foram úteis, mas também se acredita geralmente que foram inadequados (como alguns de nós argumentamos ativamente na época).

Times Square vazia, em março de 2020 - Angela Weiss - 23.mar.2020/AFP

Na direita, entretanto, existe um artigo de fé de que um governo ativista é sempre ruim, mesmo numa crise. Por isso houve muitas advertências duras de que essas iniciativas para resgatar a economia causariam uma inflação desenfreada. Em meados de 2010, havia uma sensação palpável de frustração entre alguns conservadores de que a inflação prevista não havia se materializado.

Então vieram alguns meses em que a inflação pareceu estar aumentando, afinal. A inflação dos preços ao consumidor chegou a quase 4%; a inflação no atacado foi para dois dígitos; o preço médio de matérias-primas como petróleo e soja subiu quase 40% em um ano. Em breve os republicanos estavam reclamando para Ben Bernanke, o presidente do Fed, sugerindo que seus esforços poderiam "degradar a moeda".

Mas o Fed manteve o rumo, afirmando corretamente que o aumento de preços era uma pequena bolha passageira, não um arauto da estagflação no estilo dos anos 1970. A inflação logo diminuiu, e ficou baixa desde então.

Agora lá vamos nós de novo. O Plano de Resgate Americano de US$ 1,9 trilhão sem dúvida dará muito estímulo econômico. Praticamente todo mundo, de previsores privados ao próprio Fed, espera um boom econômico, com a economia americana crescendo a índices não vistos desde os anos 1980. Haverá quase certamente um aumento da inflação, também, possivelmente muito acima da meta do Fed de 2% ao ano.

E a inflação crescente, por sua vez, provocará mais uma vez conversas sobre o retorno da estagflação. Na verdade, essa conversa já começou.

Então veja aqui como manter a cabeça fria quando as notícias sobre a inflação esquentarem.

A principal coisa a se compreender é que, na verdade, existem dois tipos de inflação.

Os preços de alguns produtos, como petróleo e soja, flutuam o tempo todo, mudando dia a dia ou até minuto a minuto em reação a alterações na oferta e na demanda. A inflação desses produtos é um sobe-e-desce; os preços podem aumentar rapidamente quando a demanda está alta ou a oferta está justa, mas eles podem despencar com a mesma rapidez quando as condições do mercado mudam.

Muitos outros preços, porém —incluindo os da mão de obra, isto é, dos salários e remunerações— mudam com frequência muito menor. A maioria dos salários dos trabalhadores é ajustada apenas uma vez por ano.

E a estagflação, afinal, envolve principalmente esses preços "pegajosos".

Imagine uma economia em que todo mundo espera que a inflação seja alta no futuro previsível (os americanos de certa idade não precisam imaginar isso; durante algum tempo vivemos numa economia assim). Nessa economia, uma empresa que defina seus preços para o ano seguinte o fará levando em conta a probabilidade de que os preços de todos os outros —os preços cobrados pela concorrência, os custos da matéria-prima, os salários oferecidos por empregadores rivais— estarão subindo com o tempo.

Refletindo essa expectativa, as companhias marcarão preços mais altos do que seriam se elas não esperassem inflação futura —e ao fazê-lo alimentam a própria inflação que eles temem. Em outras palavras, quando as expectativas de inflação sustentada estão embutidas na economia, a inflação se torna autopropagadora —e trazê-la para baixo pode ser extremamente difícil. É isso o que torna possível a estagflação —a inflação apesar do alto desemprego.

A questão, porém, é que as flutuações de curto prazo em preços voláteis dizem pouco sobre se a estagflação está se tornando um risco. É por isso que a política do Fed geralmente ignora o índice de inflação geral e se concentra em uma métrica que exclui os preços de alimentos e energia.

Então o que vai acontecer nos próximos meses? Provavelmente veremos vários aumentos de preços transitórios, não só porque a economia está em ascensão, mas também porque os efeitos duradouros da pandemia produziram algumas disrupções incomuns —por exemplo, uma escassez global de contêineres de carga.

A questão será se esses aumentos de preços são uma pequena bolha do tipo 2010-2011 ou algo mais perigoso. Observadores inteligentes olharão além das manchetes para medidas de inflação subjacente —não apenas a medida padrão "central" do Fed, mas coisas como o índice de preços pegajosos do Fed de Atlanta. Evidências esporádicas, também conhecidas como "conversando com pessoas", serão igualmente importantes: as empresas estão realmente começando a definir preços e salários com base na expectativa de inflação futura?

Se não estiverem —e minha aposta é que não estão—, a lição de 2010-2011 continuará válida: não entre em pânico.

Agora, como naquela época, há pessoas ansiosas para denunciar tentativas do governo de ajudar a economia. E certamente é possível que o Plano de Resgate Americano acabe sendo, em retrospectiva, um excesso de coisas boas. Mas não deixe que os suspeitos de sempre aproveitem dados de inflação de alguns meses como evidência de um desastre iminente.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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