Venda de carro elétrico pode sofrer choque com guerra da Ucrânia

O preço do níquel, ingrediente essencial na maioria das baterias, disparou com o temor de que a oferta russa seja cortada

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Jack Ewing e Stephen Gandel
Nova York | The New York Times

A invasão da Ucrânia pela Rússia abalou o mercado global de níquel no momento em que o metal ganha importância como componente das baterias de carros elétricos, levantando temores de que os preços altos possam retardar a transição dos combustíveis fósseis.

O preço do níquel dobrou em um dia na semana passada, levando a London Metal Exchange (LME - Bolsa de Metais de Londres) a congelar as negociações e efetivamente paralisar o mercado global de níquel.

Após dois anos de caos na cadeia de suprimentos causado pela pandemia, o episódio forneceu mais evidências de como as tensões geopolíticas estão destruindo relações comerciais que as empresas tinham como certas, obrigando-as a repensar onde obtêm as peças e metais que usam para fabricar carros e muitos outros produtos.

carro branco, estacionado à beira-mar
Da montadora BMW, sedã elétrico i4 M50 vai do zero aos 100 km/h em 3,9 segundos. - Divulgação

Fabricantes de automóveis e outras empresas que utilizam níquel, assim como outras matérias-primas para baterias, como lítio ou cobalto, começaram a procurar maneiras de se proteger de futuros choques.

A Volkswagen, por exemplo, começou a explorar a compra de níquel diretamente de mineradoras, disse Markus Duesmann, CEO da divisão Audi da montadora, em entrevista na quinta-feira (17). "As matérias-primas serão um problema nos próximos anos", disse ele.

A perspectiva de tensões geopolíticas duradouras provavelmente vai acelerar as tentativas dos Estados Unidos e da Europa de desenvolver suprimentos domésticos de commodities que geralmente vêm da Rússia. Existem depósitos de níquel, por exemplo, no Canadá, na Groenlândia e até em Minnesota (norte dos EUA).

"Níquel, cobalto, platina, paládio e cobre –já percebemos que precisamos desses metais para a transição verde, para mitigar as mudanças climáticas", disse Bo Stensgaard, CEO da Bluejay Mining, que está trabalhando na extração de níquel em um local no oeste da Groenlândia, num empreendimento com a KoBold Metals, cujos patrocinadores incluem Jeff Bezos e Bill Gates.

"Quando você vê os desenvolvimentos geopolíticos com a Ucrânia e a Rússia, fica ainda mais óbvio que há riscos de fornecimento desses metais."

Uma bateria de carro elétrico contém cerca de 36 quilos de níquel

Mas estabelecer novas operações de mineração provavelmente levará anos, até décadas, devido ao prazo necessário para adquirir licenças e financiamento. Enquanto isso, as empresas que usam níquel –grupo que inclui as siderúrgicas –precisarão enfrentar preços mais altos, que depois serão sentidos pelos consumidores.

Uma bateria média de carro elétrico contém cerca de 36 quilos de níquel. O aumento de preços em março mais que dobrará o custo desse níquel, para US$ 1.750 por carro (R$ 8.870), segundo estimativas da trading Cantor Fitzgerald.

A Rússia responde por uma proporção relativamente pequena da produção mundial de níquel, e a maior parte é usada para fabricar aço inoxidável, não baterias de carros. Mas o país ocupa um papel destacado nos mercados de níquel.

A Norilsk Nickel, também conhecida como Nornickel, é a maior produtora do mundo, com vastas operações na Sibéria. Seu proprietário, Vladimir Potanin, é uma das pessoas mais ricas da Rússia. A Norilsk está entre um pequeno número de empresas autorizadas a vender uma forma especial de níquel na LME, que concentra todas as negociações desse metal.

Ao contrário de outros oligarcas, Potanin não foi alvo de sanções, e os Estados Unidos e a Europa não tentaram bloquear as exportações de níquel, medida que prejudicaria suas economias, assim como a da Rússia. A perspectiva de que o níquel russo pudesse ser cortado dos mercados mundiais foi suficiente para causar pânico.

Os analistas esperam que os preços caiam de seus picos recentes, mas permaneçam muito mais altos do que um ano atrás. "A tendência seria cair para um nível próximo de onde paramos na última vez", cerca de US$ 25 mil por tonelada métrica (R$ 126 mil), em comparação com o pico de US$ 100 mil por tonelada (R$ 500 mil), disse Adrian Gardner, principal analista especializado em níquel na empresa de pesquisas Wood Mackenzie.

O níquel já estava em alta antes da invasão russa, com fundos de hedge e outros investidores apostando no aumento da demanda por veículos elétricos. O preço chegou a US$ 20 mil a tonelada este ano, depois de oscilar entre US$ 10 mil e US$ 15 mil a tonelada durante grande parte dos últimos cinco anos. Ao mesmo tempo, menos níquel estava sendo produzido por causa da pandemia.

Depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, no final de fevereiro, o preço subiu acima de US$ 30 mil em pouco mais de uma semana. Então veio o dia 8 de março. Espalhou-se pelas mesas de operações de corretoras e fundos de hedge em Londres que uma empresa, que afinal era o Tsingshan Holding Group da China, tinha feito uma grande aposta na queda do preço do níquel. Quando ele subiu, o Tsingshan devia bilhões de dólares, situação conhecida em Wall Street como "short squeeze".

O preço disparou para pouco mais de US$ 100 mil a tonelada, ameaçando a existência de muitas outras empresas que apostaram errado e levando a LME a suspender as negociações.

A bolsa tentou reiniciar a negociação de níquel duas vezes nesta semana com novos limites de preço, mas quedas repentinas fizeram as negociações pararem novamente. "O mercado está quebrado", disse Keith Wildie, chefe de negociação da empresa de metais Romco, com sede em Londres.

O conflito na Ucrânia ressaltou a urgência de nos afastarmos dos combustíveis fósseis, disse Duesmann. O petróleo russo desempenha um papel muito maior na economia global do que o níquel russo. "Seria muito míope dizer: 'A eletromobilidade não funciona'", disse ele.

Além da interrupção imediata no fornecimento, as montadoras estão preocupadas com um recuo dos mercados abertos que têm sido muito bons para os negócios. Katrin Kamin, especialista em comércio no Instituto Kiel para a Economia Mundial, na Alemanha, observou que o comércio global se manteve notavelmente bem durante a pandemia.

"Talvez devêssemos falar menos da crise da globalização e mais da baixa das relações internacionais", disse Kamin por e-mail.

Mas o conflito na Ucrânia "é um grande golpe para o comércio", acrescentou ela.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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