Segunda Leitura

O plástico nosso de cada dia a contaminar o meio ambiente

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

1 de novembro de 2020, 11h39

O plástico entrou discretamente em nossas vidas, foi substituindo outros materiais e ocupando espaços. Encontra-se nas indústrias de alimentos, têxtil, hospitalar e outras tantas. Compramos, recebemos e entregamos dezenas de coisas envolvidas em plásticos, em alguns casos necessários, em outros totalmente inúteis e dispensáveis.

Spacca
Por ignorância ou descaso, cremos que nos cabe, única e exclusivamente, colocá-los no saco de lixo, que, por sinal também é de plástico, e aí estará terminada a nossa colaboração com a limpeza da cidade e a proteção do meio ambiente. Mais uma noite de bom sono, com a certeza do dever cumprido.

No entanto, lamentavelmente, estamos agindo de maneira totalmente equivocada. Primeiro, porque ninguém mais pode ignorar os problemas ambientais da atualidade e eles são muitos. Segundo, porque temos o dever de zelar por um meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225 da Constituição).

Os problemas ambientais causados pelos plásticos precisam ser mais conhecidos, eliminados ou atenuados.

O primeiro deles é o de serem, frequentemente, derivados de petróleo, ou seja, de fonte não renovável que, tal qual o carvão mineral, com a sua queima origina a liberação de gases de efeito estufa na atmosfera e, consequentemente, o aquecimento global, atualmente o maior problema ambiental do planeta.

Em seguida vem a decomposição dos plásticos. Os resíduos, vulgarmente chamados de lixo, podem ter por destino um aterro sanitário ou um lixão. Aterros sanitários só existem e municípios com bom desenvolvimento, neles os resíduos são colocados em camadas, conforme seu grau de risco, protegidas por mantas que impedem o contato com o solo ou águas subterrâneas. Municípios pequenos ou não desenvolvidos simplesmente lançam seus restos em lixões. Pois bem, o plástico leva centenas de anos para se decompor. Uma sacola de plástico, feita de polietileno, leva 450 anos para se desintegrar [1].

Algumas espécies de resíduos de plásticos, como garrafas de refrigerante, frascos de xampu e potes de iogurte [2] podem ser reciclados. Essa é uma boa notícia. Só que não ocorre por milagre. É preciso que sejam separados pelo consumidor e que cheguem ao destino corretamente. Ademais, devem estar limpos, o que nem sempre ocorre quando abrigam alimentos.

Todavia, além do reciclável ser dependente de uma série de circunstâncias, há plásticos não recicláveis, como os cabos de panelas, fraldas descartáveis (estas já se reciclam em alguns países, como a Inglaterra) e absorventes femininos.

O excesso de plásticos no ambiente vem causando problemas graves e os mais notórios ocorrem no mar. Segundo o Programa Ambiental das Nações Unidas (PNUMA), 90% de todos os detritos dos oceanos são compostos por plástico [3]. Fotos e vídeos de cenas degradantes, como tartarugas sufocadas com sacos plásticos ou de animais mortos com o estômago cheio de tal material, envergonham-nos da civilização que criamos [4]. Nesse particular, os canudos de plástico ocupam a posição número um no ranking dos mais repudiados e têm os seus dias contados.

Porém, na poluição por plásticos no continente o mal causado não é menor. Os plásticos entopem bueiros, causando inundações. Contudo, as empresas que os produzem e os consumidores que os lançam nas ruas nunca são apontados como vilões, ficando o peso das acusações exclusivamente com os prefeitos.

Infiltrados no solo, os resíduos afetam as águas subterrâneas, através de microplásticos ou nanoplásticos, que não são visíveis a olho nu, daí indo para o fornecimento público das cidades, em torneiras ou em garrafas, o que gerou recomendação de cuidado por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS) pelos malefícios que possam causar [5].

Pois bem, muito embora o corte de árvores, a poluição do ar e dos rios mereça severo controle preventivo e repressivo, o fato é que a produção de plásticos vem sendo livremente praticada no Brasil. Óbvio que o problema não é exclusivamente nosso, mas óbvio da mesma forma que é, sim, também nosso.

Ações penais por danos ambientais causados por plásticos praticamente não existem. Ações civis públicas são raras. O Superior Tribunal de Justiça, examinando recurso especial, em boa hora confirmou a condenação de empresa de refrigerantes pelo abandono de garrafas pet em logradouro público, reconhecendo sua responsabilidade pelo dano ambiental pós-consumo [6]. O Tribunal de Justiça de Pernambuco, julgando agravo de instrumento em que se discutia a competência, registrou por boa iniciativa do relator que o dano era iminente e que houve ofensa à Lei 9.966/2000, artigo 17, §3º [7].

Pois bem, diante desse quadro de cômoda passividade, sem deixar de reconhecer a relevância dos plásticos na vida moderna e a importância econômica das indústrias que o produzem, é preciso que providências sejam tomadas para achar a via certa.

Do ponto de vista da cidadania, a conscientização e a conduta de cada um de nós precisa ser mais assertiva, repudiando a compra de determinados produtos (por exemplo, canudos de plástico), direcionando os resíduos para local correto e insurgindo-nos diante de práticas erradas (por exemplo, em condomínios que não zelam pela separação e entrega corretas do "lixo limpo").

Empenho e criatividade são importantes. O vendedor de frutas Diego Saldanha, em Colombo, grande Curitiba: em janeiro de 2017, ele reuniu garrafas pet de dois litros em uma rede e esticou a barreira flutuante de uma margem do rio à outra. A partir de então, surgiu a "ecobarreira", como o vendedor define o objeto que segura o lixo carregado pela correnteza [8].

Do ponto de vista do Poder Executivo, em qualquer de suas esferas, mas principalmente no âmbito federal, é necessário estudar: a) a imposição de readaptação de empresas que produzem resíduos plásticos não recicláveis (por exemplo, fraldas descartáveis), fixando prazos para adequação; b) avisos em rótulos sobre os efeitos do material na natureza; c) estímulos fiscais ou mesmo pagamento por serviços ambientais às empresas que vão além do cumprimento do dever legal e promovam medidas adequadas à produção de plásticos, com base no artigo 42 da Lei 12.305/2010.

Na área da fiscalização ambiental, principalmente o lançamento de plásticos no mar, imposição de multas aos poluidores com base no artigo17, §3º, da Lei, que diz: "Não será permitida a descarga de qualquer tipo de plástico, inclusive cabos sintéticos, redes sintéticas de pesca e sacos plásticos".

Do ponto de vista do Poder Legislativo federal, estudos através de seus destacados consultores jurídicos para a apresentação de projeto de lei que inclua mais um inciso ao artigo 33 da Lei 12.305/2010, impondo o sistema de logística reversa a determinadas espécies de plásticos.

No âmbito do Ministério Público, operações coordenadas de âmbito estadual ou federal, estas no mar territorial, visando a coibir, com amplitude, tal tipo de poluição.

Do ponto de vista do Poder Judiciário, maior atenção e sensibilidade à gravidade do tema, buscando, sempre que necessário e possível, a conciliação, com concessão de prazos para adaptação e, na impossibilidade, não hesitando em adotar medidas que levem à solução do problema.

A encerrar abre-se espaço a um aspecto nocivo pouco lembrado e que, muito embora não seja ambiental, é significativo. Cenas de aves sofrendo com plástico na boca, e outras assemelhadas, criam sofrimento, abalo psicológico, principalmente em crianças e adolescentes, já afetados pela reclusão domiciliar em tempos de Covid-19 e aulas virtuais. Péssimo, evidentemente.

Estamos diante de uma oportunidade, o Brasil pode dar um bom exemplo ao mundo.

 


[3] Disponível em: https://www.ecycle.com.br/2092-mar-de-plastico.html. Acesso em 30/10/2020.

[4] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RjLEK-kg24U. Acesso em 30/10/2020.

[6] STJ – REsp: 684753 PR 2004/0080082-9, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 04/02/2014, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/08/2014 RDDP vol. 143 p. 102 RT vol. 949 p. 303

[7] TJ-PE – AI: 4518843 PE, Relator: Erik de Sousa Dantas Simões, Data de Julgamento: 04/04/2017, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 28/04/2017.

[8] BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49009566. Acesso 30/10/2020.

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    é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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