Mito: é inoportuno promover uma reforma tributária em momento de crise econômica, pois isso dificultará ainda mais a recuperação das empresas.
Contraponto: não cabe ao sistema tributário subsidiar empresas, negócios ou setores, quer em situações de crise, quer em situações regulares. Numa economia de livre mercado e que favorece a concorrência, prevalecem os mais eficientes, o que implica crescimento econômico, mais emprego e mais renda. Além disso, diante desta crise, a reforma tributária é o principal instrumento de que dispomos para destravar novos investimentos, dar fluidez aos processos produtivos baixando os custos de transação e, com isso, permitir o crescimento orgânico do PIB.
Conforme estudo recente do IPEA[32], o PIB brasileiro pode crescer 5,42% a mais até 2023 caso seja aprovada a proposta de criação do IBS à alíquota única de 25%.
Segundo João Maria de Oliveira, a mudança induzirá ganhos diferenciados em termos de PIB, emprego e produtividade nos diversos setores da economia, pois existe má alocação produtiva gerada pelo atual sistema de tributos sobre o consumo de bens e serviços[33] (sobre má alocação de recursos, ver Mito nº 3, acima).
O aumento do PIB em função da reforma do modelo brasileiro de tributação sobre o consumo também foi estimado por Bráulio Borges, que apontou um ganho potencial de 20% de PIB potencial em 15 anos, considerando somente os efeitos de primeira ordem, e de 24% a longo prazo[34].
Esse impacto positivo ocorreria porque a reforma promoveria mudanças estruturais que melhorariam a eficiência de alocação de recursos na economia, levando a um volume maior de produção a partir da mesma quantidade de trabalho, máquinas e insumos disponíveis, ou seja, haveria ganhos de produtividade, que constituem o principal motor do crescimento econômico de longo prazo.
São mudanças que envolvem cobrança do tributo no destino (local do consumo), creditamento amplo, redução da quantidade de alíquotas e extinção de benefícios fiscais. Todas se mostram relevantes para o crescimento econômico do país, como destacado pela OCDE em estudo voltado ao Brasil, no qual foi recomendado consolidar os tributos indiretos estaduais e federais em um tributo sobre valor adicionado com base ampla, creditamento integral e alíquota zero nas exportações[35].
Sendo um imposto não-cumulativo e que incide em todas as etapas de produção e comercialização, o IVA é um tributo neutro. Assim, a reforma tributária reduzirá distorções alocativas e formas ineficientes de organização da produção, pois a incidência do IVA independe da forma como está organizada a produção e a circulação[36].
Além disso, ainda que se preveja impacto negativo sobre algum setor específico, é importante esclarecer que, no caso de aprovação da PEC, o Congresso Nacional ainda terá que discutir e aprovar uma Lei Complementar para padronizar as regras de cobrança do imposto. Após aprovada a lei, como lembra Appy[37], será necessário esforço coordenado dos entes federativos, União, Estados e Municípios, na estruturação e implementação de um sistema para gestão do novo imposto.
Assim, mesmo que a lei seja aprovada em 2021, o IBS só passará a ser cobrado no ano seguinte, em razão de regra constitucional que veda cobrar tributos no mesmo exercício financeiro da lei o tenha instituído.
Além desse cronograma enrijecido pelas regras constitucionais e de ordem prática, vale lembrar que, ao longo dos dois primeiros anos, o IBS será cobrado a uma alíquota de 1%, compensável com o valor devido a título de Cofins.
A soma de todos esses prazos evidencia a falta de fundamento do argumento que relaciona a crise atual com mudanças efetivas que ocorrerão, no mínimo, daqui a três anos.
[5] De La Feria, R., Walpole, M. (2020) The Impact of Public Perceptions on General Consumption Taxes, disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3723750
[6] https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/cmap/publicacoes/subsidios-da-uniao/boletim/boletim-mensal-sobre-os-subsidios-da-uniao-desoneracao-da-cesta-basica-1/view.
[7] PADILHA, Giovanni da Silva. Personalização do IVA para o Brasil: harmonizando os objetivos de eficiência e equidade. Plataforma Política Social, Texto para Discussão n. 14. Fev/2018, pp. 4-5. Disponível em http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/uploads/2018/02/TD_14.pdf. Acesso em 20 de junho de 2020.
[8] Kanczuk, Fábio. https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/apresentacoes/arquivos/2017/apresentacao_equilibrio-geral-e-avaliacao-de-subsidios_fabio-kanczuk.pdf/view. Acesso em 26/9/2020.
[9] Conforme proposta de texto para o art. 152-A, §9º: “§ 9º Excetua-se do disposto no inciso IV do § 1º a devolução parcial, através de mecanismos de transferência de renda, do imposto recolhido pelos contribuintes de baixa renda, nos termos da lei complementar referida no caput.”
[10] Projeto de lei nº 529/20, convertido na Lei nº 17.293/20.
[11] Conforme as informações disponíveis na página do Poder Executivo na internet, o projeto prevê a extinção gradual da maior parte dos benefícios concedidos na forma de redução de base de cálculo, como aqueles aplicáveis à cesta básica de alimentos e medicamentos, e a devolução parcial do ICMS às famílias de baixa renda (até três salários mínimos) (disponível em https://estado.rs.gov.br/reforma-tributaria-rs-veja-as-propostas-do-governo-encaminhadas-a-assembleia. Acessado em 4/10/2020, às 19:03).
[12] Orair, R.O., Gobetti, S.W. (2019) Reforma Tributária e Federalismo Fiscal: Uma Análise das Propostas de Criação de um Novo Imposto Sobre o Valor Adicionado Para o Brasil. IPEA. Texto para Discussão nº 2530. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35279
[13] Sobre o tema, ver “Democracy and Growth in Brazil”, Marcos Lisboa e Zeina Latif (2013). https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2013/07/Democracy_and_Growth_in_Brazil.pdf. Acesso em 27/9/2020.
[14] Messias, L.S., Longo, L.L., Novo, C.N., Vasconcelos, B.F.M. (2020). Contencioso tributário no Brasil
Relatório 2020 – Ano de referência 2019. Disponível em: https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2021/01/Contencioso_tributario_relatorio2020_vf10.pdf
[15] Restuccia, D, Rogerson, R. (2017) The causes and costs of misallocation. NBER Working Paper 23422.fazem uma revisão da literatura sobre o tema, mostrando que os efeitos sobre a produtividade e, portanto, sobre o potencial de crescimento econômico são muito relevantes.
[16] Hsieh, C-T, Klenow, P.J. (2009) Misallocation and manufacturing TFP in China and India. The Quarterly Journal of Economics 124, n. 4, p. 1403-1448.
[17] Busso, M, Madrigal, Lucía , Pagés, Carmen (2013). Productivity and Resource Misallocation in Latin America. The BE Journal of Macroeconomics 13, no. 1 , p. 903-932
[18] De Vries, G. J. (2014) Productivity in a distorted market: the case of Brazil’s retail sector. Review of Income and Wealth 60, no. 3, p. 499-524.
[19] ORMAECHEA, Santiago Acosta. MOROZUMI, Atsuyoshi. The Value Added Tax and Growth: Design Matters. Available at https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2019/05/07/The-Value-Added-Tax-and-Growth-Design-Matters-46836. Acesso em 10/4/2020.
[20] Orair e Gobetti, op. cit. p.23.
[21] O efeito para o Estado do Amazonas é difícil de computar, devido ao elevado grau de isenção concedido no ICMS em transações no âmbito da Zona Franca de Manaus. Os cálculos são feitos com base em tributos que, na prática, em boa medida não são arrecadados.
[22] https://ccif.com.br/wp-content/uploads/2020/07/NT_ATN_Corporation_V3.pdf. Acessado em 05/01/2021, às 15:15.
[23] Nesse sentido, confira-se APPY, Bernard. Reforma Tributária e Pacto Federativo. In: Estadão. Disponível em https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,reforma-tributaria-e-pacto-federativo,70003067525. Acessado em 26/10/2020, às 22:26.
[24] A reforma tributária não fere o pacto federativo. In: Consultor Jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-dez-19/melina-rocha-reforma-tributaria-nao-fere-pacto-federativo. Acessado em 05/01/2021, às 16:12.
[25] Restrepo, F. (2019) The Effects of Taxing Bank Transactions on Bank Credit and Industrial Growth: Evidence from Latin America. Journal of International Money and Finance. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2994163.
Para acessar um compilado de estudos sobre as vulnerabilidades de um tributo como a CPMF, ver https://www.insper.edu.br/conhecimento/conjuntura-economica/estudos-detectam-vulnerabilidades-da-cpmf/. Acesso em 16/12/2020.
[26] LUKIC, Melina Rocha. Tributação da economia digital por meio de IVA/IBS: desafios e soluções. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tributacao-da-economia-digital-por-meio-de-iva-ibs-desafios-e-solucoes-30062020. Acesso em 27/9/2020.
[27] Uma das ações em julgamento, a ADI 1945/DF, foi ajuizada em 1999, quando softwares eram comercializados em disquetes ou CDs.
[28] Acrônimo de Google, Apple, Facebook e Amazon.
[29] Com faturamento global acima de €750 milhões e €25 milhões na França.
[30] http://www.oecd.org/ctp/addressing-the-tax-challenges-of-the-digital-economy-action-1-2015-final-report-9789264241046-en.htm. Acesso em 27/9/2020, às 13:10.
[31] Tributação da economia digital por meio de IVA/IBS: desafios e soluções. Artigo inédito, no prelo.
[32] https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/cc48_nt_tributacao_do_consumo.pdf. Acessado em 12/11/2020, às 18:14.
[33] Impactos setoriais e regionais de mudanças na tributação do consumo no Brasil, 17/7/2020. Disponível em https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2020/07/impactos-setoriais-e-regionais-de-mudancas-na-tributacao-do-consumo-no-brasil/. Acessado em 4/10/2020, às 21:46.
[34] Réplica ao texto de José Roberto Afonso, Vagner Ardeo e Geraldo Biasoto Jr., que critica a nota técnica que buscou quantificar os efeitos da PEC 45/2019. Disponível em https://blogdoibre.fgv.br/posts/replica-ao-texto-de-jose-roberto-afonso-vagner-ardeo-e-geraldo-biasoto-jr-que-critica-nota. Acessado em 4/10/2020, às 21:48.
[35] Tradução livre. Disponível em http://www.oecd.org/economy/growth/Going-for-Growth-Brazil-2017.pdf. Acessado em 4/10/2020, às 22:06.
[36] Nota técnica do CCiF intitulada “Reforma do Modelo Brasileiro de Tributação de Bens e Serviços”. Disponível em https://ccif.com.br/wp-content/uploads/2020/06/NT-IBS-v2_2.pdf. Acessado em 4/10/2020, às 22:11.
[37] A reforma tributária e a crise (Disponível em https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,a-reforma-tributaria-e-a-crise,70003420693. Acessado em 16/12/2020, às 17:30).