A infundada e despropositada inclusão do Brasil na lista longa da OIT

Para o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI, Alexandre Furlan, a medida é motivo de preocupação quanto à falta de clareza sobre os critérios utilizados na inclusão de um país nessa lista

O Brasil voltou a figurar na lista longa de países-membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de casos que poderão ser analisados por sua Comissão de Aplicação de Normas (CAS), durante a 109ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT), que ocorrerá em 3 a 19 de junho de 2021 de forma virtual.

A decisão de inclusão do Brasil entre os possíveis casos a serem debatidos no órgão de controle da OIT é inesperada e injustificável, pois sinaliza indesejado afastamento de critérios técnicos, pautados à luz dos preceitos trabalhistas internacionais que devem orientar as análises do organismo internacional. 

Normalmente, a decisão de inclusão ou não de um país na lista longa, divulgada sempre antes da conferência, tem por base o Relatório do Comitê de Peritos em Aplicação de Normas Internacionais da OIT, cujo papel é fornecer uma avaliação técnica da aplicação dessas normas nos Estados-membros.

Com o adiamento da CIT em 2020 em virtude da pandemia de covid-19, o relatório de 2021 trouxe as questões constantes do Relatório de 2020 com aditivo dos temas relacionados à pandemia. 

Ocorre que, com relação as medidas trabalhistas adotadas para auxiliar empresas e trabalhadores a enfrentarem a pandemia no Brasil, o referido relatório de 2021, apontou explicitamente que essas não violaram normas da OIT.

Segundo os peritos, a Comissão “entende que os mecanismos de proteção salarial [...] da MP nº 936/2020 não têm o propósito de derrogar acordos e convenções coletivas em vigor, mas somente de estabelecer um sistema temporário de redução das atividades, com compensação de renda, que pode ser estabelecido por acordo individual ou coletivo”. 

As medidas adotadas pelo Brasil, adaptadas à sua realidade, foram inspiradas em providências empregadas por outros países - como Nova Zelândia, Reino Unido, França, Canadá e outros - , sendo similares inclusive quanto a subsídio de salários pelo governo; reembolso de custos de afastamento; modificação de datas das férias etc. E, assim como nos demais países, elas se mostrarem eficazes do ponto de vista social e econômico.

Em números oficiais, foram firmados cerca de 20 milhões de acordos de suspensão contratual ou de redução proporcional de jornada e salários, beneficiando 10,2 milhões de trabalhadores, e preservando a existência de 1,5 milhão de empresas. As medidas que o Brasil tomou estão, pois, em linha com aquelas aplicadas por vários países que não passaram a figurar na lista longa da OIT. 

Aliás, chama atenção que diversas entidades sindicais brasileiras, apesar de terem apontado reclamações à OIT, já sugeriram este ano, no âmbito de diversos fóruns tripartites, a reedição de medidas de preservação de emprego e renda, nos moldes da MP 936. 

De outro lado, quanto às supostas violações apontadas no Relatório de 2020 no que importam à prevalência do negociado sobre o legislado, conforme disposto na reforma de 2017 (Lei nº 13.467), estas não se sustentam em fundamento técnico.

Ora, é fato que em 2018 e em 2019 a CAS debateu a reforma trabalhista, em especial no que se refere às regras da negociação coletiva, e não apontou qualquer incompatibilidade com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil perante o organismo internacional. Em ambas as ocasiões, o posicionamento favorável ao Brasil e à validade da reforma trabalhista contou com amplo apoio no processo de discussão do caso. 

Vale recordar que o caso brasileiro ocupou três horas de discussão para que a  CAS pudesse produzir seu relatório, o qual foi referendado pelo plenário da conferência. De sua conclusão, subscrita pelos países-membros da OIT, constou recomendação para que o Brasil, em cooperação e diálogo com as entidades representantes de empregadores e trabalhadores, monitore a evolução das negociações coletivas no país. Nada além disso. 

Por isso, especificamente no que importa à Convenção nº 98, que trata do direito à negociação coletiva e a prevalência do negociado sobre o legislado por meio de acordos e convenções coletivos, tem-se um misto de surpresa e de sensação de injustiça, pois os mesmos argumentos, já oficialmente rechaçados pelo órgão em 2018 e em 2019, voltam, sem qualquer apontamento novo, a ser utilizados para fazer constar o Brasil na lista larga. 

Portanto, esta nova inclusão do Brasil na lista longa é motivo de significativa preocupação quanto à falta de clareza sobre os critérios utilizados na inclusão de um país nesse rol. 

Nesse contexto, tampouco justificaria o caso brasileiro ser incluído na lista curta de casos que efetivamente irão ao plenário da Comissão de Aplicação de Normas durante a conferência, uma vez que não há qualquer fato novo em relação ao tema.

Assim, uma eventual inclusão do Brasil na lista curta seria no mínimo inquietante, pela persistência em inserir o país em uma lista que tem sido inadequadamente utilizada no noticiário brasileiro para trazer desgaste a uma lei aprovada de forma democrática e à própria imagem internacional do país. 

Aguardemos que a OIT aja com a necessária altivez, afastando-se de decisões sem fundamento técnico, privilegiando o sério e importante papel da entidade de construção de um futuro do trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.

Alexandre Furlan é presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e vice-presidente para a América Latina da Organização Internacional dos Empregadores (OIE).

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