Patinando nos patamares mais baixos da história e com viés de queda para os próximos anos, os investimentos públicos entraram definitivamente no foco dos programas econômicos em elaboração pelos candidatos à presidência da República – mesmo na equipe de Jair Bolsonaro, que sempre defendeu os investimentos privados como a solução para a melhora estrutural da economia.

As propostas são diferentes, mas em comum há a necessidade de aumentar os gastos públicos principalmente na infraestrutura, para elevar a competitividade e o crescimento do País. Lideranças do setor produtivo também discutem com as campanhas a necessidade de reforço nesse ponto para o próximo governo.

Dados do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), que serão publicados nesta segunda-feira, mostram que o investimento do governo totalizou no ano passado 1,84% do PIB. É o segundo menor índice, atrás apenas de 2017 (1,75% do PIB). O indicador vem desde 1947, e inclui dados do governo central, Estados, municípios e as estatais federais.

Em 2021, os investimentos das estatais atingiram o menor valor da série histórica. Já os investimentos dos Estados apresentaram recuperação, enquanto os da União estão em queda – nunca ficaram tão baixos por tanto tempo.

“Com a ampliação do orçamento de emendas parlamentares, a produtividade e o potencial de sinergia desses investimentos tende a continuar baixo. Mas o mais surpreendente é o baixo nível de investimentos da Petrobras, ainda mais em um contexto de elevada lucratividade do setor”, diz Manoel Pires, coordenador do Observatório Fiscal.

Da direita à esquerda, planos são de elevação dos aportes públicos

O nível de investimentos insuficiente, ao longo do tempo, para tornar a economia brasileira competitiva fez com que o tema dos gastos públicos no setor passasse a ser parte das discussões em todas as pré-candidaturas presidenciais, da esquerda à direita. A seguir, o que está em discussão nas principais campanhas:

LULA. Embora não tenha divulgado ainda um programa definido, a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende o aumento dos investimentos para recuperar o crescimento econômico e, assim, melhorar o resultado das contas públicas. Os economistas do partido defendem a mudança do teto de gastos – a regra que fixa um teto anual para o crescimento das despesas.

Um dos principais articuladores da campanha, o ex-governador do Piauí, Wellington Dias, defendeu a fixação de uma meta de investimentos públicos no Orçamento e um desenho orçamentário em que as emendas parlamentares estejam inseridas em um plano para o País.

Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda do PT, propôs um limite de gastos atrelado ao PIB, com um limite separado para gastos correntes (salários e custeio da máquina) e outro, para investimentos. Está em discussão interna a proposta para a criação de um Fundo de Investimentos Unificado voltado para alavancar a economia. Modelo semelhante é adotado na China.

JAIR BOLSONARO. Até mesmo o ministro da Economia, Paulo Guedes, defensor ferrenho do investimento privado, já apresentou ao presidente Jair Bolsonaro uma proposta para aumentar os investimentos públicos num eventual segundo mandato. Guedes agora fala em criar um fundo de reconstrução nacional com dinheiro de ações das empresas estatais – como as que o BNDES tem da Petrobras – e outros ativos para impulsionar os investimentos.

A ideia do Fundo Brasil não é nova, mas, ao invés de destinar 100% dos recursos arrecadados com esses ativos para o abatimento da dívida, 25% iriam para investimentos públicos e 25%, para o Fundo de Erradicação da Pobreza. Nesse caso, seria necessário mudar a regra do teto de gastos para excluir esses investimentos do limite de despesas.

Para um segundo mandato, Bolsonaro cobra aumento dos investimentos em rodovias, ferrovias e energia. Ele quer, por exemplo, construir uma hidrelétrica em Roraima. Auxiliares do ministro afirmam que não há mudança de política econômica focada no aumento do investimento como a grande alavanca do crescimento do País, mas, sim, uma estratégia que pode, inclusive, facilitar as privatizações.

CIRO GOMES. Na campanha do candidato Ciro Gomes (PDT), o aumento dos investimentos é central. Coordenador do programa econômico, o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) diz que a proposta é fixar um porcentual para o crescimento dos investimentos vinculado à alta da receita. Está em discussão na equipe um porcentual em torno de 80%, 90%.

“O investimento não pode estar dentro do teto dos gastos”, diz. Na sua avaliação, o debate sobre a necessidade de aumento de gastos públicos veio para ficar. “Não existe teto de gastos. O que existe é corte de investimentos.”

Benevides prevê que o investimento executado do Orçamento deste ano do governo federal pode cair ainda mais, para R$ 20 bilhões, muito abaixo do previsto na lei orçamentária, de R$ 42 bilhões.

JOÃO DORIA. Para a economista Ana Carla Abrão, que trabalha no programa de João Doria (PSDB), ex-governador de São Paulo, é preciso dobrar os investimentos para começar a fechar a deficiência do País nessa área. “É ao longo do tempo. Não tem uma meta, aqui não tem trilhão do Paulo Guedes”, diz.

Para isso, segundo ela, é preciso conseguir retomar uma trajetória de equilíbrio fiscal, mas também melhorar a parte de planejamento e execução. A economista lembra que Doria, no governo de São Paulo, conseguiu elevar os investimentos para 13,3% da receita corrente líquida fazendo reformas com cortes de gastos.

Segundo Ana Carla, o programa vai prever implantação de uma nova lei de licitações e de uma revisão regulatória necessária para tornar o investimento público atual mais eficiente. Mas o grande foco do programa, diz, é garantir um ambiente jurídico e econômico para atração do investimento privado. Ela ressalta que o investimento público foi, em média, 0,5% do PIB nas últimas duas décadas.

SIMONE TEBET. Coordenadora do programa econômico da presidenciável Simone Tebet (MDB), a economista Elena Landau diz que, para aumentar os investimentos públicos, é preciso retornar ao controle do orçamento com previsão plurianual e clara definição de prioridades na infraestrutura social, além da manutenção das obras públicas.

“Tornar a máquina pública mais eficiente, com digitalização e reforma administrativa. E investimento privado com segurança jurídica e melhoria das agências e regulação, mais reforma tributária simplificadora”, afirma Landau.

Sem investimentos, Brasil perde terreno para outros emergentes

Sem investimentos suficientes para acelerar e dar competitividade à economia, o Brasil tem ficado para trás comparado a seus pares internacionais. De 1980 a 2019, o País investiu 49 vezes o volume de 1979. No mesmo período, considerando outras nações emergentes, o multiplicador foi de 249 na Índia; 202 na Coreia do Sul; e 66 na África do Sul. Já nos EUA, esse número foi de 81. Os resultados explicam, em parte, o fraco desempenho econômico, a baixa produtividade e a menor competitividade brasileira nos últimos anos. Pior: há pouca expectativa de que esse quadro vá mudar no curto e médio prazos.

Levantamento da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) mostra que, em 1979, o Brasil investiu, em valores atualizados, R$ 930 bilhões. Entre 1980 e 2019, o volume somou R$ 45 trilhões.

Se o País tivesse seguido o caminho da Índia, por exemplo, o investimento teria superado R$ 200 trilhões no período. Na comparação com a Coreia do Sul, o valor chegaria a quase R$ 190 trilhões – quase 20 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2021. E, em relação à África do Sul, duas vezes o PIB nacional.

“Ficamos para trás. O Brasil deixou de investir trilhões de reais nos últimos anos, o que tem distanciado o País de outras nações”, diz o diretor de Planejamento e Economia da Abdib, Roberto Guimarães.

Segundo ele, se for aplicado o mesmo modelo com relação à produção industrial, o resultado será semelhante.

A produção industrial brasileira teria tido um adicional de R$ 6,5 trilhões se tivesse crescido como a Coreia do Sul, entre 2010 e 2021. Com relação ao México, R$ 5,1 trilhões, ou 2,9 vezes.

Com relação à África do Sul, teríamos dobrado a produção. “Temos batido na tecla de que tem de aumentar investimentos, mas o que temos visto é o investimento público desabar nos últimos dez anos.” Um dos principais problemas, diz Guimarães, é que os governos não conseguem reduzir a despesa corrente e aí descontam nos investimentos. “O Orçamento previsto para este ano é um quarto do que foi há 15 anos.”

CÍRCULO VICIOSO. Os baixos investimentos sempre foram um problema crônico desde a década de 1980. O Estado brasileiro cresceu demais, a máquina pública ficou inchada e, com a globalização, o País foi perdendo competitividade em relação aos concorrentes. “O Brasil tem alguns problemas para resolver, como equilibrar as contas públicas e definir o que quer ser, além do agronegócio e da mineração”, diz o professor do Insper Ricardo Rocha.

A dificuldade de investimento gera um circulo vicioso da economia. O PIB não cresce porque os investimentos não decolam, e as empresas não fazem novos investimentos devido à baixa expectativa de crescimento. “Um país que cresce pouco é um país que demanda pouco, e isso determina o investimento”, diz o presidente da consultoria Inter.B, Claudio Frischtak. Segundo ele, numa economia fechada e com pouca competição, o motivador para investir é o crescimento.

Hoje, o Brasil tem uma política de ajuste fiscal e não uma política de crescimento, dizem especialistas. Boa parte do que foi prometido pela atual administração não saiu do papel, como a privatização de empresas importantes e reformas essenciais para colocar o País na rota de crescimento, diz o pesquisador associado do FGV Ibre Cláudio Considera. “Um país com desemprego alto, sem expectativa de demanda e insegurança não atrai investimentos.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.