Marcos Solivan/Sucom UFPR

A vacina contra Covid-19 desenvolvida pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) deverá entrar na fase de testes clínicos em humanos ainda no segundo semestre deste ano e a expectativa é que possa ser distribuída em 2022. Produzida exclusivamente com insumos nacionais, o custo das doses deve ser inferior às opções internacionais, que hoje custam, em média, R$ 55. “Levando em conta somente os custos de insumos, ou seja que pagamos aos laboratórios, o valor por dose é estimado em R$ 5. Somados ao custo de equipamentos, o valor deve chegar no máximo a R$ 10.  É uma vacina de baixíssimo custo, que, portanto, poderá nos dar, no futuro, uma soberania tecnológica. Hoje, tem afligindo a nossa sociedade a espera do IFA [Ingrediente Farmacêutico Ativo] da Índia e da China.”, afirmou o pesquisador Marcelo Müller dos Santos, responsável pelo projeto, em entrevista coletiva on-line na tarde desta segunda (26). 

A vacina começou a ser produzida no final do ano passado, e ainda está em fase pré-clínica, ou seja com testes em animais. Essa fase deve durar até outubro. Para mudar de fase, os estudos em animais precisam atingir três objetivos: verificar se há neutralização do vírus pelos anticorpos produzidos, se os animais desenvolvem ou não a doença e se a vacina causou algum dano colateral. Até agora, o estudo da UFPR apresenta resultados melhores que a Astrazeneca/Oxford na mesma etapa. “Testes em camundongos revelaram que, após duas doses da vacina, a quantidade de anticorpos produzidos alcançou concentração maior que a da parceria AstraZeneca/Oxford. A expectativa é quem em seis meses, a UFPR faça pedido à Angência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para início de testes em humanos, que será feito em três fases, 1, 2 e 3”, explicou o reitor da universidade, Ricardo Marcelo Fonseca.

A tecnologia utilizada na vacina da UFPR envolve a produção de partículas de um polímero biodegradável, revestidas com partes específicas da proteína Spike, que é responsável pela entrada do SARS-Cov 2 nas nossas células. Essa proteína é produzida com o auxílio da bactéria Escherichia coli, ou seja, em uma forma capaz de aderir ao polímero. A vacina é composta pelo polímero e pela proteína sintética, sendo que as partículas terão na sua superfície a proteína S, de forma semelhante ao próprio vírus. Segundo Souza, essa configuração de nanopartículas induz o organismo a uma resposta eficaz. “O corpo tende a reconhecer a partícula, desmontá-la, pegar as partes que são sensíveis e fazer anticorpos contra elas. Por isso, é importante que estejam nesse formato”. Embora existam outras vacinas em desenvolvimento com esse princípio, o diferencial do projeto desenvolvido pela UFPR está na nanopartícula que abriga a proteína Spike. O polímero utilizado é biodegradável e biocompatível, ou seja, não tem efeitos tóxicos no organismo, conforme explicou ele. “Se injetamos esse material em uma pessoa, não se espera nenhuma reposta. Agora, se recobrirmos com as proteínas do vírus, teremos uma resposta só contra essas proteínas”. Outra característica única da vacina da UFPR é que o biopolímero faz dois papéis: além de carregar as proteínas ao seu redor, ele é adjuvante. Ou seja, aumenta a resposta imunológica, sem a necessidade de indução de uma segunda substância.

Aplicação nasal

Uma segunda abordagem do projeto elaborado pela UFPR é o estudo de uma preparação nasal para combater o coronavírus, uma vez que o Sars-Cov 2, como todo o vírus, entra naturalmente pelas vias respiratórias. “Se nós tivermos uma proteção nas vias respiratórias, isso impede que o vírus se dissemine no organismo”, sintetiza o professor Emanuel. A proposta é que a proteção se dê pela produção de um anticorpo específico chamado IgA, principal imunoglobulina presente nas membranas mucosas.

No momento, a equipe está medindo a concentração de anticorpos gerados por esta via de imunização em camundongos. Uma das possibilidades é a proposição de uma proteção associada entre vacina e preparação nasal, para garantir a não-propagação do vírus mesmo após a imunização.

Acordo com governo do Paraná

O projeto em desenvolvimento pela UFPR já conta com a financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), no valor de R$ 230 mil.

A UFPR firmou um convênio com o Governo do Estado do Paraná para avançar nos estudos. O investimento prevê o aporte de R$ 700 mil por meio da Unidade Gestora do Fundo Paraná (UGF), vinculada à Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI). Em contrapartida, a UFPR investirá R$ 35 mil na solução. O valor proporcionará a conclusão dos testes pré-clínicos, previstos para ocorrer ainda em 2021. Na visão do pesquisador Marcelo Müller dos Santos, o aporte do Governo do Estado amplia a possibilidade de uma vacina 100% brasileira ter produção a nível industrial. “É uma solução que pode ser implementada aqui no Brasil. Temos fábricas que podem produzir a proteína recombinante; a UFPR pode produzir o polímero e montar a nanopartícula. São processos desenvolvidos em laboratório baseados em pesquisas já publicadas e factíveis de se levar para a escala industrial”.

De acordo com o professor Emanuel Maltempi de Souza, um dos pesquisadores responsáveis pelo projeto, os resultados alcançados até o momento viabilizaram a parceria. “Temos um conjunto de resultados importantes, com uma plataforma completamente nacional, em que poderemos partir do conceito até a fase clínica”, ressalta Souza. O invstimento do governo do Paraná garante a pesquisa até a fase pré-clínica. Assim que essa fase terminar, a UFPR terá que contar com outras parcerias. “Essa será uma nova fase. Deveremos ter novos parceiros. Nenhuma universidade faz uma vacina sozinha, precisa de parceiros. Até mesmo a Oxford, uma universidade rica e conceituada precisou do laboratório para produzir a Astrazeneca. São muitas fases ainda, mas estamos muito confiantes”, afirmou o reitor.  “O conjunto das universidades públicas brasileiras tem trabalhado como nunca. A universidade tem sido demandada, os cientistas têm sido demandados e nós, absolutamente, não paramos. A vacina tem sido desenvolvida pelos cientistas da nossa universidade”, disse o reitor da UFPR.