Economia Titulo Perda de direitos
Reforma trabalhista faz quatro anos e amplia a precarização

Especialistas dizem que mudanças nas leis não criaram os empregos que foram prometidos

Caio Prates
Do Portal Previdência Total
14/11/2021 | 00:01
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André Henriques/DGABC


A reforma trabalhista, que completou seu quarto ano no último dia 11 de novembro, trouxe modificações nas relações de trabalho, mas não confirmou o propósito de geração de empregos e, na visão de especialistas, potencializou a informalidade e precarização dos direitos trabalhistas.

Na avaliação da advogada Cíntia Fernandes, especialista em direito do trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, o quarto ano após a reforma confirma a incompatibilidade do discurso sobre o aumento da empregabilidade mediante a supressão de direitos.

“Diversamente, e desassociado do período de pandemia, verifica-se que após o advento da reforma trabalhista foram elevados os números de desemprego e potencializada a precarização e a informalidade do trabalho. Portanto, verifica-se que as alterações promovidas impactaram negativamente as condições de trabalho e, por consequência, a economia do País”, avalia.

Para a advogada especialista em direito do trabalho Lariane Del Vecchio, do escritório Aith, Badari e Luchin, a reforma incentivou a informalidade e não significou aumento real de renda, nem para as empresas nem para os trabalhadores. “A ideia da reforma era modernização, flexibilização e geração de empregos. Ocorre que, depois de quatro anos, vemos que não trouxe os avanços esperados, pelo contrário, diante de todo cenário, temos o aumento do desemprego e a precarização das relações de trabalho. Assim, aumentaram a informalidade e a falsa pejotização”, observa.

A reforma trabalhista alterou mais de 100 itens da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e flexibilizou uma série de direitos dos empregados no País. Entre as principais alterações estão: a criação do contrato intermitente, a introdução da ideia de negociado prevalecendo sobre o legislado, a ampliação da jornada de trabalho parcial, a ampliação da terceirização para as atividades-fim, a regulamentação do teletrabalho e, a partir de 2020, toda a legislação trabalhista emergencial, destacando-se os programas de preservação do emprego e da renda a partir da suspensão dos contratos de trabalho e redução de jornada mediante negociação individual.

Entretanto, na ótica do advogado e professor Marco Aurelio Serau Junior, as mudanças podem ser consideradas, na realidade, um verdadeiro “processo de reforma trabalhista”, pois desde de 2017 diversas leis e medidas provisórias ampliaram o caminho da alteração das leis trabalhistas.

“O discurso de necessidade de diminuição dos direitos trabalhistas como única forma de ampliação dos postos de trabalho não se confirmou na prática. As estatísticas demonstram que não ocorreu a criação de novos postos de trabalho de modo expressivo, ou que estes se deram em formas precarizadas, como o contrato intermitente, ou a partir de trabalho autônomo, especialmente por plataformas digitais”, analisa o especialista.

Para Serau Junior é significativo anotar que a partir de 2020 o processo de reforma trabalhista foi aprofundado com a perspectiva trazida pela pandemia, “que serviu de motivo para ampliação da transformação da legislação trabalhista para muito mais além do que as simples necessidades de adaptação advindas do cenário de isolamento físico”.

Pandemia faz surgir a "uberização"

Na esteira de mudanças das relações trabalhistas e da revolução digital, intensificada no período da pandemia, surgiu um novo fenômeno batizado como uberização. Trata-se de modelo de trabalho que prevê um estilo mais informal, flexível e por demanda, vinculado, principalmente, aos aplicativos de entregas e de transporte.O advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, ressalta que essa nova relação de trabalho aconteceu de uma maneira natural em um cenário econômico difícil, não só do Brasil, mas do mundo.

“Há um grande aumento na automação e na inteligência artificial, que cuida das tarefas repetitivas. Isso faz com que aumente a demanda por um novo tipo de trabalho, onde as próprias pessoas querem ter uma nova rotina, com autonomia nas tarefas e a possibilidade de optar quando querem trabalhar e para quem querem trabalhar”, explica.
 Entretanto, segundo Stuchi, esse novo modelo traz alguns desafios e problemas na questão dos direitos, pois esses trabalhadores, atualmente, não possuem, por exemplo, salário fixo, nenhum tipo de estabilidade ou benefício em caso de acidente de trabalho, nenhuma garantia trabalhista estabelecida pela CLT, remuneração por extra, ou seja, nenhuma segurança jurídica.

De acordo com a advogada Cíntia Fernandes, o aumento da informalidade desencadeado pela reforma trabalhista resultou na uberização. “Os trabalhadores estão envoltos de uma aparência de autonomia em patente contradição com uma realidade de subordinação e hipossuficiência. Além disso, a condição de vulnerabilidade desses trabalhadores não permite que a relação seja isonômica, principalmente ao considerar a situação de dependência do trabalhador para o fim de sobrevivência.”

A especialista destaca que, pela relação atual com aplicativos, os trabalhadores sofrem um desemparo legal. “Trata-se de uma resposta ao desemprego mediante trabalho em condições precárias e com a supressão de direito, por meio de uma falsa premissa de trabalho autônomo, que viabiliza a exploração por meio de jornadas de trabalho extenuantes, baixos salários e desamparo legal”.

Diante desse cenário, o MPT (Ministério Público do Trabalho) ajuizou, no último dia 8, ações contra empresas de trabalho por aplicativos a fim de que o Poder Judiciário reconheça o vínculo de emprego dos aplicativos com os motoristas e entregadores de mercadorias. O órgão pede a garantia de direitos sociais trabalhistas, securitários e previdenciários, além da melhoria das condições de saúde e segurança do trabalho nas atividades desenvolvidas por esses profissionais. As ações foram protocoladas pela Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, e têm âmbito nacional.

Para o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, as relações profissionais são dinâmicas e precisam se adaptar, mas não ao custo da precarização. “É preciso que o Estado elabore regras específicas para esse tipo de trabalho e que os direitos garantidos na Constituição de 1988 cheguem aos trabalhadores”, observa Lima. 




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