Erlon Silva – TRI Digital/Getty Images

O dia 22 de abril deste ano já se tornou um marco na história recente do Brasil. É que naquele dia o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, assinou uma portaria que decretava, após dois anos, o encerramento da emergência de saúde pública de interesse nacional. A medida, que entrou em vigor um mês depois, foi seguida ainda da revogação, no dia 23 de maio e por iniciativa do presidente Jair Bolsonaro, de 23 decretos de combate à pandemia, entre eles o que instituiu o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia da Covid-19.

Tais iniciativas, aliadas à retomada da sociabilidade com a flexibilização das medidas restritivas para enfrentamento da covid,, fizeram muita gente vislumbrar o dia em que, finalmente, a pandemia do novo coronavírus viesse a ser decretada encerrada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O dia em que o pós-pandemia se tornará uma realidade, no entanto, estaria chegando?

Para responder a essa questão, o Bem Paraná conversou com dois especialistas: o cientista Emanuel Maltempi de Souza, presidente da comissão de especialistas criada na Universidade Federal do Paraná (UFPR) para o enfrentamento e prevenção da Covid-19 e também líder das pesquisas para desenvolvimento de uma vacina paranaense; e o médico infectologista Moacir Pires Ramos, que a pedido da reportagem fez uma análise de tendências sobre a crise sanitária e uma comparação entre a situação brasileira (especialmente a paranaense) com relação a outros países.

Sem mais delongas, tenta-se responder a questão que inaugura esta reportagem. E a resposta pode não agradar, mas precisa ser dita: o fim da pandemia não está próximo e a Covid veio para ficar, como afirma Emanuel Maltempi.

“Olha, eu acho que vai continuar por muitos e muitos anos. Não vejo um fim para ela [pandemia]. É possível que se torne endêmica, tenha uma predileção pelo inverno, mas não vejo isso acontecendo nos próximos anos. Estará presente o ano todo e com grandes números [de infectados e, consequentemente, mortos]. A covid veio para ficar”, diz o professor e pesquisador da UFPR.

Já o médico infectologista comenta que prever o final da pandemia é algo muito difícil. O que se pode esperar, ao menos por ora, é que as ‘ondas’ ou ‘picos’ da doença se tornem cada vez menos intensos, para que daqui algum tempo (não se sabe quanto) possamos olhar para trás e ver que esse capítulo da história da humanidade chegou ao fim.

“Vai virar endêmico, como a gripe pelo influenza ou os outros vírus. Mas essa percepção [sobre o fim da pandemia] vai muito mais num parâmetro histórico, retrospectivo. Talvez daqui um tempo você me pergunte de novo e aí eu possa dizer que acabou, mas aí é quando eu olho para trás, não consigo apontar um marco pra frente. Mas a tendência é essa, de flutuações cada vez menos intensas e com a doença, gradativamente, passando a virar de rotina, aparecendo de vez em quando algum caso”, diz Ramos.

‘Deveríamos estar mais preocupados com essa doença’

Emanuel Maltempi de Souza reconhece que a situação sanitária atual pode até mesmo ser considerada tranquila, tanto local como nacionalmente, especialmente a partir de um olhar retrospectivo. Ainda assim, ele chama a atenção para o fato de que a doença, ainda que não esteja em seu pico, segue provocando um número muito grande de infecções, hospitalizações e mortes. E faz, ainda, um alerta: nós, como comunidade, deveríamos estar mais preocupados com a covid-19.

“Em Curitiba, temos hoje duas mortes por dia devido ao coronavírus. No Brasil, estamos com 250 [óbitos diários]. Mas, se extrapolar pro ano, dificilmente vamos chegar no final de 2022 com menos de 30, 40 mil mortes. É um número muito grande”, afirma o cientista da UFPR, lamentando que a sociedade tenha se acostumado e, de certa forma, até se acomodado com uma situação tão trágica. “A gente não percebe isso, mas vamos perceber a longo prazo que a doença ainda está causando estragos. A atitude das autoridades, no sentido de dar menos importância à pandemia, ajuda bastante nesse processo das pessoas estarem se acostumando com a doença. Não deveria estar sendo tratado assim, porque as consequências são ainda muito graves.”

Já o médico Moacir Ramos relata que recentemente, foi questionado por um profissional de saúde sobre ‘até quando teremos máscara e quarentena para uma doença que virou gripezinha’. Um questionamento que o tocou e também o deixou preocupado. “Não é uma gripezinha. Muita gente não vai pro hospital, mas se incomoda em casa. Em segundo lugar, não gostaria de ser um alarmista, ficar fazendo terrorismo o tempo todo, deixando todo mundo com máscara. Mas ainda não estou convencido de que a pandemia já passou. Esse é meu problema: ainda não estou convencido.”

Cuidados que devem ser mantidos

Conforme o médico Moacir Ramos, a primeira medida de proteção contra a covid-19 que qualquer pessoa deve tomar é a imunização, ou seja, a vacinação contra o coronavírus, inclusive com as doses de reforço. Além disso, ele também cita uma recomendação recente do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em ingês) dos Estados Unidos, que está recomendando para pessoas mais suscetíveis e em maior risco utilizarem a máscara em qualquer ambiente, seja ele fechado ou aberto.

“Tem doença pulmonar crônica, é diabético? Usa máscara, como uma decisão pessoal de proteção mesmo. Eu, particularmente, acho que valeria a pena neste momento, inverno em Curitiba, usar máscara pelo menos em ambiente fechado, todo mundo. Banco, padaria, supermercado… Todo mundo deveria estar usando máscara”, opina o infectologista

O professor e pesquisador da UFPR Emanuel Maltempi concorda, apontando ainda que o uso de máscara deveria ser incorporado na nossa cultura. E não como uma medida de proteção pessoal, mas como uma forma de proteger aqueles que estão ao nosso redor. Além disso, ele também ressalta a importância da vacinação em geral. “Eu espero que a cultura da vacinação, e não só contra a covid, mas contra outras doenças, seja retomada”

O que esperar daqui para a frente e as ameaças que ainda nos cercam

Analisando o cenário epidemiológico brasileiro, paranaense e curitibano e ainda comparando os cenários locais com a situação de outros países, o infectologista Moacir Ramos aponta que tanto o Paraná como Curitiba estão atualmente num platô elevado de casos de Covid-19, especialmente se comparada a situação do estado e do município com os meses de março e abril deste ano ou mesmo novembro e dezembro do ano passado.

“Estamos num platô de ocorrências, um platô elevado, mas não exagerado”, diz ele, apontando que esse platô deve ser mantido, pelo menos, até agosto. “Até o próximo mês, com um nível de certeza razoável, vou manter esse platô, com internamento de crianças e idosos. Não vai ser uma sobrecarga pro sistema hospitalar, mas vai ter casos graves dessas pessoas mais suscetíveis”, aponta o especialist

A análise é parecida com a de Emanuel Maltempi, que aponta que ainda teremos números relativamente altos de covid nos próximos meses, mas com tendência de vermos um número cada vez menor de casos e mortes na medida em que for esquentando. “Com a melhora do clima, acho que o número de casos e mortes cai a partir de setembro”

Uma ressalva, no entanto, é feita pelos especialistas. Moacir, por exemplo, observa que em países europeus e nos Estados Unidos há uma tendência de alta de casos e mortes, mesmo com essas localidades estando em pleno verão. Dois fatores estariam influenciando esse cenário: o surgimento de novas variantes e subvariantes, como as sublinhagens BA.2.12.1, BA.4 e BA.5 da Ômicron, mais transmissíveis que a cepa original.

“A partir de setembro ou outubro pode cair, mas essa queda pode ser revertida se aparecer uma variante mais agressiva, como aconteceu em 2020/21. A Delta não teve impacto grande, mas a Ômicron teve em 2021/22. Se aparecer uma variante mais transmissível, vamos ter de novo uma onda.”, afirma Maltempi, explicando ainda que um dos grandes diferenciais do novo coronavírus em relação a outros vírus é a sua alta transmissibilidade, o que tem favorecido o surgimento dessas novas cepas da doença. “Gripe sempre temos esse problema, mas é um variante por ano, duas. No caso da covid, é mais rápido que outros vírus”, aponta.