Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Solange Srour
Descrição de chapéu Banco Central

O nervosismo do mercado

Estamos testando quantos desaforos o país ainda aguenta

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nas últimas duas semanas, o mercado financeiro ficou nervoso. Não é capricho dos investidores, como muitos chegaram a especular em Brasília. Normalmente, decisões financeiras não têm viés político. Quem busca obter retornos está sempre calculando o risco assumido, considerando diversos cenários.

Excluindo-se as situações de bolhas, os fundamentos econômicos determinam os preços da taxa de câmbio, da taxa de juros futura e das ações negociadas nas bolsas. O Brasil está diante do que definimos em economia como "crise de confiança", sendo natural esperar que o seu prêmio de risco suba e a demanda por seus ativos caia. A incerteza sobre a trajetória fiscal para os anos à frente é a todo momento "precificada". Estranho é pensar que poderia ser diferente —que o mercado financeiro fosse míope.

A crise ficou evidente quando a âncora fiscal, de tão esmurrada, afundou. Mudar a regra do teto de gastos e inferir que isso não seria recebido como seu atestado de óbito é o mesmo que subestimar a racionalidade dos agentes econômicos. É preciso muita dose de autoengano para acreditar que o teto ainda vai balizar alguma política pública. Quando uma regra é reescrita casuisticamente, deixa de ser regra. Regras devem ser estáveis ao longo do tempo e sobreviver a governos diferentes.

Homem observa painel da Bolsa de Valores brasileira registrando forte queda nos índices acionários após anúncio de aumento no novo Bolsa Família - Amanda Perobelli/Reuters

O teto mais alto, defendido agora por toda a equipe econômica —afinal, quem não era a favor dele já saiu— pode colocar o país em dominância fiscal. A confiança de que o Banco Central poderia controlar as fortes pressões inflacionárias com juros de apenas um dígito foi minada. A taxa Selic subiu 1,50 pontos percentuais na última decisão do Copom e, mesmo diante da sinalização de mais uma alta no mesmo montante em dezembro, a curva de juros longa continuou sendo ajustada para cima (refletindo a expectativa de que tal aumento não foi suficiente), assim como a inflação futura esperada, enquanto o câmbio seguiu depreciando. A autoridade monetária pode dizer que ainda está comprometida com a meta de 2022. No entanto, terá dificuldade em convencer o mercado de que uma inflação perto de 3,5% é factível à medida que a probabilidade de a dívida pública ter entrado em trajetória insustentável ganha tração.

O pior é que a gravidade do problema é negada e não há sinais de enfrentamento da crise. Que fique claro: sempre foi falsa a história da folga fiscal. É verdade que os indicadores, como o resultado primário do governo central, assim como o dos estados e municípios, tiveram um resultado muito positivo nos primeiros nove meses deste ano. Porém, não se pode atribuir a melhora recente a nenhuma mudança estrutural nos gastos e sim à retomada cíclica da economia, ao aumento da inflação (quando os preços sobem, a arrecadação aumenta) e, principalmente, ao congelamento dos salários dos servidores públicos nos últimos dois anos. Manter salários congelados em um ambiente de forte aceleração da inflação é bem diferente de se realizar uma reforma administrativa.

Se a PEC dos Precatórios passar da forma como foi proposta, a relação dívida/PIB voltará a crescer, saindo de 82% neste ano para cerca de 97% no fim desta década. Para estabilizá-la no próximo ano, precisaremos de uma reversão nos gastos no resultado primário da ordem de 4,5 pontos do PIB. Se a articulação política para aprovar uma PEC falhar e o estado de calamidade for decretado, o cenário pode ser pior. Nesse caso, uma gama maior de despesas tende a ser abarcada fora do teto, já que, além do Auxílio Brasil, muitas outras poderão ser classificadas como "imprevisíveis e urgentes", apesar de todos terem, há muito, ciência de que os impactos da Covid na economia não iriam embora com a vacinação. O próximo governo terá muita dificuldade política para reduzir profundamente os maiores gastos de 2022.

Não só o Banco Central está perdendo sua principal ferramenta de ancoragem das expectativas inflacionárias, como também o governo insiste em não deixar esse trabalho restrito ao órgão autônomo. Após uma longa história de intervenções públicas destinadas a reduzir os preços, que não só fracassaram como também agravaram a inflação, voltamos a aprovar subsídios para o gás de cozinha, propor vale-diesel, desenhar empréstimos às distribuidoras de energia e tentar segurar os reajustes do preço da gasolina.

Estamos testando quantos desaforos o país aguenta. O nervosismo do mercado traz consequências para 2022: mais inflação (via câmbio mais depreciado), mais desemprego (via juros mais altos) e menos investimentos (via queda da bolsa de valores e maior custo do capital). A crise de confiança é sempre uma prévia de uma crise econômica e social. Quão crítica ela será dependerá não de um simples calmante, mas de soluções que curem a patologia mais grave do país: o populismo fiscal. O teto era uma delas.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.