Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Os trabalhadores não querem seus velhos empregos de volta nos velhos termos

Perversamente, a pandemia pode ter dado a muitos americanos a oportunidade de determinar o que realmente importa para eles

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The New York Times

A pandemia desordenou a vida de trabalho de muitos americanos. Alguns de nós —em geral pessoas brancas e de nível educacional elevado, com empregos relativamente bem remunerados— puderam adotar o trabalho remoto. Milhões de outros trabalhadores, especialmente muitos trabalhadores mal pagos do setor de serviços, simplesmente viram seus empregos desaparecer quando os consumidores deixaram de comer fora e de viajar.

Agora a economia está se recuperando —uma recuperação que provavelmente continuará a despeito da difusão da variante delta do coronavírus. Mas muitos americanos não desejam voltar à maneira que as coisas costumavam ser. Depois de 18 meses trabalhando em casa, muita gente não quer voltar a enfrentar o estresse da jornada diária entre sua casa e o trabalho. E pelo menos algumas das pessoas que foram forçadas a aceitar o desemprego vieram a perceber o quanto eram infelizes com seus empregos de baixo salário e condições de trabalho precárias, e relutam em retornar aos seus postos anteriores.

Para ser honesto, quando as empresas começaram, a se queixar da escassez de mão de obra, minha sensação foi de ceticismo. Esse tipo de queixa sempre emerge quando a economia começa a se recuperar de um período recessivo, e muitas vezes significa apenas que as pessoas em busca de emprego agora estão um pouco menos desesperadas. Alguns de nós ainda recordam como, sete ou oito anos atrás, Pessoas Muitas Sérias insistiram em que enfrentávamos uma grande “carência de qualificação” e que jamais seríamos capazes de levar o desemprego de volta aos níveis que haviam prevalecido antes da crise. (“Spoiler”: foi exatamente o que fizemos.)

A este ponto, porém, parece claro que alguma coisa realmente está acontecendo. Pode-se perceber pelos dados sobre postos de trabalho em aberto que existem muito mais vagas não preenchidas do que normalmente esperaríamos ver dado o nível atual de desemprego, que continua a ser relativamente alto.

É uma situação perceptível também se considerarmos o que está acontecendo no setor mais atingido pela pandemia, o de lazer e hospitalidade (hotéis, restaurantes).

O emprego no setor continua bem abaixo do nível que mantinha antes da pandemia; mas para trazer de volta os trabalhadores, o setor teve de oferecer grandes aumentos de salários, levando-os para valores significativamente mais altos do que a tendência vigente antes da pandemia.

Em outras palavras, alguns trabalhadores realmente não parecem dispostos a voltar aos seus velhos empregos a não ser que lhes sejam oferecidos substancialmente mais dinheiro e/ou condições de trabalho melhores. Mas por que isso está acontecendo? E devemos ver a tendência como ruim?

Os conservadores insistem em que é de fato ruim: os trabalhadores, eles afirmam, estão se recusando a aceitar empregos porque a assistência do governo está tornando o desemprego confortável demais para eles. Mas eles sempre diriam isso, não é? Lembre-se, foi a mesma coisa que disseram depois da crise financeira, afirmando que os desempregados estavam sendo mimados —quando a verdadeira razão para que a recuperação tenha demorado mais do que deveria foi a política de austeridade destrutiva imposta pelos republicanos do Congresso.

Isso posto, os motivos para preocupação quanto aos efeitos de incentivo dos benefícios-desemprego parecem mais convincentes agora do que no passado. A assistência aos desempregados foi muito mais generosa durante a pandemia do que durante a Grande Recessão; o suplemento de US$ 300 por semana aos benefícios-desemprego existentes, aprovado em dezembro e prorrogado em março, embora inferior aos US$ 600 por semana que vigoraram por parte de 2020, basta, quando combinado aos benefícios regulares, para substituir a maior parte da renda normal dos trabalhadores menos bem pagos.

Mas será que os benefícios-desemprego tiveram um grande efeito adverso sobre o emprego, na verdade? Não. Os números sobre o emprego em base estadual divulgados na sexta-feira (20) reforçam as conclusões de estudos anteriores que constataram um efeito negativo pequeno.

Desta vez, os republicanos inadvertidamente forneceram os dados necessários a refutar o que afirmam. Muitos dos estados governados por conservadores correram as cancelar os benefícios-desemprego expandidos antes de setembro, a data em que eles expirariam. Se esses benefícios fossem uma grande força de bloqueio à criação de empregos, esses estados teriam visto crescimento de emprego perceptivelmente mais rápido do que os estados democratas, que mantiveram os benefícios. Isso não aconteceu.

Mas se os benefícios do governo não foram responsáveis, o que explica a relutância de alguns trabalhadores a voltar aos seus velhos empregos? Pode haver diversos fatores. O medo do vírus não desapareceu, e pode estar fazendo com que alguns trabalhadores escolham ficar em casa. Cuidar das crianças também é uma questão, já que muitas escolas continuam fechadas e os serviços de creche ainda não se recuperaram.

Meu palpite, porém —e é só um palpite, embora alguns dos especialistas mais conhecidos nessa área tenham opiniões semelhantes— é que, como indiquei no começo deste artigo, o desordenamento do trabalho criado pela pandemia foi uma experiência de aprendizado. Muitas das pessoas afortunadas o bastante para poderem trabalhar de casa perceberam o quanto detestavam ir de casa ao trabalho a cada dia; algumas das pessoas que trabalhavam no setor de lazer e hospitalidade perceberam, em seus meses de inatividade forçada, o quanto odiavam seus velhos empregos.

E os trabalhadores parecem dispostos a pagar um preço para evitar voltar ao que as coisas eram. Isso, aliás, pode se provar especialmente verdadeiro para os trabalhadores mais velhos, alguns dos quais optaram por sair da força de trabalho.

Na medida em que essa é a história por trás da recente “escassez de mão de obra”, o que estamos vendo é bom, e não um problema. Perversamente, a pandemia pode ter dado a muitos americanos a oportunidade de determinar o que realmente importa para eles —e o dinheiro que estavam sendo pagos para realizar trabalhos desagarráveis, alguns deles agora percebem, não era suficiente.

Tradução de Paulo Migliacci

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