Mercosul: Brasil e Argentina devem liderar retomada da agenda

Países precisam de aliança para dar continuidade à agenda de consolidação do livre comércio e do mercado comum

Principais parceiros comerciais do Mercosul, Brasil e Argentina são economias em que alguns setores industriais atuam dentro cadeias de produção altamente integradas.

Com o novo cenário político e econômico desenhado desde o início da pandemia de Covid-19, os dois países têm diante de si o desafio de ampliar seu fluxo de comércio e investimentos.

Mais do que uma agenda bilateral, esse processo depende de uma retomada vigorosa da agendade consolidação do livre comércio e do mercado comum no âmbito do Mercosul.

Apesar de sua nomenclatura, o Mercosul, o Mercado Comum do Sul, é ainda uma união aduaneira, com impostos de importação comum, a chamada tarifa externa comum (TEC). Trata-se de um conjunto de tarifas cobradas sobre a importação de produtos e serviços pelos países membros do bloco, formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Em um mercado comum, além de uma união aduaneira, há livre circulação de bens, serviços, pessoas e capital, a exemplo do modelo adotado pela União Europeia.


“O Mercosul precisa de revisões pragmáticas e viáveis em diversas frentes. O mais importante é retomar a estabilidade da área, garantir o livre-comércio pleno e aos poucos avançar numa integração mais profunda”, afirma o diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Eduardo Abijaodi.


A consolidação desse mercado comum foi um objetivo estabelecido pelos países do bloco no Tratado de Assunção, em 1991. Esse processo vai desde a conclusão da área de livre comércio entre os dois países, passando pela negociação de novos tratados no âmbito do Mercosul, até a internalização dos já assinados.

Entre os novos acordos que podem ser negociados no bloco, o setor privado destaca os de serviços, barreiras técnicas e medidas sanitárias e fitossanitárias. No caso dos já celebrados, mas que precisam de aval do Congresso Nacional para entrar em vigor no Brasil, estão o de compras públicas e o de facilitação de comércio.

Na avaliação da indústria brasileira, uma das formas de avançar gradualmente e garantir livre circulação de bens é o compromisso dos governos brasileiro e argentino em iniciar um processo de cooperação e convergência regulatória. Adriano Barros, diretor de Relações Governamentais da General Motors, defende, por exemplo, um acordo de reconhecimento mútuo para o maior número de requisitos técnicos entre os dois países. Assim, um veículo produzido no Brasil e homologado pelas normas brasileiras poderia ter sua certificação na Argentina de forma automática, sem requisitos ou testes adicionais, e vice-versa. 

“Um acordo como esse diminuiria a complexidade, geraria ganho de escala, reduziria custos, agilizaria o fluxo de comércio entre os países, melhorando a competitividade da região e consequentemente atraindo mais investimentos”, avalia Barros.

Barreiras às exportações na Argentina prejudicam setor automotivo brasileiro

A imposição de barreiras aos produtos brasileiros por meio de licenciamento não automático tem sido uma das maiores reclamações dos empresários, sobretudo do setor automotivo. A Argentina é o principal destino dos veículos automotores brasileiros, respondendo por US$ 3,5 bilhões ou 30,7% dessas vendas em 2019. 

Mauro Bellini, presidente do Conselho Empresarial Brasil-Argentina (Cembrar) e do Conselho de Administração da Marcopolo, afirma que um dos principais entraves no mercado argentino hoje são as licenças não automáticas. Levantamento da CNI mostra que, com reservas internacionais em queda, a Argentina ampliou o uso de licenças não automáticas como forma de reduzir as suas importações. 


Essas licenças incidem hoje sobre 1.445 nomenclaturas comuns do Mercosul (códigos para a classificação dos produtos), ou 53,5% das exportações do Brasil para a Argentina em 2019. No governo anterior, elas incidiam sobre 847 NCMs, ou 18% das nossas exportações para a Argentina em 2019. Há ainda mercadorias que esperam liberação por mais de 60 dias, que é o prazo máximo permitido pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) para essas licenças.


Com essas barreiras, a própria Marcopolo enfrenta dificuldades para exportar peças para a sua filial na Argentina, que é o seu principal mercado. A empresa tem projeto de ampliar seus investimentos nos próximos anos para expandir sua produção no país vizinho. “Isso nos tornará mais competitivos porque evitará um custo significativo para transportarmos nossos ônibus até lá e também a burocracia com a exigência de tantos documentos na fronteira. Antes dessa etapa, no mercado doméstico, o desafio que temos é o de reduzir o custo Brasil”, diz Bellini.

Barros, da General Motors, ressalta ainda que um veículo hoje vendido pelo Brasil à Argentina, como a qualquer outro país, ainda carrega um resíduo tributário elevado. Por outro lado, o Reintegra, programa que busca justamente devolver ao exportador esse resíduo remanescente na cadeia de produção por meio de crédito tributário, está em apenas 0,1% sobre o valor exportado.

“Isso, sem dúvida, gera desafios competitivos que dificultam ou limitam o acesso ao mercado. Majorar essa alíquota é primordial e urgente até que a reforma tributária resolva essa disfunção de nosso sistema tributário”, afirma o diretor.

Na Argentina, a GM tem uma fábrica de motores e uma de automóveis que produz o Cruze e o Cruze Sport6, com capacidade instalada de cerca de 80 mil carros ao ano.

Argentina e Brasil precisam ser pragmáticos para levar adiante a sua agenda bilateral, diz Abit

Para Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Brasil e Argentina precisam ser pragmáticos para levar adiante a sua agenda bilateral. “Vivemos uma ciclotimia política e econômica que tem sido muito perversa.

Essas turbulências dificultam o incremento de nossas relações comerciais. Nós precisamos de pragmatismo para que a parceria entre os dois países se sobreponha a questões ideológicas”, diz.

A Argentina é o principal parceiro regional do país, respondendo por 26,2% das exportações e 32,4% das importações brasileiras para a América Latina. Em 2019, o país também foi o principal destino para as exportações brasileiras de média-alta intensidade tecnológica, sobretudo de setores como o químico; o de eletrônico e telecomunicações; e o de computadores e máquinas de escritório.

Além das negociações em torno da consolidação de um mercado comum, a indústria defende pautas com a Argentina como a internalização do acordo de reconhecimento mútuo entre os programas de Operador Econômico Autorizado (OEA) do Brasil e da Argentina.

Esse programa permite que os procedimentos adotados na certificação de OEA no Brasil sejam reconhecidos na Argentina, e vice-versa. Outras demanda é a ampliação das liberdades do Acordo de Serviços Aéreos para transporte de cargas.

Relacionadas

Leia mais

Os mercados internacionais estratégicos para a indústria brasileira
Empresas brasileiras precisam descobrir as oportunidades do mercado indiano
Canadá é uma potência para os negócios, mas é preciso visão para conquistá-lo

Comentários