Por Raphael Martins, g1


Funcionários de boteco na Vila Madalena, em São Paulo: 73% dos bares e restaurantes disseram que abril de 2022 foi melhor do que o de 2021. — Foto: Marcelo Brandt/G1

Para quem começou o ano com temores de recessão, o resultado desta quinta-feira (2) do Produto Interno Bruto trouxe um alento: segundo os dados divulgados pelo IBGE, a economia do país cresceu 1% no primeiro trimestre, graças ao impulso do setor de serviços.

A recuperação do segmento — que reúne os bares, restaurantes, eventos, salões de beleza, turismo e outras atividades — já era esperada. Mas o ritmo surpreende, já que o desemprego alto e a inflação em um patamar de 12% em 12 meses são fatores que reduzem o apetite de consumo da população.

O fenômeno visto no setor de serviços é o oposto do que acontece com a indústria, onde a tendência é de resfriamento severo da atividade.

A indústria teve um bom impulso no início da pandemia, quando as restrições de circulação fizeram subir o consumo de bens. Sem o bar de preferência aberto, o dinheiro economizado no fim do mês foi para um novo micro-ondas, uma nova geladeira ou televisão.

Agora, o fenômeno se inverteu. Além de uma nova mudança nos hábitos de consumo da população, há a alta dos juros no radar e problemas na cadeia de suprimentos que persistem desde os primeiros impactos da Covid-19.

O g1 procurou especialistas para entender mais essa faceta da recuperação desigual pela qual o país passa, em especial o contraste entre dois dos setores mais importantes da economia.

Variação trimestral do PIB desde 2017 — Foto: Arte g1

A crescente dos serviços

O primeiro passo para entender a recuperação do PIB neste primeiro trimestre é dar o devido peso aos setores. As atividades de serviços representam quase ⅔ de toda a economia brasileira.

São negócios que foram os mais impactados pelo isolamento social e que agora avançam mais rápido do que se previa. E só foi possível voltar ao pleno funcionamento após o avanço da vacinação contra a Covid.

Com a imunização em bons patamares, nem a chegada da variante ômicron conseguiu frear a retomada. E os dados mostram que ainda há espaço para mais.

Para Fernando Rocha, economista-chefe da JGP, o erro dos analistas foi considerar que os serviços voltariam para o patamar pré-pandemia e ali estacionariam. Em outras palavras, foi subestimado o desejo de “agito” pós-recolhimento.

“É uma cadeia de bem-estar e lazer que havia sido totalmente interrompida. Datas importantes ficaram para trás e existe esse movimento de ‘fazer agora’, porque há até uma incerteza de ‘até quando’ se poderá fazer”, diz o economista.

Segundo ele, o “pé no acelerador” de serviços é a soma de demanda represada por quase dois anos e um pouco de poupança que consumidores de classe média e alta fizeram nesse meio tempo.

Rocha lembra que os mais pobres contribuem muito pouco (ou quase nada), pois estão mais pressionados pela inflação e já consumiam pouco do setor, o que diminui o poder de freio dos preços — ao menos por ora. Enquanto isso, o grupo dos mais ricos vai turbinando o consumo de serviços até o limite de sua renda.

“Esse ambiente é bom para atividade e ruim para inflação. O fornecedor percebe a demanda, sobe o preço e as pessoas vão pagando. Esse furor pode passar em breve e as pessoas podem começar a reavaliar”, afirma Rocha.

A mudança de rota, porém, só deve tomar corpo no ano que vem, segundo o economista. A JGP projeta crescimento de 1,8% em 2022, com inflação forte até dezembro. No ano seguinte, a expectativa é de alta de 1,4%.

Aumentou o número de viagens e as reclamações contra agências de turismo também cresceram

Aumentou o número de viagens e as reclamações contra agências de turismo também cresceram

Turismo em destaque

O bom momento dos serviços passa por vários segmentos, mas um levantamento da MB Associados com base na Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE mostra um detalhe interessante: as regiões turísticas têm registrado crescimento maior.

A região Nordeste, por exemplo, teve alta de 16,2% do volume de serviços quando comparados os meses de janeiro a março deste ano com o mesmo período do ano passado.

O economista-chefe da MB, Sérgio Vale, lembra que não é possível atribuir o destaque do Nordeste apenas ao turismo. Há também influência da forte arrecadação dos estados — apoiada pelo avanço das commodities no mercado internacional — que pode gerar um impulso de gastos em uma região com dependência do poder do estado para acelerar a economia.

“E não custa lembrar que partimos de uma base baixa, o que mostra que a troca de consumo [de bens para serviços] é muito relevante para esse número”, diz Vale.

Ainda assim, os resultados setoriais indicam que a tese faz sentido. O Anuário 2022 da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa) mostra que o Nordeste reúne 67% do faturamento total do turismo doméstico brasileiro. E, entre 2020 e 2021, houve um salto de 87,7% dos ganhos anuais do turismo dentro do país.

Além disso, dentre os destinos preferidos, todos estão no Nordeste: o primeiro lugar é Salvador (BA), com Fortaleza (CE), Maceió (AL) e Natal (RN) em segundo, e Porto de Galinhas (PE) e Porto Seguro (BA) na sequência.

No balanço da Braztoa para este primeiro trimestre, 2 a cada 3 operadoras de viagem faturaram mais que no mesmo período do ano passado. E 7 em cada 10 viagens do período foram fruto de novas vendas.

Sentimento parecido de retomada foi constatado pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Pesquisa com 1.266 empresários mostra que 35% tiveram lucro em abril, contra 28% que registraram prejuízo. Em janeiro, eram 22% dos empresários com lucro, contra 43% com prejuízo.

Parece pouco, mas há avanço. Os empresários reclamam que a inflação e o pagamento de dívidas apertaram bastante as margens dos estabelecimentos. São 78% os que dizem que não puderam repassar o aumento de custo aos clientes e 71% arcam com parcelas de alguma dívida.

Ainda assim, 73% disseram que abril de 2022 foi melhor que o de 2021.

“É um cenário em que houve a troca de bens por serviços, mas que poderia ter um consumo muito maior com um padrão de emprego e renda melhor”, afirma Vale, da MB Associados.

Bares e restaurantes buscam alternativas para driblar inflação

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Indústria: a outra face da moeda

Quem assiste de longe ao aquecimento da economia é a produção industrial, com problemas que vêm desde meados do ano passado. No primeiro trimestre deste ano, a indústria ficou praticamente estagnada, com alta de 0,1%.

Foi a junção do ruim ao desagradável: conforme a inflação começou a pesar no bolso do brasileiro, as cadeias de produção passaram a prejudicar ainda mais a oferta de produtos.

Foi esse fenômeno mundial que criou episódios raros, como o aumento de preço de veículos usados. A falta de insumos (já mais caros) nas montadoras foi tamanha, que as filas por um carro novo cresceram a ponto de perder vendas e procura para os seminovos.

Isso se repetiu em inúmeros segmentos. O vaivém de abertura e fechamentos da indústria em diferentes pontos do planeta passou a interferir nos preços em cadeia, em um período de retomada da atividade.

“A indústria chegou a ficar super aquecida no início da pandemia, com falta de estoques. Mas houve esse mix de questões em 2021, que pareciam que seriam resolvidas mais rapidamente”, diz Aloisio Campelo Jr., superintendente de estatísticas públicas do Ibre/FGV.

De volta aos veículos, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mapeou paralisação na produção de 14 fábricas em 2022 por falta de semicondutores.

No quadrimestre, isso gerou uma queda de 21,4% na produção de veículos. A entidade, porém, espera que o choque de oferta se resolva até o fim de 2022 e mantém a projeção de crescimento de 9,5% no ano feita em janeiro.

Apesar dos juros em alta, o que costuma comprimir investimentos e formação de empregos, a confiança da Anfavea é vista em outros segmentos do setor. Em maio, o Índice de Confiança da Indústria (ICI) do Ibre/FGV subiu pelo segundo mês seguido depois de oito meses de queda livre.

“Isso significa que, apesar do aumento dos custos, os empresários estão conseguindo repassar isso no preço e manter as suas margens”, explica Campelo Jr.

Flávia: ‘Comércio e indústria ainda vão sofrer em razão do aumento da taxa de juros, que esfria a economia’

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Recuperação sustentada

A recuperação do PIB 'via serviços', com a indústria em dificuldades, traz desafios para o crescimento sustentado da economia brasileira. Embora represente uma fatia menor da economia, a indústria costuma ofertar melhores salários, levando a uma recuperação maior da renda.

A recuperação de um maior protagonismo do setor também é apontada como essencial para o país alcançar níveis mais elevados de desenvolvimento, uma vez que produtos industriais são os que mais possuem ramificações e conexões com múltiplos setores, e pela capacidade de reduzir custos e agregar valor a produtos básicos.

A indústria também, via de regra, demanda maiores investimentos em tecnologia, inovação e maquinário, o que faz com que esse crescimento tenda a ter um caráter mais duradouro.

Aloisio Campelo Jr, o economista do Ibre/FGV, lembra que os programas de apoio à renda ainda injetam combustível na economia. A antecipação do 13º de aposentados, por exemplo, pode aumentar o consumo agora e fazer falta no fim do ano.

Miriam Leitão analisa resultado do PIB do primeiro trimestre do ano

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Como fatores externos, há no radar um aumento de juros em outras economias, inclusive as mais desenvolvidas. Uma redução de atividade pode prejudicar mesmo os segmentos mais competitivos da indústria brasileira, como a extrativa e de produtos primários.

Sem um rumo claro, parte da agenda eleitoral deve se centrar no que fazer para resgatar a indústria. Por ora, as propostas não surgiram.

“O movimento de perda de peso da indústria no PIB faz parte de uma tendência internacional, mas pesou a questão da competitividade brasileira. Teria que haver um movimento para esse ganho junto com inserção na dinâmica do comércio internacional”, diz Campelo Jr.

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