Reforma do Imposto de Renda já teve 5 versões em 2 meses e forte rejeição; entenda

Busca por apoio inclui propostas para elevar repasses a estados e municípios

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Brasília

O projeto de lei que altera regras do Imposto de Renda foi apresentado há praticamente dois meses e já teve cinco versões —a original do governo e as outras quatro do relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA).

Em busca de acordo, as discussões passaram a envolver outras propostas, o que eleva dúvidas sobre o impacto final da iniciativa para as contas públicas.

O primeiro movimento da série de idas e vindas foi dado em 25 de junho, quando o texto original foi apresentado pelo governo. Uma das principais novidades foi a taxação de dividendos —parte do lucro que pode ser paga por qualquer empresa, de pequenas a grandes (como Vale ou Petrobras).

O projeto que altera o IR tinha inicialmente um impacto praticamente nulo para as contas públicas, mas foi atacado por empresários que enxergaram um aumento da carga tributária para eles. A reclamação é que o retorno sobre os investimentos cairá.

A proposta gerou divergências até mesmo no time do ministro Paulo Guedes (Economia).

Para parte da equipe, o projeto tinha sido capturado pela Receita Federal e não poderia ter sido apresentado neste momento mexendo com diferentes interesses às vésperas do calendário eleitoral.

Diante das reclamações, Guedes passou a estudar as primeiras modificações e sinalizou um alívio para as empresas intensificando o corte no IRPJ (Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica).

O ministro chegou a dizer que poderia ser triplicado o corte na alíquota-base de 5 pontos percentuais previstos —na proposta, os atuais 15% cairiam para 10% ao fim de dois anos.

"Reduz cinco. Ainda está pesando? Reduz dez. Ainda está pesando? Reduz 15", disse Guedes em evento em julho.

O ministro e Sabino tiveram reuniões até no fim de semana e formularam um substitutivo, apresentado menos de três semanas depois da proposta original.

O congressista intensificou o corte no IRPJ de 5 para 12,5 pontos percentuais, mas gerou um buraco de R$ 30 bilhões na arrecadação pública.

A perda seria sentida mesmo se aprovadas todas as medidas compensatórias previstas —fim de supersalários, da isenção de auxílios no funcionalismo e de subsídios a setores específicos.

O prejuízo ficaria nas mãos principalmente de estados e municípios, que recebem parte do IR. Enquanto isso, a União receberia os recursos das medidas compensatórias.

Secretários estaduais chamaram a proposta de "atentado" e Guedes minimizou a possível perda dizendo que "a hora de errar é agora". Ele afirmou que é possível "arriscar" porque a arrecadação está crescendo no país.

Além de economistas, estados e municípios não se convenceram, e o relator apresentou um segundo substitutivo em 3 de agosto.

Sabino estendeu o ciclo de queda no IRPJ de dois para três anos e condicionou os cortes a partir do segundo ano à constatação de crescimento de receitas públicas em cada ano —ou seja, se a arrecadação estivesse crescendo, o corte seria feito.

A solução não agradou estados e municípios e gerou ainda a reação de empresários. Isso porque o texto deixaria a iniciativa privada no escuro, sem saber qual seria a carga tributária nos próximos anos.

Entidades empresariais como CNI (Confederação Nacional da Indústria), Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) chamaram o texto de "inaceitável".

Mesmo com as reclamações, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quis apressar a votação.

O relator chegou a protocolar um terceiro substitutivo no dia 10 de agosto às 23h12 para uma votação no dia seguinte no plenário da Casa. Mas a deliberação ficou para depois após reclamações de pouco tempo para análise.

O novo texto diminuía o corte no IRPJ (para 9,5 pontos percentuais) e inseria um corte de 1,5 ponto percentual na CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido), um tributo federal aplicado sobre empresas.

Era mais uma tentativa de agradar estados e municípios amenizando a queda no Imposto de Renda (que é compartilhado com estados e municípios) e criando um corte para as empresas via CSLL (que fica apenas com a União). Mas estados continuaram vendo perdas para eles e os municípios, desta vez de R$ 14 bilhões.

Enquanto isso, categorias de profissionais liberais —como médicos e advogados— pressionavam e conquistavam benefícios. Empresas do Simples passaram a ter isenção total de dividendos.

Em 12 de agosto, a base do governo tentou votar o projeto na Câmara novamente. No entanto, a deliberação foi postergada mais uma vez.

No mesmo dia à noite, o relator apresentou a quarta proposta de substitutivo ampliando isenções de dividendos para micro e pequenas empresas (que faturam até R$ 4,8 milhões por ano) que recolhem tributos pelo chamado lucro presumido (regime simplificado).

Menos de uma semana depois, em 17 de agosto, a terceira tentativa de votação do texto no plenário da Câmara.

Desta vez, Ministério da Economia e Congresso chegaram a um acordo para aumentar os repasses aos municípios por meio de um pacote de três outros textos, o que incluía uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para elevar em R$ 4,5 bilhões os repasses anuais até 2027.

Mesmo assim, a tentativa fracassou.

Congressistas articularam uma emenda para diminuir a taxação de dividendos e, sob dúvidas acerca da perda de arrecadação pública, o governo aceitou adiar reforma pela terceira vez.

Conforme mostrou a Folha, em meio às negociações e preocupado sobre o rumo do texto com as novas tratativas, Guedes sinalizou que poderia desistir do projeto. O movimento causou reação de Lira, que tem interesse na aprovação.

Na sexta-feira (20), logo após o fracasso na Câmara, Guedes afirmou publicamente que preferia desistir da reforma tributária a piorar o sistema.

Apesar disso, aliados do governo mantêm a previsão de votação do projeto e a equipe econômica espera para ver se há viabilidade de um novo texto.

Enquanto isso, estados também querem uma PEC para obter mais repasses da União e a conta pode passar de R$ 16 bilhões, embora insistam que o melhor caminho de reforma tributária é uma outra proposta, a PEC 110 (que está no Senado e funde tributos federais, além do estadual ICMS e do municipal ISS).


Linha do tempo

25 de junho

  • Governo entrega ao Congresso proposta de lei que altera Imposto de Renda
  • Texto taxa em 20% os dividendos e reduz alíquota-base do IRPJ em 5 pontos percentuais (de 15% para 10% em dois anos)
  • Texto tem outros itens, como a atualização da tabela da pessoa física
  • Na exposição de motivos que acompanha projeto, governo afirma que proposta vai respaldar o novo programa social do governo. Conforme apurou a Folha, o montante esperado é de R$ 20 bi

7 de julho

  • Menos de duas semanas após a apresentação do projeto e sob críticas de empresários, o ministro Paulo Guedes (Economia) falou que o corte na alíquota de IRPJ poderia ser triplicado para 15 pontos percentuais

12 de julho

  • Sob críticas até na equipe econômica por causa do projeto, Receita Federal rebate comentários e diz à Folha que texto passou pelo restante do Ministério da Economia e também foi avaliado pelo Planalto

13 de julho

  • O relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), apresenta uma primeira proposta de substitutivo a líderes do Congresso intensificando o corte no IRPJ, de 5 para 12,5 pontos percentuais
  • Texto também retira regra que taxaria anualmente recursos de brasileiros em paraísos fiscais
  • Como a proposta passa a prever um buraco de R$ 30 bi na arrecadação, estados e municípios (atingidos pelo corte) passam a reclamar; secretários estaduais de Fazenda chamam proposta de "atentado"

19 de julho

  • Advogados, médicos, indústria e mercado financeiro intensificam pressão contra a taxação de dividendos
  • Proposta original só previa isenção para R$ 20 mil por mês pagos por micro e pequenas empresa, medida seguida pelo relator até aquele momento

22 de julho

  • Guedes minimiza perda de R$ 30 bi com reforma tributária e diz que "a hora de errar é agora" porque a arrecadação está crescendo. "Será que eu não posso arriscar R$ 30 bilhões?", disse

27 de julho

  • Ministério da Economia começa a ver chance de reforma tributária travar e discute flexibilização com representantes de mais de 20 entidades
  • Proposta é que todas as empresas optantes do Simples Nacional passem a ter seus dividendos isentos

3 de agosto

  • Relator apresenta segunda proposta de substitutivo, mantendo o corte de 12,5 pontos percentuais no IRPJ, mas estendendo ciclo de cortes para 3 anos em vez de 2
  • Cortes no segundo e no terceiro anos estariam condicionados a haver aumento de receitas públicas
  • Medida tenta agradar prefeitos e governadores, que não ficam satisfeitos com solução, e acaba desagradando também empresários —para que texto deixaria dúvidas sobre qual seria a tributação nos próximos anos

4 de agosto

11 de agosto

  • Relator apresenta terceira proposta de substitutivo às 23h12 da noite anterior e proposta ganha previsão de votação no plenário da Câmara
  • Novo texto diminui corte no IRPJ de 12,5 para 9,5 pontos percentuais e insere um corte de 1,5 ponto percentual na CSLL, um tributo federal aplicado às empresas
  • Alteração tem como objetivo agradar estados e municípios, já que o IR é compartilhado com eles, e a CSLL, não
  • Estados continuam vendo perdas, desta vez de R$ 14 bi; empresas do Simples ganham isenção total de dividendos
  • Intenção de votação é adiada para o dia seguinte

12 de agosto

  • Após pressão, votação na Câmara é adiada para a semana seguinte
  • À noite, relator apresenta quarta proposta de substitutivo ampliando isenções para empresas; o texto permite que micro e pequenas empresas (que faturam até R$ 4,8 milhões por ano) que recolhem tributos pelo chamado lucro presumido (regime simplificado) possam distribuir dividendos sem serem taxadas

17 de agosto

  • Sob críticas e dúvidas acerca da perda de arrecadação pública, base do governo aceita adiar reforma pela terceira vez
  • Fracasso é observado mesmo após acordo para mais repasses para municípios

18 de agosto

  • Após Guedes ensaiar desistir do projeto e gerar reação de Lira e da base aliada, secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, diz que proposta está sendo discutida por vontade do Legislativo e pede cautela com mudanças

20 de agosto

  • Guedes diz que prefere desistir da reforma tributária a piorar o sistema: "Não vamos fazer nenhuma insensatez. Quero deixar muito claro o seguinte. Eu prefiro não ter uma reforma tributária do que piorar", afirmou o ministro em audiência no Senado
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