Opinião

Sobre a regulação da logística reversa e os instrumentos econômicos

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15 de fevereiro de 2022, 12h12

Com a emergência da problemática socioambiental, entendeu-se que o meio ambiente não tem uma capacidade ilimitada de assimilação de resíduos oriundos do sistema econômico, especificamente da produção e do consumo, o que demanda um correto gerenciamento das emanações dali decorrentes. Percebeu-se, também, a necessidade de criar condições para o reaproveitamento e a reciclagem de materiais, assim como ocorrem nos ecossistemas. Para tanto, são necessárias políticas públicas e a participação de todos os agentes públicos e privados envolvidos, incluindo os consumidores. Aí um aspecto da ideia da "responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto", tão cara à gestão de resíduos.

No Brasil, a complexa questão dos resíduos sólidos é objeto da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), contida na Lei Federal nº 12.305/2010, que estabelece as normas e diretrizes gerais para a gestão e gerenciamento desses resíduos. Nos termos da própria lei, entendem-se por resíduos sólidos os materiais, substâncias, objetos ou bens descartados, resultantes de atividades humanas em sociedade. No dia 13 de janeiro deste ano, foi publicada uma nova regulamentação da PNRS: o Decreto Federal nº 10.936, trazendo algumas novidades. Com a edição do decreto, revogou-se a regulação antes vigente, em especial, o Decreto nº 5.940/2006 (separação de resíduos pela Administração Pública e destinação para associação de catadores de materiais recicláveis) e o Decreto nº 9.177/2017 (regulamentação da logística reversa), cujas normas foram atualizadas e integradas ao novo decreto, e o Decreto nº 7.404/2010, que regulava a PNRS e que foi substituído.

Uma das principais novidades do novo decreto é a instituição do Programa Nacional de Logística Reversa, integrado ao Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos e coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). A logística reversa é o conjunto de ações e procedimentos orientados à coleta e restituição de resíduos sólidos ao setor empresarial, seja para reaproveitamento, se possível, seja para a destinação ambientalmente adequada. A PNRS define os produtos que a implementação de logística reversa é obrigatória, além da possibilidade de extensão para outros produtos e embalagens, por meio dos instrumentos previstos em regulamentação.

Como objetivos do programa recém-instituído, propõe-se otimizar a implementação de infraestrutura física e logística, proporcionar ganhos de escala e favorecer a sinergia entre os sistemas já existentes e em implementação. Se bem estruturado, pode representar uma oportunidade de fortalecimento de redes de aprendizado entre diferentes esferas da Administração Pública e do próprio setor produtivo. Assim, seriam fomentadas as melhores práticas, o que se torna especialmente relevante diante da cada vez mais frequente criação de sistemas de logística reversa pelos estados.

O novo decreto buscou simplificar as normas relativas aos instrumentos de implantação de logística reversa: os acordos setoriais, os regulamentos editados pelo poder público e os termos de compromisso. Foi determinado um conteúdo mínimo que se aplica aos três instrumentos, incluindo, por exemplo, a definição de objetivos, metas e cronograma, forma de estruturação, financiamento e governança do sistema, além de estudo de viabilidade técnica e econômica.

O procedimento dos acordos setoriais (ato de natureza contratual firmado entre poder público e setor privado, com objetivo de implantação de logística reversa) foi significantemente simplificado. No novo decreto, os interessados — ou seja, fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes — poderão apresentar proposta formal de acordo setorial ao MMA, com o conteúdo mínimo previsto na norma. Alterou-se, assim, a dinâmica anterior do Decreto nº 7.404/2010, cuja iniciativa para a formulação de um acordo setorial partia do poder público, com a edição de um edital para chamamento de interessados.

Na nova regulamentação, posteriormente à proposta de acordo setorial, segue uma consulta pública e uma oitiva dos órgãos federais competentes, ao termo das quais, analisadas as contribuições, o MMA aceitará a proposta, solicitará complementações ou determinará o arquivamento do processo, quando não houver consenso. Esse mesmo procedimento, com pequenas alterações, é previsto também para os instrumentos de regulamento e termo de compromisso.

Não houve grandes mudanças quanto aos possíveis instrumentos econômicos aplicáveis à gestão e ao gerenciamento de resíduos sólidos, em regulamentação ao artigo 42 da PNRS. Já presente no Decreto nº 7.404/2010, revogado, incluiu-se a possibilidade de estabelecimento de critérios para compras e contratações públicas sustentáveis no âmbito do poder público, em sintonia com outras normas afins, como a própria previsão da nova Lei de Licitações (Lei Federal nº 14.133/2021) acerca da consideração de critérios de sustentabilidade ambiental e do próprio ciclo de vida do objeto nos processos licitatórios.

Um ponto relevante é a determinação expressa que orienta o poder público a incentivar o "desenvolvimento científico e tecnológico, a inovação e o empreendedorismo, de forma a desenvolver a cadeia de valor dos resíduos sólidos", que pode se dar mediante linhas especiais de financiamento de instituições financeiras federais para atividades de inovação e desenvolvimento. A mudança tecnológica é fundamental, seja para aperfeiçoar infraestruturas e sistemas, seja para melhor reaproveitamento de resíduos, e merece efetivamente ser incentivada.

Nesse sentido, lamenta-se a oportunidade perdida com os vetos (ainda não apreciados pelo Congresso Federal) à recente Lei Federal nº 14.260/2021, que pretendeu estabelecer incentivos e benefícios, adotados pela União, para estimular a cadeia produtiva da reciclagem, além do uso de insumos recicláveis e reciclados. Um dos instrumentos econômicos ali previstos — e que foi vetado — autorizava a dedução de parte do Imposto de Renda por pessoas físicas e jurídicas em virtude de apoio a projetos aprovados pelo MMA. Entre os diferentes objetos englobáveis, estava o desenvolvimento de novas tecnologias para agregar valor ao trabalho de coleta de materiais reutilizáveis e recicláveis. Poderia ser mais um elemento a reforçar esse difícil cenário dos resíduos sólidos no país.

Em conclusão, entende-se que a transição para uma economia menos intensiva na extração de recursos naturais e na consequente geração de resíduos passa pelo engajamento de todos os agentes envolvidos, desde poder público, setor privado e consumidores. As normas relativas à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto tentam concretizar esse ideal, que vem sendo construído no Brasil a partir da edição da PNRS. Os consumidores devem se atentar às obrigações que lhes cabem (acondicionamento e disponibilização adequados de resíduos sólidos nos casos da coletiva seletiva e logística reversa, por exemplo). À sociedade civil, cabe acompanhar a operacionalização do decreto, sobretudo na nova dinâmica dos instrumentos de logística reversa e as possibilidades de incentivos econômicos.

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