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Brasil será pior dos emergentes se não mudar a política econômica e social

País parece condenado a desempenho medíocre pela incompetência dos atuais governantes em lidar com desemprego e inflação

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Guido Mantega

Foi ministro do Planejamento (2003 a 2004), presidente do BNDES (2005) e ministro da Fazenda (2006 a 2014). É professor da FGV desde 1980.

O Brasil caminha a passos largos para um estado de calamidade social e econômica. A cada dia que passa a situação da população fica mais crítica. A fome voltou ao país. E a economia caminha para uma estagflação em 2022.

Certamente a pandemia de Covid-19 criou uma crise que abalou o mundo. Mas enquanto a maioria dos países caminha para uma recuperação, o Brasil parece condenado a um desempenho medíocre pela incompetência dos atuais governantes.

O Fundo Monetário Internacional projetou, em seu relatório de outubro (World Economic Outlook), um crescimento de 4,9% do PIB Mundial em 2022, e de apenas 1,5% para Brasil nesse mesmo ano.

Se essa previsão estiver correta, o Brasil ficará na lanterna dos 40 países mais importantes do mundo, ou seja, terá um crescimento menor que a África do Sul com 2,2% e da pobre Nigéria com 2,7%. Aliás essa previsão de baixo crescimento para 2022 é compartilhada pela maioria dos analistas brasileiros, alguns dos quais projetam crescimento menor do que os 1,5%. Com exceção da previsão sempre otimista do ministro Paulo Guedes, que sonha com um PIB de 3% para o ano próximo.

Ederson Vieira Estevão, 40 anos, pedreiro, perdeu o emprego no ano passado, em meio a pandemia do Covid-19, e hoje vive de bicos em sua área - Flavio Tavares - 26.set.2021/Folhapress

Quais são os fatores impeditivos de um crescimento maior em 2022? Para começar um alto desemprego e precarização do mercado de trabalho.

O Brasil tem hoje uma taxa de desemprego de 13,7%, uma das maiores da história do país e a terceira maior entre os 40 países da pesquisa do The Economist (14/10/21) já mencionada, perdendo apenas para África do Sul com 34,4% de desemprego e para a Espanha com 14% de desemprego. Com mais de 50% da população desempregada ou com emprego precário, e com 74% das famílias endividadas, não haverá demanda no ano que vem para impulsionar a economia brasileira.

Mesmo porque a inflação de quase 10% (IPCA) está corroendo o poder aquisitivo da população. Aliás o Brasil figura como a 4ª maior inflação dentre 42 países mais importantes da tabela do The Economist (14/10/2021), apenas menor do que a inflação argentina, paquistanesa e turca.

Essa forte elevação de preços vem corroendo o poder aquisitivo da população e vai deprimir ainda mais a demanda das famílias em 2022.

É sabido que o mundo vive uma crise energética que tem encarecido o preço do petróleo, do gás, do carvão e outras fontes de energia. Também ocorre a elevação de preços de commodities. Sem falar dos choques de oferta ou a falta de peças e componentes para a indústria em geral.

A questão é saber por que o Brasil tem uma inflação superior a todos esses países. O que faz a diferença é o descontrole dos preços administrados, principalmente da gasolina, diesel, gás e outros combustíveis controlados pela Petrobras, que subiram 40% a 50% nos últimos 12 meses.

Portanto o governo é diretamente responsável por cerca de 30% da inflação brasileira, sem os quais nossa inflação estaria alinhada com a inflação média da maioria dos países. Além de reduzir a capacidade de consumo da população e portanto inibir o crescimento da demanda das famílias, essa elevação de preços já é responsável pela elevação da Selic e de uma política monetária contracionista, que vai reduzir o ritmo das atividades em 2022.

E aqui entra um outro fator importante que tem alimentado a inflação. É a desvalorização excessiva do real. Nos últimos 2 anos o real é uma das moedas que mais se desvalorizaram no mundo. Isso aconteceu porque, por um lado, o BC acertadamente reduziu as taxas de juros durante a pandemia em 2020, e atraiu menos capitais especulativos, para estimular a economia. Mas, por outro lado, o BC deixou de combater o excesso de desvalorização com atuações de swap no mercado de derivativos. Com a retaguarda de US$ 355 bilhões em reservas essa atuação era factível e desejável.

Em dezembro de 2018 o dólar valia R$ 3,92 e hoje vale R$ 5,51. Portanto uma desvalorização de 40%, muito acima da inflação do período. Essa desvalorização conduz a uma elevação dos preços da Petrobras em reais. Portanto, a política irresponsável de preços da Petrobras e mais a desvalorização do real, produziram uma inflação de quase dois dígitos.E o Banco Central tem pretensão de forçar a inflação para o centro da meta de 3,75% em 2022, ou seja elevando consideravelmente a Selic, o que é desaconselhável num cenário recessivo. Além disso o Fed, BC americano, já anunciou que vai iniciar a redução da injeção de US$ 120 bilhões na economia americana, que tende a valorizar o dólar e enfraquecer ainda mais o câmbio brasileiro.

Naturalmente, o quadro seria outro caso o Brasil estivesse seguindo o exemplo de vários países que terão um crescimento muito maior do que o nosso em 2022.

O governo Biden pratica programa ambicioso de suporte a população e pretende aprovar mais US$ 4,5 trilhões para investimento em infraestrutura, tecnologia e programas sociais. A Europa está implementando um plano de investimentos de 750 bilhões de euros, e a China continua investindo fortemente como sempre fez.

Ainda na semana passada, o presidente da França Emmanuel Macron, anunciou 30 bilhões de euros um programa de reindustrialização com investimentos em alta tecnologia, digitalização, robótica e genética. A Itália, está implementando um forte programa de investimentos que está tirando o país da estagnação.

As ações fiscais desses países já estão dando resultados. Os Estados Unidos terão um crescimento de 6,0% em 2021 e de 5,2% em 2022, a França terá um crescimento de 5,8 em 2021 e de 3,9% em 2022. A Itália terá um PIB de 5,5% em 2021 e de 4,23% em 2022, e assim por diante. Está ocorrendo um gasto fiscal maior, no curto prazo, que vai se traduzir num crescimento mais robusto e numa arrecadação fiscal mais elevada, de modo a reverter o aumento da dívida pública.

Entretanto, o governo Bolsonaro está na contramão dessa estratégia da maioria dos países avançados e emergentes.

No orçamento de 2022 praticamente não há recursos para um programa social consistente e quase nenhuma verba para investimentos. Será a menor verba para investimentos das últimas décadas. O ministério da Economia acaba de cortar R$ 600 milhões do mirado Orçamento do ministério de Ciência e Tecnologia. E a Petrobras, que era a empresa que mais investia no Brasil, reduziu drasticamente os investimentos, e usa o caixa para distribuir R$ 40 bilhões de reais em dividendos aos felizardos acionistas estrangeiros e brasileiros da empresa.

Sem uma mudança radical na política econômica e social, o Brasil vai se transformando no pior dos emergentes. ​

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