Os sinais contraditórios por parte do governo federal no enfrentamento da pandemia da covid-19 e a falta de um compromisso claro com a manutenção da política de controle de gastos públicos deixaram o Banco Central sem muitas saídas, além de iniciar um novo ciclo de aumento da Selic, segundo avaliação de economistas ouvidos pelo Estadão.

Segundo eles, a elevação de 0,75 ponto porcentual, levando a taxa básica de juros para 2,75% ao ano, demonstraria a falta de alternativa do BC, que precisava agir rapidamente para controlar as expectativas de inflação. O aumento, no entanto, deve ter um efeito negativo sobre o custo da dívida pública e pode deprimir ainda mais a atividade econômica, agravando o desemprego – no momento em que o País bate recordes de mortes e a pandemia de covid-19 segue fora de controle.

Como uma parte da dívida interna é diretamente atrelada à Selic, ao subir os juros, sobe também o custo de carregamento da dívida. Uma estimativa da corretora Necton aponta que a alta de 0,75 ponto nos juros básicos pode levar a um aumento de R$ 25 bilhões da dívida no curto prazo. Juros mais altos também tendem a ter um impacto negativo sobre a atividade econômica.

Para Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), é fato que o ciclo de alta de juros vai ter um efeito negativo sobre a atividade econômica, que já está fraca. Mas a alta da Selic não será causa da fraqueza, mas uma consequência de todo esse cenário.

“Não dá para pensar apenas nos juros. É preciso avaliar que o País está em um desequilíbrio grande. Antes da pandemia, a dívida era alta, mas convergindo. Depois de um choque, com gastos de curto prazo, a gente vai ter um segundo ano de gastos extraordinários e uma dificuldade grande de conter a pandemia.”

Ela ressalta que seria preciso compensar o aumento de gastos decorrentes da pandemia com contrapartidas de médio e longo prazos e reduzir os gastos obrigatórios. “Ficamos com uma dívida alta e ainda não resolvemos a questão da pandemia. Não era para estarmos falando de subida de juros agora, pela fraqueza da economia, mas o BC está agindo de acordo com os seus objetivos.”

A economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour, concorda que a alta dos juros era um movimento necessário. “É um processo que começou agora e só deve acabar quando os juros chegarem a 6,5% ao ano. É preciso ancorar a expectativa de inflação. Certamente, isso tem impacto na dívida, mas o BC não pode fazer política de juros olhando para a dívida.”

“O Brasil acaba tendo de subir juros antes do que poderia, como não aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial mais robusta, com gatilhos mais duros. E a gente deveria estar apresentando uma proposta efetiva de corte de gastos, com a reforma administrativa, mas não parece haver empenho em aprová-la.”

Alternativas

Alexandre Schwartsman, consultor e ex-diretor do Banco Central, argumenta que houve um choque vindo da combinação de preços de commodities (os produtos básicos) em alta e do dólar, também em alta, o que normalmente não ocorre.

“O BC tinha alternativas? Desconfio que não. O governo tinha alternativas? Com certeza. Se conseguisse sinalizar uma mudança na trajetória de gastos, déficits e dívida, provavelmente o dólar estaria menos pressionado e teria caído em resposta ao aumento das commodities, o que permitiria ao BC normalizar a política monetária mais tarde e em ritmo mais lento”, diz.

“A desvalorização do real não tem ligação com a Selic”, descarta o economista da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro. “O que levou à desvalorização da moeda foi a incerteza causada pela pandemia, a política ambiental do governo que afasta investidores estrangeiros e o próprio combate à pandemia”, diz.

Oreiro acrescenta que o cenário para a economia brasileira em 2021 é de auxílio emergencial menor que no ano passado, o BC iniciando um novo ciclo de aumento de juros e a adoção de medidas de lockdown para tentar conter o aumento de mortes e contaminações por covid-19. “O efeito dos juros mais altos na economia vai vir a partir do segundo semestre deste ano.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.