Por Marta Cavallini e Patrícia Basilio, G1


Placa de 'Passo o Ponto' em restaurante na região da Berrini, em São Paulo — Foto: Marcelo Brandt/G1

Mesmo como agravamento da pandemia, o PIB brasileiro registrou avanço de 1,2% no 1º trimestre de 2021, superando estimativas iniciais traçadas por analistas e indicando uma melhor perspectiva para o ano.

Mas o resultado poderia ter sido ainda mais animador se os principais programas sociais adotados em 2020, como Auxílio Emergencial e Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) tivessem entrado em vigor desde o início do ano, indicam analistas ouvidos pelo G1.

O Auxílio – que ajudou a impedir um resultado ainda pior do PIB em 2020 – teve suas últimas parcelas pagas em dezembro de 2020 e só voltou em abril. Já o projeto que torna permanente o Pronampe foi aprovado em 11 de maio pelo Senado, após sofrer modificações na Câmara dos Deputados, mas ainda aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro.

Concessão de crédito trava

De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a concessão de crédito para micro e pequenas empresas cresceu 28,8% de 2019 para 2020. Para médias e grandes, o aumento foi de 20% – números que ajudaram a manter girando a economia.

A diferença, segundo Giovanni Bevilaquia, analista de serviços financeiros da entidade, se deve principalmente ao Pronampe, programa que ofereceu R$ 37,5 bilhões em crédito para pequenas empresas no ano passado.

"Qualquer melhora no nível de crédito vai melhorar o desempenho das empresas e, consequentemente, a produção do país. Além disso, as empresas que conseguem gerir bem suas finanças têm maior possibilidade de manter os empregos e até de aumentar as vagas", explicou o analista.

Com juros mais baixos que os oferecidos em linhas tradicionais e garantia financiada pelo governo, 55% das micro e pequenas empresas que conseguiram obter crédito no 2º semestre de 2021 disseram ter conseguido pelo Pronampe, mostrou a pesquisa "Financiamento dos Pequenos Negócios no Brasil", do Sebrae.

Mas em 2021, o cenário não foi o mesmo. Com o semestre praticamente no fim e sem a nova rodada do Pronampe, pequenas empresas acumulam dívidas, reduzem equipe e até fecham as portas — elevando a taxa de desemprego, recorde de 14,7% no 1º trimestre, e prejudicando a retomada econômica do país.

Estímulo aos negócios — Foto: G1

Para se ter uma ideia, 76% dos bares e restaurantes do país têm dívidas em atraso, segundo estimativas da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

"A pandemia acentuou diferenças. A gente queria já ter colocado o Pronampe na rua esse mês, mas a aprovação está lenta por conta do Orçamento. A radiografia de hoje é que as pequenas empresas pioraram em 50% o faturamento em janeiro, fevereiro e março [em relação aos três meses imediatamente anteriores]", disse Carlos Melles, presidente do Sebrae.

Na avaliação do executivo, a sanção da nova rodada é fundamental para a manutenção das 275 mil vagas geradas pelas micro e pequenas empresas e recuperação da economia, já que são responsáveis por 30% do PIB do país.

De acordo com André Rauen, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), possíveis impactos econômicos do atraso na aprovação do Pronampe ainda estão sendo analisados.

O que é possível concluir, disse, é que o programa foi o principal responsável pelo aumento na oferta de crédito para pequenas empresas em 2020.

"Apoiar as PMEs não é apenas uma política econômica, dado o peso e relevância deste grupo para a formação do PIB, mas também uma política social. Isso porque, principalmente para as micro, a transição para a informalidade ou semi-formalidade ocorre sempre quando se enfrenta uma crise", afirmou.

Auxílio emergencial — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil Local: Brasilia-DF

Auxílio Emergencial 'minguou'

O PIB do 1º trimestre também não contou com a liberação do Auxílio Emergencial, que teve as últimas parcelas pagas em dezembro de 2020 e só voltou em abril. Ainda assim, o consumo das famílias recuou 0,1% no trimestre, após seis meses de recuperação. Para os economistas Alessandra Ribeiro, sócia da consultoria Tendências, e Cláudio Considera, coordenador do Monitor do PIB-FGV, a ausência do benefício foi compensada – no PIB – pelo aumento do consumo das classes de renda mais alta.

No ano passado, o Auxílio Emergencial teve grande influência no desempenho da economia, principalmente por alavancar o consumo das famílias de baixa renda, que aumentaram os gastos com alimentação, os chamados bens não duráveis. Já os gastos das famílias de renda mais alta foram bem menores, principalmente devido às medidas de restrição por causa da pandemia.

Já no começo deste ano a situação se inverteu. O crescimento do consumo de bens duráveis, puxado pelos gastos da alta renda com eletrodomésticos e automóveis, cresceu a ponto de compensar a queda do consumo dos não duráveis.

De acordo com Alessandra Ribeiro, a pausa no pagamento do Auxílio Emergencial prejudicou a população de baixa renda que, além de não contar mais com o benefício, tinha que lidar com a pressão inflacionária sobre os alimentos. “Então foi a classe mais penalizada nesse início de ano em termos de consumo”, diz.

A economista vê nos primeiros meses do ano a compensação do consumo pelas classes de renda mais alta, que no ano passado caiu muito.

“O que puxou muito no ano passado foi o consumo principalmente da baixa renda, que recebeu o auxílio. O consumo da alta renda ficou mais restrito principalmente pelo consumo bem menor de serviços, porque quanto mais alta a classe social, maior o percentual de consumo de serviços. Então como foi muito limitado, o consumo da baixa renda acelerou muito mais que o da alta renda, e agora vemos o reverso dessa medalha”, explica.

Para Cláudio Considera, a falta do Auxílio Emergencial influenciou no desempenho do consumo das famílias. “O que caiu foi o consumo de bens não duráveis, que são os alimentos, basicamente. Porque o setor de duráveis cresceu bem, as pessoas compraram televisão, geladeira, até carro, principalmente os de renda mais alta. Enquanto os de baixa renda que não receberam o auxílio reduziram o consumo de bens não duráveis. Então o Auxílio Emergencial fez falta nesse sentido de cobrir as pessoas mais pobres”.

O economista da FGV concorda com Alessandra que houve essa inversão na questão dos gastos em relação ao ano passado, mas, se o Auxílio estivesse sendo pago no 1º trimestre, o consumo das famílias teria um melhor desempenho, o que iria refletir positivamente no PIB.

“O consumo dos não duráveis aumentou o suficiente para compensar a queda dos duráveis no ano passado. E neste ano houve essa inversão. Se houvesse o Auxílio Emergencial, o PIB poderia ter sido maior. O consumo das famílias poderia ter crescido se houvesse o benefício, puxado pelo consumo dos não duráveis. Com isso ,haveria um consumo das famílias maior e um PIB maior”, afirma Considera.

Apesar da volta das medidas de restrição em março com a piora da pandemia, Alessandra Ribeiro vê “uma resiliência muito boa da economia brasileira” no 1º trimestre.

Além da fragilidade da baixa renda ter sido compensada pelos gastos das famílias de renda mais alta com bens duráveis e serviços, ela aponta a melhora na economia internacional, o aumento dos preços das commodities, a adaptação à pandemia com novas formas de produzir e de vender e a recuperação da indústria como fatores que ajudaram no desempenho do PIB brasileiro.

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