Práticas de economia circular contribuirão para o Brasil atingir meta de neutralidade de carbono até 2050

A economia circular é um dos pilares da estratégia de baixo carbono da CNI, juntamente com a conservação florestal, transição energética e precificação de carbono

Os benefícios da economia circular – modelo que tem o objetivo de  manter o fluxo circular  dos recursos – vão muito além de evitar o desperdício e reduzir custos. Ela promove novos modelos de negócios que agregam valor a produtos e serviços e contribuem para a redução de emissões de gases poluentes, para o combate à mudança climática e, sobretudo, para que o Brasil atinja a meta de neutralidade de carbono até 2050.

Apostando nisso, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) inseriu a economia circular como um dos pilares da estratégia de baixo carbono do setor industrial brasileiro, juntamente com a conservação florestal, transição energética e precificação de carbono.

De acordo com a diretora de Relações Institucionais da CNI, Mônica Messenberg, o Brasil tem condições de ser uma potência na economia circular por possuir diversas vantagens em relação aos demais países. Entre as quais ter abundância de recursos naturais e a maior biodiversidade do mundo, uma indústria diversificada e amplo mercado consumidor, além de um corpo científico bastante qualificado.

“Para transformar as vantagens do país numa alavanca para o desenvolvimento sustentável, é preciso políticas públicas e sistema de governança que impulsione a economia circular. Tudo isso vinculado à estratégia de neutralidade de carbono”, afirma Mônica.

País dá passos para a economia circular, mas precisa priorizar política mais ampla

O país já deu passos importantes rumo à economia circular. Em âmbito internacional, a CNI lidera a delegação brasileira que tem participado ativamente na elaboração das normas técnicas sobre economia circular que estão sendo criadas pela Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês) e devem entrar em vigor a partir de 2023.

Em relação a leis e políticas nacionais, o principal avanço foi a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em vigor desde 2010, que obriga setores industriais a desenvolverem a logística reversa. Os setores de eletroeletrônicos, medicamentos, embalagens e lâmpadas estão estruturando seus sistemas de logística reversa e alguns outros como os de pneus e de óleos lubrificantes e suas embalagens, pilhas e baterias, baterias automotivas e de embalagens de agrotóxicos já contam com redes de coleta bem avançadas.

No entanto, para que a logística reversa seja viabilizada é preciso desburocratizar os processos administrativos para que os materiais recolhidos possam ter facilidade de trânsito em todo o país. Também é fundamental remover a cumulatividade tributária da cadeia de reaproveitamento de materiais.


A CNI defende ainda uma política mais ampla, que inclua as demais práticas de economia circular, além da reciclagem. “É preciso que o tema seja regulamentado nacionalmente para que possa ser mais estimulado nos Estados e municípios, e que incentive a inovação para que as cadeias circulares tenham melhores condições de se desenvolver”, explica Mônica. “Com um arcabouço regulatório adequado, com ferramentas e métricas que considerem a realidade das organizações brasileiras e com a colaboração dos diversos atores da sociedade, será possível alavancar de forma consistente a transição para a economia circular no Brasil.”


Um passo importante, que pode ser implementado no curto prazo, é o uso de poder de compra do Estado para estimular práticas de economia circular. A CNI publicou uma cartilha sobre Compras Públicas Sustentáveis, que orienta como requisitos de sustentabilidade podem ser criados e incorporadas no processo de compras públicas.

Outro ponto para o avanço da agenda é a criação de uma rota de maturidade que possa avaliar os processos e produtos das empresas, considerando métricas de economia circular. “Dessa forma, será possível elaborar projetos consistentes e acessar recursos para o financiamento e viabilização das inovações nas empresas”, completa Mônica.

A aprovação do marco legal do saneamento básico, em 2020, permitirá a evolução de outra pauta de economia circular: a regulamentação do reúso de água de efluentes tratados, que tramita no Congresso. Segundo a CNI, o Brasil, que produz um metro cúbico de água de reúso por segundo, tem potencial para produzir 13 vezes mais. Para isso, seriam necessários investimentos de R$ 1,89 bilhão em infraestruturas de reúso de água, que trariam um incremento de quase R$ 5,9 bilhões na economia.

Estados avançam em normas de economia circular e na implementação da PNRS

Alguns estados também estão avançando em normas voltadas à economia circular. O Paraná é um dos pioneiros na questão da logística reversa. Desde 2012, o governo do Estado lança editais para que setores industriais apresentem propostas para logística reversa e, neste ano, já conta com nova legislação que obriga nove setores – entre os quais agrotóxicos, lâmpadas, embalagens e pneus – a apresentarem informações sobre logística reversa na plataforma Contabilizando Resíduos, recentemente lançada. 


“Essa prestação de contas da logística reversa vai estar vinculada ao licenciamento ambiental, assim como já é feito em São Paulo e Mato Grosso do Sul”, explica Marcos Thiesen, especialista em Sustentabilidade da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP). “Todos os municípios do estado também terão de inserir na plataforma informações quanto a geração de resíduos sólidos urbanos.”


A FIEP está apoiando empresas a se adequar à nova legislação e também trabalha com o governo do estado para criar uma política pública específica para economia circular. Em breve, lançará a Câmara Temática de Economia Circular, que reunirá representantes da indústria, academia e governo, para debater avanços nessa agenda no estado com base em propostas que estão no documento Rota Estratégica para a Economia Circular, lançado em 2019.

Na relação com a transição para a economia de baixo carbono, não é obrigatório que empresas façam inventário de emissões, mas o governo criou o Selo Clima, para empresas que publicam seus inventários. “Com certeza empresas que investem em economia circular, reduzem emissões”, completa Thiesen.

Recentemente, no Rio de Janeiro, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) criou um novo sistema de licenciamento ambiental em que empresas que atendem a critérios de sustentabilidade têm maior número de anos licenciados. Além disso, simplificou o licenciamento para atividades relacionadas à economia circular, como o transporte de resíduos e as estruturas para coleta seletiva, a partir de propostas da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN). 

Segundo Carolina Zoccoli, especialista em Sustentabilidade da FIRJAN, essas mudanças beneficiaram, principalmente, as pequenas empresas. “É preciso fazer o acompanhamento ambiental, mas o excesso de burocracia acaba fazendo com que muitas empresas desistam da reciclagem ou geração de energia a partir de resíduos e optem por destiná-los a aterros sanitários, com processo mais tradicional e, portanto, conhecido”, avalia.

O foco de articulação da FIRJAN no momento está em valorizar o encadeamento produtivo da reciclagem, propondo ações que viabilizem o retorno dos resíduos, como a formalização e registro das cooperativas de catadores de recicláveis. “Na informalidade, as cooperativas não podem fornecer para um cliente industrial que precisa cumprir exigências de rastreabilidade”, explica Carolina.
 

Indústrias brasileiras avançam em práticas circulares

Além da articulação com o governo para melhorar o ambiente de negócios e atrair investimentos para iniciativas circulares, federações de indústria também apoiam empresas tanto para adequação a legislações quanto no desenvolvimento de inovações em produtos, processos e modelos de negócios sustentáveis.


Pesquisa da CNI mostra que 76,5% das empresas do país adotam alguma prática de economia circular. Entre as principais iniciativas estão otimização de processos, uso de insumos circulares e recuperação de recursos.


Para dar escala a iniciativas circulares, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) lançou recentemente a Rede de Economia Circular, que é uma evolução do Programa Mineiro de Simbiose Industrial, implantado em 2009 nos municípios de Sete Lagoas e Uberaba. A iniciativa, realizada nas dez regionais da Fiemg espalhadas pelo estado, permite que empresas desenvolvam um modelo de negócio coletivo de prestação de serviços para reaproveitamento e intercâmbio de recursos. As negociações envolvem desde serviços laboratoriais e cessão de horas de profissionais até venda de resíduos e água.

“O Estado de Minas Gerais aderiu à campanha Race to Zero (Corrida para o Zero) e essa rede é fundamental para que o estado atinja a meta de neutralidade de carbono até 2050”, destaca Guilherme Zaforlin, analista Ambiental da FIEMG.

Antes da Rede de Economia Circular, a FIEMG desenvolveu por dois anos o Programa de Economia Circular em Distritos Industriais, com empresas localizadas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Entre os resultados do projeto, estão a reciclagem de 1,93 milhão de tonelada de resíduo por ano, redução de custos de R$ 1,77 milhão por ano e redução de emissões de 139,44 tonelada de carbono equivalente por ano.

Tanto no Paraná quanto no Rio de Janeiro empresas contam com o apoio do Instituto SENAI de Inovação para o desenvolvimento de bioprodutos, como o bioplástico – a partir de matéria prima renovável - e biogás - a partir de resíduos. Além disso, no Rio de Janeiro, o Instituto Euvaldo Lodi (IEL) promove a Trilha de Design Circular, uma capacitação para gestores empresariais que tem como resultado final o desenho de um produto ou modelo de negócios que contemple a circularidade.

Entre os participantes está Paula Correa, coordenadora de design na fabricante de sandálias Kenner. A partir da capacitação, a empresa, que já usa 25% de matéria-prima regenerada a partir de sobras de EVA e PVC no processo industrial, está desenvolvendo pesquisas para reutilizar sandálias usadas na fabricação de novos produtos. “Estamos ainda com o desafio na limpeza em escala das sandálias que retornam”, conta Paula.

Ricardo Guatagnin, diretor da empresa Leve Móveis Inteligentes, disse que a marca surgiu após projeto desenvolvido com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) no Rio de Janeiro, que criou os “móveis que trocam de roupa”, para permitir que os consumidores possam mudar a capa que reveste os produtos para dar um visual novo aos ambientes sem precisar trocar as peças inteiras.

Com a participação na Trilha de Design Circular do IEL, Guatagnin pensou em três formas para reaproveitar os tecidos que os consumidores querem trocar: envio de molde para consumidor fazer a própria ecobag; devolução do tecido na fábrica; e assinatura de coleções, com pagamento de mensalidade que permite receberem novas capas para os móveis. “Por enquanto, implementamos o envio de molde de ecobag aos clientes. Os outros dois formatos vamos implementar quando estivermos com a loja virtual”, planeja Guatanin.

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