Segunda onda da Covid agrava muito mais situação social do Brasil, diz economista da OCDE

Responsável por análises do Brasil, Jens Arnold afirma que principal entrave para crescimento é é estagnação da produtividade

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Brasília

Responsável pelas análises sobre o Brasil, Jens Arnold, economista da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), disse que renovar em 2021 todas as medidas de emergência adotadas no primeiro ano de pandemia não é fácil, e implica escolhas difíceis entre apoiar uma economia ainda fraca e retomar o ajuste fiscal.

"Muitas pessoas ainda precisam de ajuda, mais de um ano após a Covid-19 chegar ao Brasil. E a segunda onda da pandemia agrava ainda muito mais a situação social", afirmou em entrevista à Folha.

Para ele, o Brasil elaborou um dos pacotes fiscais mais fortes da América Latina no combate à crise, mas essa conta complica ainda mais as finanças públicas. Por isso, sugere mudanças no sistema tributário, como corte de subsídios e desonerações fiscais.

A OCDE recentemente adotou uma medida pouco comum: criou um grupo de monitoramento sobre o combate à corrupção no Brasil após o fim da Lava-Jato. "O tema da corrupção e da governança tem muito a ver com prioridades fiscais e aumentos na eficiência dos gastos,"

ENS ARNOLD​, economista da OCDE
Jens M. Arnold, economista da OCDE responsável pelas análises do Brasil - Divulgação/OCDE

Qual sua avaliação sobre o combate à Covid-19 no Brasil? As medidas econômicas e políticas adotadas no país foram, na sua opinião, suficientes quando comparadas com o que outros países fizeram? O governo brasileiro elaborou um dos pacotes fiscais mais fortes da América Latina.

Os trabalhadores formais podiam se beneficiar de um regime de trabalho em horário reduzido em que o governo pagava parte de seus salários e, assim, seus empregadores poderiam manter os [contratos de] empregos. Além da criação de um benefício de emergência inteiramente novo para os trabalhadores informais, o auxílio emergencial. Teve também ajuda a empresas, medidas de crédito.

No conjunto, uma resposta econômica muito parecida às medidas adotadas por outros países no mundo inteiro.

Em 2021, apesar do auge no número de casos e de mortes por Covid-19, o Ministério da Economia tem evitado abrir o cofre. Por isso, adota medidas não tão amplas como no ano passado. Essa é a maneira mais adequada de lidar com a crise? A conta que o Estado terá de pagar como legado da Covid-19 complicará ainda mais as finanças públicas, que já estavam complexas antes da crise.

A dívida pública aumentou de maneira significativa. Diante disso, dar continuidade a todos os benefícios de emergência não é fácil, e implica escolhas difíceis entre apoiar uma economia ainda fraca e retomar o ajuste fiscal.

Ainda há muitos trabalhadores que perderam seu emprego com a pandemia e não conseguiram encontrar emprego desde então. Muitas pessoas ainda precisam de ajuda, mais de um ano após a Covid-19 chegar ao Brasil. E a segunda onda da pandemia agrava ainda muito mais a situação social. São escolhas difíceis em tempos difíceis.

Como resolver esse dilema fiscal? A carga tributária no Brasil já é tão alta quanto nas economias avançadas. Além disso, o próprio sistema tributário do Brasil precisa de reforma, pois faz pouco para reduzir a desigualdade e suas regras complicadas pesam sobre a produtividade. Mas um olhar mais atento sobre os gastos públicos do Brasil revela uma série de ideias.

Os atuais subsídios, desonerações fiscais, regimes fiscais especiais e outras despesas fiscais custam quase 5% do PIB [Produto Interno Bruto] em receitas perdidas. Esse é um valor semelhante ao que o Brasil gasta com educação.

Embora algumas reduções [nos benefícios tributários] tenham sido alcançadas nos últimos anos, tocar nessas despesas é muitas vezes politicamente desafiador, mas ainda mais importante agora na esteira da Covid-19. O Legislativo terá de colaborar nos esforços para tornar o gasto público mais eficaz.

O PIB do Brasil recuou em 2020 e, segundo ranking preliminar da agência de classificação de risco Austin Rating, o país saiu da lista de dez maiores economias do mundo. Há alguns anos o Brasil havia assumido uma posição de nação promissora. Por que o Brasil deixou escapar a chance de estar entre as maiores nações do mundo? No Brasil, o principal problema para o crescimento é que a produtividade tem ficado estagnada ao longo das últimas décadas. Até agora, isso passou despercebido por causa de mudanças favoráveis, que permitiram que o PIB crescesse sem crescimento de produtividade.

A produtividade terá de se tornar o principal motor do crescimento, mas isso exigirá uma agenda ampla de reformas.

O Brasil tem feito progresso nas políticas econômicas, mas também tem muitas políticas que atrapalham o crescimento e que poderiam ser melhoradas. Por exemplo, é difícil encontrar um sistema tributário mais complexo que o brasileiro.

Isso é agravado pela fraca concorrência externa. O Brasil ainda é uma das economias mais fechadas no mundo, com muitos setores protegidos por barreiras comerciais.

O presidente Jair Bolsonaro tem sido criticado internacionalmente pela postura dele em relação ao coronavírus. Como você avalia a imagem do Brasil atualmente? Essa visão negativa sobre o governo brasileiro pode afastar investimentos? Não sou a pessoa mais adequada para falar da imagem do Brasil.

Acho que a coisa mais importante para avançar com a recuperação econômica hoje é o combate à pandemia, com um avanço rápido da vacinação. E ao mesmo tempo ter coragem para fazer reformas que ajudem no crescimento e que melhorem o clima de negócios.

Um auxílio emergencial de R$ 150 a R$ 375 é suficiente para atender às demandas dos mais pobres num cenário de crise econômica e hospitais lotados? É importante proteger a renda das famílias vulneráveis nestes tempos difíceis, sem dúvida.

Em termos gerais, manter as transferências e aperfeiçoar seu direcionamento é uma boa ideia. Mas também vai ser importante mandar um recado de que o ajuste fiscal vai retomar depois da crise.

A queda das taxas de juros nos últimos anos abriram um espaço fiscal importante. Isso pode financiar coisas boas, como melhoras no âmbito da proteção social. É importante preservar esse espaço.

Com o encerramento de investigações do caso Lava Jato, a OCDE adotou uma medida pouco comum: criou um grupo de monitoramento sobre o combate à corrupção no país. Na sua visão, houve retrocesso nessa área no Brasil nos últimos anos? Eu não faço parte do grupo que adotou essa medida. Mas o tema da corrupção e da governança tem muito a ver com prioridades fiscais e aumentos na eficiência dos gastos. Aumentar a eficiência dos gastos não será possível sem tirar partido dos notáveis progressos alcançados na luta contra a corrupção e os crimes econômicos.

O Brasil tem dado passos adiante para ingressar na OCDE. O retrocesso na economia pode atrapalhar o plano do país? O Brasil tem dado muitos passos adiante. Hoje, o Brasil é o país não membro com a maior participação nos comitês e no trabalho da OCDE. Na economia, a pandemia causou retrocessos econômicos no mundo inteiro. A decisão sobre o pedido oficial de acesso à organização vai ser uma decisão política dos países-membros da OCDE.

A pandemia exigiu adaptações. O ensino por meios digitais é um exemplo. Em um país tão desigual como o Brasil, esse método de ensino pode ampliar a desigualdade? Pode, sem dúvidas. É um fenômeno que a gente está vendo no mundo inteiro, não somente no Brasil.

Alunos que têm acesso a ferramentas digitais, que vivem em ambientes privilegiados, sofreram muito menos com as escolas fechadas do que outros.

Este vai ser um grande desafio para o futuro, recuperar o tempo perdido, evitar que mais jovens abandonem a escola. Vai requerer um esforço adicional nos próximos anos.


Jens M. Arnold, 46
É economista sênior da (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), responsável pelas análises sobre o Brasil e a Argentina desde setembro de 2012. De 2004 a 2006, trabalhou no Banco Mundial

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