Plano europeu contra poluição atinge de montadoras a aéreas; veja efeitos

Agenda pode forçar transferência de operações para fora do bloco

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Jack Ewing Stanley Reed Liz Alderman
Frankfurt e Alemanha | The New York Times

Os carros com motores de combustão interna desaparecerão das concessionárias europeias em 2035. As siderúrgicas e os produtores de cimento terão de pagar pelas emissões de dióxido de carbono geradas pelas suas instalações.

Navios de carga podem não ser autorizados a atracar em portos como Hamburgo, Alemanha, ou Roterdã, Holanda, a menos que operem com combustíveis menos poluentes. Os jatos comerciais terão de ser abastecidos com combustível sintético, produzido com o uso de energia limpa.

O plano da União Europeia para reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa a menos da metade até o final da década afetará quase todas as indústrias no bloco comercial, com consequências profundas para os empregos e para a economia dos países integrantes. Os líderes europeus afirmam que o pacote sobre o clima apresentado na quarta-feira (14) poderá colocar a Europa na liderança de novas tecnologias como a das baterias para carros elétricos, geração de energia eólica offshore ou turbinas de aviação acionadas por hidrogênio.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, anuncia plano em Bruxelas - John Thys/AFP

Mas a transição também será dolorosa para alguns consumidores e empresas, elevando o custo de ampla variedade de bens e serviços, como os monitores de vídeo importados da China, por exemplo, ou viagens de férias para as ilhas gregas, ou mesmo um tanque de gasolina. Companhias que fabriquem produtos destinados à obsolescência, por exemplo componentes para motores de combustão interna, terão de se adaptar ou fechar as portas.

As propostas podem mudar setores poluentes como o de siderurgia, que emprega diretamente 330 mil pessoas na Europa.

“Essa é uma verdade que precisa ser dito”, disse Akio Ito, sócio sênior na consultoria Roland Berger, em Munique. “De uma maneira ou de outra, nós, como consumidores, teremos de pagar o preço da transformação verde”.

Ito disse que as novas propostas podem representar desafios para as indústrias de diversas maneiras. Companhias teriam de adotar fontes de energia mais limpas, como o hidrogênio, que provavelmente serão mais caras. Existe um risco de que empresas europeias terminem por transferir algumas de suas operações mais poluentes, como a produção de ferro, para fora das fronteiras da União Europeia, ele disse.

Frans Timmermans, o comissário responsável pelo chamado Green Deal, na Comissão Europeia, reconheceu na quarta-feira que “alguns setores lucrarão mais que outros”. Ele disse que o ônus de demonstrar que as recompensas e os sacrifícios serão distribuídos equitativamente cabe à Comissão.

O plano da Comissão Europeia, “Fit for 55”, pede que os 27 países membros reduzam sua geração de gases causadores do efeito estufa em 55% até 2030, ante os níveis de 1990.

A meta da União Europeia é mais agressiva do que a dos Estados Unidos, que assumiu o compromisso de reduzir as emissões em entre 40% e 43% no mesmo período, mas fica abaixo da britânica, que é de uma redução de 68%. A China, o maior emissor de gases causadores do efeito estufa, só anunciou que antecipa que o pico de suas emissões virá em 2030.

Eis como o plano afetaria as indústrias da Europa.

Automóveis

A maioria das montadoras de automóveis anunciou planos de mudar sua produção para veículos elétricos, mas muitas delas resistiram a apontar uma data de retirada para os veículos acionados por combustíveis fósseis, que continuam a gerar a maior parte de seus lucros. O plano da Comissão Europeia requereria efetivamente que todos os carros novos tivessem emissões zeros a partir de 2035, o que remove qualquer flexibilidade para que empresas como a Volkswagen, Mercedes-Benz ou Renault continuem a vender alguns veículos movidos por gasolina ou diesel, inclusive os híbridos.

O plano da comissão também inclui algumas cláusulas que beneficiam a indústria. Verbas públicas serão usadas para ajudar a construir estações de recarga a cada 60 quilômetros nas principais rodovias, uma iniciativa que pode ajudar a promover a venda de carros elétricos. A comissão também ajudará a financiar uma rede de postos de abastecimento de hidrogênio, beneficiando companhias como a Daimler e a Volvo que planejam construir caminhões de grande autonomia que operam com células de combustível para converter hidrogênio em eletricidade.

A associação que representa as montadoras de automóveis europeias disse que as redes de recarga concebidas pela comissão não têm densidade suficiente e se queixou de que seria errado banir de vez os motores de combustão interna.

A União Europeia deveria “ter por foco a inovação, em lugar de forçar, ou na prática proibir, uma tecnologia específica”, afirmou Oliver Zipse, presidente-executivo da BMW e presidente da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis, em comunicado.

Companhias de aviação

Os aviões são grandes geradores de emissões de dióxido de carbono mas é difícil convertê-los a uma forma de operação não poluente. De acordo com as propostas da comissão, as companhias de aviação seriam compelidas a começar a misturar combustível sintético aos combustíveis fósseis que usam agora, e deixariam de receber isenções tributárias sobre os combustíveis fósseis. Em outras palavras, elas terão de pagar mais por poluir.

A Airlines for Europe, uma organização setorial de lobby que representa a AirFrance-KLM, easyJet, IAG, Lufthansa Group e Ryanair –as maiores companhias nacionais de aviação e as maiores companhias de aviação de baixo preço da Europa– declarou que seus membros apoiam a transição verde, mas que buscariam regulamentação mais simples e apoio financeiro.

“Os impostos sugam do setor um dinheiro que poderia ser usado para apoiar investimentos na renovação das frotas e em tecnologias limpas, que reduziriam emissões, afirmou Willie Walsh, diretor geral da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo) em comunicado.

A Airbus, maior fabricante mundial de aviões, vem pressionando por subsídios para as companhias de aviação a fim de que renovem suas frotas, e por apoio a tecnologia que empregue combustíveis sustentáveis. A gigante europeia, cujos principais acionistas são os governos da França, Espanha e Alemanha, anunciou planos para desenvolver aviões que propiciem neutralidade de emissões dentro de cinco anos, e recentemente mostrou um conceito para um avião não poluente que operaria com hidrogênio.

Navegação

O plano destaca as companhias de transporte aquático, fazendo com que paguem mais pelas emissões que geram a fim de encorajar sua transição para uma energia mais limpa. A maior parte dos navios em operação hoje opera com óleo combustível de baixa qualidade e fortemente poluente.

Lobistas do setor de navegação já se queixaram de que não estava claro como o plano seria aplicado e que rotas de navegação seriam afetadas. “Vão ser só as europeias ou metade do comércio entre a China e a União Europeia?”, questionou a S&P Global Platts, empresa de pesquisa sobre energia e commodities, em uma nota aos seus clientes.

Indústria pesada

O plano da Comissão Europeia elevaria o custo de poluir ao apertar o Sistema Europeu de Comércio, que força empresas a pagar pelo dióxido de carbono perigoso que liberam no ambiente. Antecipação de que haveria mudanças já elevou em cerca de 50% o preço das licenças de poluição.

As siderúrgicas alertaram que as propostas podem erodir ainda mais sua vantagem competitiva sobre os produtores da China e desencorajar o investimento necessário para a transição rumo a emissões baixas.

“Teremos custos mais alto por emissões, esse será o resultado final”, disse Koen Coppenholle, presidente-executivo da Cembureau, uma organização da indústria do cimento.

Energia

Os produtores de eletricidade serão pressionados a acelerar a transição das energias acionadas a carvão para a energia eólica, solar e hidrelétrica. O objetivo é elevar a porcentagem dessas fontes de energia a 40% até 2030, em boa medida ao aumentar a penalidade que as empresas de energia pagam pela geração de energia com combustíveis fósseis, o que tornaria a energia solar e a eólica mais atraentes em termos financeiros.

Se considerarmos todos os interesses empresariais que estão em jogo, o plano deve enfrentar lobby furioso da parte de representantes setoriais, enquanto tramita em Bruxelas. As propostas da comissão requerem endosso pelo Parlamento Europeu e pelos líderes dos governos nacionais da União Europeia, antes que possam se tornar lei, um processo que deve demorar cerca de dois anos.

Os defensores do plano da Comissão encontrarão apoio forte dos europeus cada vez mais preocupados com verões extremamente quentes, incêndios florestais, tempestades severas e outras provas do efeito da mudança no clima.

“Vimos tornados na República Tcheca. Quem imaginaria isso?”, disse Timmermans. “Quem quer que deseje negar a urgência da crise do clima deveria pensar de novo”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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