Comércio exterior é caminho para indústria alavancar o crescimento

Os danos causados pela pandemia ainda impõem alguns obstáculos para o desenvolvimento do comércio exterior. Um dos desafios do país é eliminar o resíduo tributário na exportação

Após meses imersa em crise provocada pela pandemia de Covid-19, a indústria brasileira traça estratégias de recuperação e aposta em reforçar a internacionalização das empresas. Essa saída é importante no contexto de reestruturação das cadeias de suprimentos internacionais –afetadas pela pandemia– e exige que as empresas brasileiras estejam posicionadas para atender a demanda.

O reforço e o investimento no comércio exterior expandem a demanda pelo produto nacional e instigam a competitividade interna e externa da indústria. Esse processo é fundamental para aumentar a produtividade e acelerar o crescimento econômico.

Para ampliar a presença das empresas no comércio mundial, a indústria brasileira precisa de um aperfeiçoamento da governança da política comercial do país para tornar o processo decisório mais eficiente, eficaz e equilibrado nos resultados.

Entre as propostas elaboradas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) para a retomada da economia, está a necessidade de modernizar o financiamento público para as exportações e reduzir a burocracia e os custos do comercio exterior.

“Nas duas últimas crises econômicas (2008/2009 e 2014/2016), a exportação teve papel fundamental como alavanca para a retomada do crescimento. Na crise de 2020 não é diferente. Por essa razão, precisamos utilizar ao máximo o potencial da demanda externa para auxiliar a retomada da economia brasileira”, contextualiza o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi.

Para Abijaodi, a indústria entende que o momento é delicado devido aos perversos efeitos da pandemia sobre os setores produtivos com reflexos na economia e na sociedade. “Precisamos lançar os princípios para recuperação do comércio exterior em paralelo ao combate à pandemia no Brasil. Essa doença provocou uma mudança de prioridades sobre um planejamento já elaborado“, explica.

A CNI também elaborou a Agenda Internacional da Indústria, produzidos a partir de ampla consulta ao setor privado brasileiro nos últimos meses de 2019, quando a crise da Argentina e a desaceleração do crescimento da China já impunham desafios ao comércio exterior brasileiro. A publicação reúne 109 ações, distribuídas em 4 eixos: política comercial, serviços de apoio à internacionalização, ações em mercados estratégicos e cooperação internacional.

“Ainda nos falta uma Estratégia Nacional de Comércio Exterior com metas e prazos bem definidos, considerando que as exportações serão um dos poucos motores de retomada do crescimento após o fim da pandemia“, alerta Abijaodi. Ele lembra que países como Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido já têm esse instrumento. A Agenda traz ações importantes para 2020, mas que seguramente serão realocadas para 2021.

Desafios

Os danos causados pela pandemia ainda impõem alguns obstáculos para o desenvolvimento do comércio exterior. “Com a pandemia, os desafios para se posicionar no exterior são ainda maiores porque é uma crise global. Na prática, todos os mercados estão retraídos e o desafio de vender é maior. Então, as dificuldades de começar agora são maiores que no passado”, explica o presidente do Fórum das Empresas Transnacionais da CNI e CEO da empresa Stefanini, Marco Stefanini.

Um dos desafios do país é eliminar o resíduo tributário na exportação –com a reconstituição da alíquota do Reintegra– e assegurar a manutenção e pleno funcionamento dos instrumentos de financiamento e garantias.

No médio prazo, é importante que o Brasil continue avançando nas agendas de facilitação de comércio, com a modernização da aduana, e de acordos comerciais, com a abertura de novos mercados. Também é necessário reforçar a defesa comercial, pois a crise gera um aumento das práticas desleais de comércio.

Segundo Stefanini, é importante para as empresas definir metas de longo prazo. “Conquistar mercados internacionais demanda tempo, por isso é fundamental ter uma estratégia bem definida, além de investimento e perseverança”. Para ele, as empresas precisam desenvolver a marca em um país estrangeiro, desenvolver a cultura. Também é preciso conhecer o cliente na ponta, desenvolver maturidade de ponto de vista de pensar global e não local.

A perda de participação da indústria brasileira na produção mundial ocorre desde meados da década de 1990

Desempenho da indústria no mundo

De acordo com dados do estudo Desempenho da Indústria no Mundo, feito pela CNI, a indústria brasileira é a 16ª em participação na produção mundial do setor. Até 2014, o Brasil estava entre os 10 maiores produtores no ranking mundial. Em trajetória de queda desde 2009, a participação do Brasil na produção industrial mundial caiu de 1,24%, em 2018, para 1,19%, em 2019. É o piso da série histórica iniciada em 1990.

A participação nacional nas exportações, que já havia recuado de 0,91% para 0,88%, de 2017 para 2018, manteve o viés negativo e ficou em 0,82%, em 2019, igualando o menor patamar da série histórica, registrado em 1999. O Brasil ocupava a 30ª colocação no ranking global no último dado disponível, de 2018.

O estudo aponta que, com a nova retração em 2019, a indústria nacional passa a ocupar a 16ª posição global. Desde 2015, foi superada pelas indústrias do México, da Indonésia, da Rússia, de Taiwan, da Turquia e da Espanha.

O desempenho das exportações da indústria de transformação brasileira retrata a perda de competitividade. “O cenário torna ainda mais urgente a aprovação de reformas e legislações que destravem a economia brasileira e aumentem a competitividade da indústria nacional. São os casos da reforma tributária, da nova lei do gás e do reforço em investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Essas são iniciativas essenciais para restabelecer condições para a indústria brasileira voltar a competir internacionalmente”, comentou o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.

A perda de participação da indústria brasileira na produção industrial mundial ocorre desde meados da década de 1990, mas os dados evidenciam que a crise econômica brasileira de 2014-2016 intensificou esse movimento. Nesse período, o PIB da indústria acumulou queda de 10,1%, enquanto a agropecuária recuou 2,1% e os serviços recuaram 4,9%. Diferentemente do Brasil, a produção industrial mundial manteve-se em crescimento, após queda em 2009, ano da crise financeira global.

Garantias de crédito

No atual cenário, a definição de políticas públicas de financiamento e garantias de crédito às exportações se torna ainda mais importante para a indústria.

Para que as empresas brasileiras possam competir em condições de igualdade com seus concorrentes no comércio internacional, elas precisam de um sistema público de financiamento e garantias às exportações que proporcione segurança para a realização dos investimentos.

“Empresas que usam esses instrumentos chegam a exportar quase 15% a mais. Além disso, ampliam até 70% seus mercados e aumentam seu número de funcionários em até 10%. Instrumentos desse tipo existem em mais de 90 países e têm ganhado cada vez mais relevância na política comercial das maiores economias do mundo”, destaca o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi.

Para ele, os principais gargalos do sistema oficial de crédito no Brasil são: insegurança jurídica; falta de alinhamento da prática brasileira ao mínimo praticado pelos demais países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); e falta de previsibilidade, clareza e dificuldade de acesso aos mecanismos de apoio oficial.

Nessa linha, para melhorar o sistema oficial de crédito é preciso aprimorar a governança. “É necessário reduzir a confusão de competências de formulação e operacionalização da política de financiamento à exportação e multiplicidade de órgãos atuantes. Também é preciso assegurar previsibilidade, transparência e segurança orçamentária no acesso aos mecanismos de apoio oficial, e alinhar a ação brasileira ao praticado internacionalmente”, diz Abijaodi.

Os danos causados pela pandemia ainda impõem alguns obstáculos para o desenvolvimento do comércio exterior

Financiamento para exportações

Para garantir subsídios de apoio às exportações, a indústria pediu ao governo federal para ampliar a previsão orçamentária para o Programa de Financiamento às Exportações (Proex) Equalização em 2021, dos atuais R$ 1 bilhão para R$ 1,6 bilhão. A CNI, em parceria com o Fórum de Competitividade das Exportações, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) e a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), também pediu suplementação de pelo menos R$ 400 milhões para o programa ainda neste ano, dos atuais R$ 600 milhões para R$ 1 bilhão.

O Proex Equalização é um programa do governo federal de apoio às exportações brasileiras de bens e serviços criado em 1979. Na modalidade Equalização, ele assume parte dos encargos financeiros do financiamento de exportações brasileiras, tornando-os equivalentes àqueles praticados no mercado internacional.

As entidades destacam que o programa é essencial por promover igualdade e isonomia entre as exportações do Brasil de alto valor agregado e as dos demais países. O custo de financiamento das exportações brasileiras é significativamente mais alto que o de exportações de países concorrentes. A título de exemplo, países como a Coreia do Sul, Espanha, Alemanha e Índia também fazem equalização de encargos financeiros das operações de crédito às exportações.

Certificado de Origem Digital

Um dos caminhos da indústria para facilitar o processo do comércio internacional e avançar com a digitalização e desburocratização do setor em tempos de pandemia é o Certificado de Origem Digital (COD). A ferramenta traz vantagens como benefício tarifário, redução de custos operacionais, além de diminuir o tempo de duração do trâmite comercial como um todo.

Em maio, a CNI lançou uma nova plataforma para a emissão do COD para exportadores brasileiros. O sistema é mais ágil e moderno permite que o empresário emita o documento de forma simples. Além do benefício econômico, no contexto da pandemia da Covid-19, o COD reduz a circulação de papéis e pessoas que podem se tornar vetores da doença.

“Hoje, a pandemia exige que as empresas reinventem o processo de  internacionalização e busquem novas formas de fazer negócio, em especial, sem o contato presencial. Toda essa energia deve estar focada em buscar ferramentas que possam reduzir o tempo, trazer vantagens financeiras e reduzir o esforço da empresa na produção de documentos de comércio exterior”, destaca o coordenador de Serviços de Internacionalização da CNI, Felipe Spaniol.

A emissão do COD é feita pela Rede Brasileira de Centros Internacionais de Negócios (Rede CIN) coordenada pela CNI. Presente nas federações das indústrias dos estados e do Distrito Federal, ela promove a internacionalização das empresas brasileiras por meio da oferta de um conjunto de serviços customizados a suas necessidades. Em casos específicos, a depender do acordo comercial entre os países, o COD pode garantir a isenção completa das tarifas alfandegárias.

“O COD impacta diretamente na competitividade das exportações brasileiras. Além disso, ele atesta que que o produto atende regras gerais de comércio. Ou seja, independente de ter o benefício fiscal, o COD garante legitimidade e reconhecimento daquele produto lá fora”, explica Spaniol.

No primeiro quadrimestre de 2020, a emissão de COD pela CNI mais que dobrou na comparação com o mesmo período de 2019. O salto foi de 116%.

Atualmente, é possível emitir certificado com a assinatura digital, que é um passo além da emissão eletrônica, para Argentina e Uruguai. “Com esses 2 países nós emitimos hoje exclusivamente certificado com assinatura digital. Então, além do documento ser feito em um sistema online, ele é assinado eletronicamente e enviado por arquivo digital direto para a aduana do país de destino”, esclarece Spaniol.

Em 2020, está em andamento o processo piloto de implementação do COD com o Paraguai, único integrante do Mercosul que ainda não aceita o documento com assinatura digital.

Para o presidente do Fórum das Empresas Transnacionais da CNI e CEO da empresa Stefanini, Marco Stefanini, o modelo digital ajuda a quebrar barreiras globais, o que considera fator importante para as empresas brasileiras expandirem os negócios.

“Esse ponto do digital é uma variável que já estava presente antes da pandemia, mas agora acelerou. Então, se tem um viés positivo com a pandemia é esse, existe uma pegada muito mais digital que favorece a internacionalização. Reduz tempo, burocracia, ajuda a entender o cliente, o mercado. As soluções digitais facilitam a vida, aumentam a eficiência”, diz.

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