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A tributação e os gastos com reciclagem e logística reversa

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2 de março de 2022, 9h11

Atualmente, um dos pilares estratégicos das empresas é a agenda ESG, que avalia o impacto das atividades empresariais no meio ambiente e na sociedade, bem como as práticas de governança implementadas. Empresas que não adotarem tais práticas terão, a cada dia, mais dificuldade de se legitimarem perante a sociedade e, principalmente, perante os investidores.

Estamos vivenciando uma transformação sistêmica e pensar em modelos econômicos que garantam solução para os problemas que a humanidade enfrenta é urgente. Porém, algumas instituições ainda não se adaptaram ao paradigma do desenvolvimento sustentável. É o caso da legislação tributária, que, especialmente no Brasil, ainda pode ser vista como um entrave para a adoção de práticas sustentáveis pelas empresas. Tomemos as práticas de reciclagem e logística reversa nesse trabalho para exemplificar tal afirmação.

A reciclagem e a logística reversa são formas importantes na correção de externalidades ambientais e sociais. Por meio dessas práticas, materiais são reaproveitados, resultando em diminuição da exploração de recursos naturais e da utilização de energia, assegurando que tais recursos não serão escassos para as próximas gerações. A reciclagem também pode gerar postos de trabalho e renda para aqueles que se encontram em situação vulnerável, proporcionando a inserção dessas pessoas na economia de forma digna. Ou seja, a adoção de práticas de reciclagem e logística reversa são práticas que enquadram nos parâmetros da agenda ESG, gerando benefícios para os municípios, as pessoas e o ambiente.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos atribuiu grande relevância à recuperação dos resíduos. O manejo de resíduos sólidos é um dos maiores desafios para os municípios e, ao mesmo tempo, um dos serviços públicos que mais influencia o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ou seja, a sua qualidade impacta diretamente a vida das pessoas.

O ISLU 2021 [1] monitora a efetividade das práticas municipais para gestão da limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos. O relatório de 2021 apresenta a taxa de recuperação de resíduos cuja medição usa por parâmetro a meta 12.5 do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 12, que é "reduzir a geração de resíduos por meio da prevenção, da redução da reciclagem e do reuso". Para alcançar a meta seria necessário um mínimo de 30% de reciclagem. Apesar dos municípios da região sul do Brasil apresentaram melhor performance, o panorama é que todas as regiões brasileiras estão bem distantes da meta. Quando o assunto é plástico, os dados são alarmantes, porque é a principal fonte poluidora de rios e mares e apenas 9% dos resíduos plásticos são reciclados, conforme dados do relatório Global Plastics Outlook [2], recentemente publicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Felizmente, para algumas empresas, a implementação de práticas de gestão de resíduos já é uma realidade. É o caso da Braskem, empresa atuante no setor petroquímico e maior produtora de resinas termoplásticas das Américas [3], que, recentemente, publicou seus projetos e investimentos em logística reversa, em parceria com a empresa Valoren [4].

Contudo, as empresas que planejam desenvolver projetos ligados à reciclagem e logística reversa ainda encontram uma enorme insegurança no campo tributário, principalmente no que diz respeito ao cálculo dos créditos das contribuições PIS e Cofins, pois os gastos podem ser questionados por uma postura retrógrada da Receita Federal, como demonstra o posicionamento da Solução de Consulta Cosit 215/2021.

O contribuinte fabricante de lâmpadas fluorescentes é obrigado pela legislação (Lei nº. 12.305/2010 e Resolução Conmetro/MDIC 1/2016) a garantir a destinação final "ambientalmente" adequada dos produtos já consumidos e que estão no fim da sua vida útil. Dessa forma, o contribuinte é responsável por adotar práticas de logística reversa para evitar que os resíduos de lâmpadas poluam o meio ambiente. Diante dessa realidade, o contribuinte questionou à Receita se poderia considerar os dispêndios com a estruturação e implementação de sistema de logística reversa como insumo para fins de cálculo do PIS e da Cofins. A resposta da Receita foi restritiva e entendeu que tais despesas "não seriam inerentes ao processo de produção dos bens".

O conceito de insumo foi definido pelo STJ no julgamento do REsp. 1.221.170/PR em sede de recurso repetitivo. Entendeu-se que, como conceito aberto, deve ser avaliado caso a caso, pois o que é insumo para uma empresa pode não ser para outra. Na oportunidade, o tribunal estabeleceu os critérios da essencialidade e relevância daqueles bens e serviços para a atividade da empresa. O STJ não restringiu a aplicação do conceito aos bens e serviços diretamente ligados à produção ou à prestação dos serviços, devendo ser considerada a atividade da empresa de forma ampla.

O Parecer Normativo 5/2018 serviu de fundamento para a solução de consulta e traz a instrução sobre bens e serviços utilizados por imposição legal, destacando, como exemplo, o tratamento de efluentes, que, segundo a interpretação da Receita, devem ser considerados como insumos para fins de PIS e Cofins, pois é decorrente de uma imposição legal a várias indústrias.

Ora, o tratamento de efluentes nada mais é do que uma atividade de gestão de resíduos, que serve para evitar que impurezas decorrentes do processo produtivo sejam descarregadas na atmosfera, poluindo as cidades, ou alcancem aquíferos, contaminando-os. A situação de uma indústria que contrata uma empresa para tratar os efluentes de sua produção é idêntica à situação de uma indústria que contrata uma empresa para promover a logística reversa de suas embalagens, impedindo que essas sobrecarreguem os serviços de coleta e aterros sanitários dos municípios, bem como cheguem aos rios e mares.

Não deveria existir uma diferenciação de tratamento para empresas que adotam práticas de economia circular, que comprovadamente contribuem para a gestão e manejo de resíduos, evitando a degradação ambiental. Essas práticas são fundamentais para lidarmos com a emergência climática.

Mesmo que não fosse uma imposição legal, há de se adequar o racional da legislação tributária ao paradigma da sustentabilidade. É desejável e imperioso que as empresas adotem práticas sustentáveis, pois tais estratégias são, a cada dia, mais relevantes para elas. A adoção da agenda ESG implica em vantagens na captação de investidores, valorização dos produtos e serviços e, certamente, refletirão na preferência dos consumidores, que estão cada vez mais conscientes.

Não se pode admitir, atualmente, que uma obrigação legal de adoção de práticas necessárias de gestão de resíduos seja onerada por uma intepretação tão restritiva. A tributação não pode ser um empecilho para a efetividade das políticas climáticas e ambientais. É o pensamento que foi inaugurado pelo Supremo Tribunal Federal quando julgou a questão dos créditos de PIS e Cofins para as operações com sucata (RE 607.109). O ministro Gilmar Mendes ressaltou que a legislação tributária não pode servir para afastar as empresas de práticas sustentáveis, cada vez mais necessárias para a manutenção da nossa vida e da vida do planeta.

No processo de transição para uma economia de baixo carbono, os compromissos assumidos pelas empresas serão fundamentais. Sabotar as políticas relacionadas à sustentabilidade e à descarbonização da economia com uma tributação equivocada pode atrasar ainda mais o processo de efetivação das políticas públicas.

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