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Inflação em alta é um dos fatores que tem segurado as expectativas de crescimento da economia| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O grande ponto de debate da reforma tributária proposta está na tributação de dividendos, mas sua introdução atrapalhada e confusa deu margem para a criação de uma proposta Frankenstein, cheia de remendos. A reforma exerce um ponto importante, que é buscar uma certa equidade entre aqueles que recebem renda do capital e quem recebe renda do trabalho. Não é certo que a tributação sobre o lucro seja, de fato, uma tributação sobre o acionista. A empresa pode passar o imposto para o consumidor via preço, ou para o trabalhador, via custo da mão de obra. Quando você tributa o lucro, você tem a chance de não estar tributando a renda do acionista. Quando você tributa no nível da pessoa física, você é mais certeiro no alvo.

Quando olhamos para a fatia de 1% dos brasileiros mais ricos, percebemos que quase dois terços da sua renda é isenta de Imposto de Renda de Pessoa Física. Tributar os acionistas de empresas que estão no nível da pessoa física, com a criação da alíquota de 20% sobre lucros e dividendos, fechar brechas tributárias e, ao mesmo tempo, reduzir a alíquota cobrada do IRPJ tende a gerar impactos macroeconômicos positivos. Esse cenário faz com que a proposta caminhe para algo mais próximo dos países de Primeiro Mundo.

Mas vale atentar para o fato de que esse modelo de participação da tributação entre pessoas físicas e jurídicas gera incentivo para as empresas não distribuírem lucros, utilizando-os para aumento do seu capital. Nesse caso, a parte que seria paga por meio de IRPF não existirá. Isso gera uma perda de arrecadação potencial, que pode ser elevada. As empresas que recorrerem a esse artifício pagariam 20% de IRPJ+CSLL, ambos inferiores ao que se paga hoje (34%). Essa redução na tributação se justificaria pela queda na oneração de investimentos. Acredita-se que tal mudança possa vir a elevar o crescimento econômico.

Quando olhamos para a fatia de 1% dos brasileiros mais ricos, percebemos que quase dois terços da sua renda é isenta de Imposto de Renda de Pessoa Física.

Contudo, esse ganho causado pela maior eficiência seria inviabilizado pela perda de arrecadação, pois o Brasil continua com os estrangulamentos fiscais e é difícil sacrificar arrecadação nos próximos anos. E é aqui que mora o verdadeiro problema de hoje, ou seja, como administrar a questão fiscal (o déficit fiscal) e o teto de gastos, temas que hoje são até mais relevantes no curtíssimo prazo – mas este debate fica para outro momento.

Além disso, a queda de arrecadação dos estados e municípios, resultante da participação destes no imposto de renda (FPE e FPM), seria proporcionalmente maior. Toda a economia das empresas seria realizada no Imposto de Renda, que tem tal participação. A CSLL, que não está presente na arrecadação de estados e munícipios, continuaria intacta. O desequilíbrio de impacto dos entes federados é mais um problema que pode inviabilizar essa parte da reforma tributária.

Outro ponto falho da reforma é que ela só trata da renda. É importante ressaltar que o Brasil tem uma carga tributária relativamente alta para um país emergente, ficando apenas um pouco abaixo de um país da OCDE hoje, em torno de 32%. Mas somos um dos países que mais tributam bens e serviços, ou seja, que mais oneram o consumo no mundo. E a reforma não endereça essa questão.

No que tange ao mercado de FIDCs, o substitutivo cria alguns benefícios para eles. Segundo o texto, os fundos passariam a ser tributados sempre por uma só alíquota, de 15%, no lugar da tabela regressiva. Eles também deixariam de ter a cobrança de come-cotas. No entanto, para fazerem jus a essa nova sistemática, os FIDCs precisariam cumprir alguns requisitos. Um deles é o de manter pelo menos 75% da carteira alocada em direitos creditórios. O outro é que nenhum cotista detenha, sozinho ou cumulativamente com pessoas ligadas, mais do que 25% das cotas do fundo. Se não estiverem enquadrados, serão tributados como já são hoje em dia. Da forma proposta, não haverá grandes prejuízos para os FIDCs, uma vez que já são em sua grande parte veículos de longo prazo e que estariam enquadrados na mesma alíquota atual (tabela regressiva do IR: de 22,5% a 15%).

Até agora, a reforma está conseguindo desagradar a quase todos. O motivo inicial, que era simplificar os processos tributários, fugiu completamente do propósito. O governo tomou em suas mãos uma demanda da sociedade para justificar uma proposta completamente diferente, tentando colocar uma cortina de fumaça nos temas mais dramáticos, que realmente vão impactar a vida de todos os brasileiros (teto de gastos, Bolsa Familia, precatórios e reforma adminsitativa). É o velho sistema político operando num período pré-eleitoral…

Gustavo Catenacci é CEO da gestora de investimentos CB Partners.

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