Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu sustentabilidade

Alguém sabe o que são finanças sustentáveis?

Iniciativas lançadas esta semana revelam, mais uma vez, falta de padronização do mercado ESG; cenário atual deve ser ultrapassado no próximo ano

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No teatro de sombras contam-se histórias com marionetas por detrás de uma cortina branca contra a luz. A audiência lateja intrigada com a quase representação da realidade. Inventada há cerca de 2 mil anos, a arte foi ganhando novas dimensões. A última delas chama-se finanças sustentáveis.

O público agigantou-se e avolumaram-se os espetáculos ao longo dos anos, mas continua-se sem saber o que está por detrás do pano branco.

Quase todas as semanas surge uma nova pesquisa sobre o mercado regional ou global das finanças sustentáveis. Mas as estatísticas não são comparáveis ou credíveis.

O problema é que não existe uma definição padronizada e universalmente aceita do que são finanças sustentáveis, nem das várias categorias de investimentos que utilizam políticas, práticas ou dados ambientais, sociais e de governança (ESG). O significado de “investimentos sustentáveis”, “investimentos responsáveis” ou “investimentos de impacto” é alvo de ampla subjetividade individual ou de tonalidades regionais.

Nesta semana o regulador britânico, a FCA (Financial Conduct Authority), finalmente anunciou os Guiding Principles, que estabelecem boas práticas de integração ESG em fundos de investimento. Foi também lançado o esperado Global Sustainable Investment Review, uma espécie de mapa mundi bianual da indústria. Não há consenso entre os dois em relação a definições.

A FCA chega a postular que “investimentos de impacto”, que têm uma dimensão considerável no Brasil, são investimentos que não têm como objetivo retornos financeiros, mas apenas de impacto social ou ambiental positivos. Ao olhar para uma sombra galopante, alguns veem um cavalo, outros uma zebra.

Se confiarmos no Global Sustainable Investment Review, o mercado de investimentos com ângulo ESG atingiu os US$ 35 trilhões (R$ 183,7 trilhões), um crescimento tímido de 15% em dois anos. Na América Latina, o relatório destaca boas práticas na Colômbia, Chile e México —o Brasil ficou fora do radar.

O estudo indica também que houve um espantoso decréscimo do mercado ESG na Europa (-13%) “devido a mudanças significativas na forma como o investimento sustentável é definido nesta região ao abrigo da legislação da UE, tornando muito difíceis as comparações com versões anteriores deste relatório” (tradução livre).

O mesmo estudo indica também que os investimentos de impacto caíram de US$ 444 bilhões (R$ 2,3 trilhões) para US$ 352 bilhões (R$ 1,8 trilhões) entre 2018 e 2020, enquanto a associação que responde por este tipo de investimentos, a GIIN (Global Impact Investing Network), aponta que o volume total é de US$ 715 bilhões (R$ 3,7 trilhões). Ou seja, mais do dobro.

Viveremos numa encenação de penumbras e silhuetas durante mais alguns anos. Mas pelo menos quatro iniciativas globais em desenvolvimento deverão oferecer as garantias e a padronização que o mercado tanto busca.

A Fundação IFRS, responsável pelas normas internacionais de contabilidade corporativa, deverá lançar no próximo ano um novo sistema de contabilidade de dados ESG. Atualmente existem cerca de 30 metodologias (contrastantes) para as empresas reportarem o seu trabalho em sustentabilidade.

Também no próximo ano, a ISO, o BSI e o governo britânico, juntamente com um número significativo de representantes da indústria financeira, irão lançar o primeiro standard com pré-requisitos para fundos de investimentos serem considerados “responsáveis” ou “sustentáveis”.

Para sabermos exatamente o que significa uma atividade econômica que contribui para objetivos ambientais ou sociais, a União Europeia continuará avançando no desenvolvimento de uma taxonomia. A versão ambiental desse catálogo irá entrar (parcialmente) em vigor em janeiro de 2022, enquanto a taxonomia social está em consulta pública até 27 de agosto.

No contexto brasileiro, em breve a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), atenta a esses movimentos globais, deverá também lançar um novo sistema de classificação de fundos para chegar à autorregulação do mercado nacional de produtos ligados à sustentabilidade.

Só nos próximos anos começaremos a ter uma fiel perspectiva do tamanho e do perfil do mercado global das finanças sustentáveis. O mesmo é verdade no Brasil. Apenas nessa altura se poderá, finalmente, construir uma prática financeira com bases sólidas.

Quando cair a cortina e acabar a música, ouviremos o relinchar de uma égua ou o zurro de um jumento?

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