Por Juliana Lima e Letícia Carvalho, TV Globo — Brasília


ONU constata que pandemia aumentou desigualdade e foi "perversa" com os mais vulneráveis

ONU constata que pandemia aumentou desigualdade e foi "perversa" com os mais vulneráveis

Relatório inédito divulgado nesta quarta-feira (29) pela Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que, embora a pandemia tenha atingido todos os países, as consequências devem ser piores para as nações com maior desigualdade social, como o Brasil.

O documento reconhece que o país acumula progressos nos índices de desenvolvimento humano, mas ressalva que a pandemia de Covid deve gerar retrocessos em conquistas sociais e econômicas históricas.

No estudo, pesquisadores selecionaram 94 indicadores com o objetivo de mostrar como estava o Brasil quando a pandemia chegou, no início de 2020. Os resultados apontam fragilidades estruturais e questões sensíveis para o enfrentamento da crise sanitária, econômica e social que atingiu o país nos meses seguintes.

O relatório foi elaborado por especialistas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).

De acordo com o documento, a pandemia desencadeia uma crise com impactos em todas as dimensões do desenvolvimento humano:

No Brasil, diz o relatório, os grupos em situação de vulnerabilidade são os mais afetados, tornando ainda mais evidentes as diferenças de acesso à proteção social, educação, emprego, renda e moradia.

“Os países serão afetados, mas não da mesma forma; e, para o Brasil (seus 26 estados e o Distrito Federal), a desigualdade desempenha nesse contexto um papel importante”, diz o texto.

Para exemplificar como a pandemia afetou de forma desigual a população brasileira, o documento cita dados divulgados em fevereiro pelo Núcleo de Saúde Pública da UFRJ. De acordo com esse levantamento, a letalidade entre pacientes internados com casos confirmados de Covid foi de 56% entre brancos e de 79% entre não brancos.

Ao classificar os óbitos pelo nível de escolaridade das vítimas, os números mostraram:

  • 71% de óbitos entre os sem escolaridade;
  • 59% entre os que cursaram até o 5º ano (ensino fundamental 1);
  • 48% entre os que cursaram até o 9º ano (ensino fundamental 2);
  • 35% entre os que cursaram até o ensino médio;
  • 22% para os pacientes que tinham nível superior.

Segundo material divulgado pelo site das Nações Unidas, a alta comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, afirmou nesta terça-feira (28) que a crise relacionada à pandemia perpetuou desigualdades "verdadeiramente chocantes" e expôs grupos vulneráveis ao que ela classificou como um "choque médico, econômico e social".

ONU: pandemia agravou desigualdade na América Latina

ONU: pandemia agravou desigualdade na América Latina

LEIA TAMBÉM

Preparo para enfrentar a pandemia

O relatório constata que, embora seja considerado um país de alto Índice de Desenvolvimento Humano (0,778), o Brasil ainda não conseguiu sanar necessidades básicas da população – o que resulta na existência simultânea de vários “Brasis”.

"Notadamente, apesar dos ganhos substanciais em saúde, educação e no padrão de vida da população registrados nas últimas décadas, ainda há um conjunto de necessidades básicas diferentemente atendidas no Brasil e nos seus estados; e, paralelamente, uma nova geração de desigualdades se abre, alargando a lacuna entre aqueles que têm e aqueles que não têm".

Antes da pandemia, o Brasil já tinha 6,5% de sua população – ou seja, 13,5 milhões de brasileiros – vivendo abaixo da linha de extrema pobreza. Em alguns estados, como Alagoas e Maranhão, o percentual de brasileiros com renda mensal per capita inferior a R$ 145 (ou US$ 1,90 por dia, como adota o Banco Mundial), era superior a 15%.

Antes do primeiro caso confirmado de coronavírus em terras brasileiras, mais de 40% dos trabalhadores já estavam na informalidade. A taxa variava de 31,8% no Distrito Federal a 67,5% no Pará.

Também naquele momento, 35,7% da população brasileira vivia em domicílios sem esgoto ou rede coletora – o percentual chegava a 90,6% em Rondônia.

Enquanto a taxa média de abandono escolar no ensino médio no Brasil era de 6,1%, Pernambuco registrava evasão de 1,2%, e o Pará, 12,8%.

Indicadores de saúde

A pandemia se deparou com um país onde 75,9% da população dependia do sistema público de saúde. No Acre, por exemplo, apenas 5,6% dos moradores do estado tinham plano privado. Já em São Paulo, esse percentual era de 40,7%.

À fragilidade no acesso aos planos de saúde, soma-se a baixa disponibilidade de leitos no Sistema Único de Saúde (SUS).

Antes da pandemia, o índice de leitos complementares (UTIs e unidades intermediárias) não passava de 1,5 para cada 10 mil habitantes. Segundo recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, a relação ideal é de 1 a 3 leitos para cada 10 mil habitantes.

A taxa de respiradores disponíveis para os brasileiros também era baixa, de apenas 3,1 equipamentos para cada 10 mil habitantes. O dispositivo – muito demandado durante os picos da pandemia – era escasso no sistema de saúde, e seis estados tinham menos de dois equipamentos para cada 10 mil moradores: Acre, Alagoas, Amapá, Maranhão, Pará e Piauí.

Os pesquisadores afirmam, no relatório divulgado nesta quarta, que essa desigualdade afeta, por um lado, a capacidade de responder à Covid e a seus impactos diretos na saúde. Por outro, o cenário coloca em risco a continuidade de outros serviços essenciais de saúde, como a vacinação de crianças, o acompanhamento pré-natal e o atendimento pós-parto.

Educação

Com a suspensão das aulas presenciais por causa da pandemia, as redes de ensino tiveram que buscar alternativas de educação remota em um cenário adverso. No Brasil, apenas 37,2% das escolas públicas tinham internet disponível para ensino e aprendizagem na educação fundamental.

No Maranhão, o índice era ainda mais dramático: só 6,3% das escolas tinham recursos virtuais. Pará (6,9%) e Acre (8,9%) também amargavam níveis abaixo dos 10%.

Educação a distância: pandemia deixa evidente desigualdade de acesso à internet no Brasil

Educação a distância: pandemia deixa evidente desigualdade de acesso à internet no Brasil

A disparidade fica ainda mais explícita quando esses dados são comparados aos das redes particulares de educação. Quando a pandemia chegou, 93,1% dos colégios privados tinham internet como ferramenta auxiliar para o ensino fundamental.

A desigualdade regional, no entanto, também marca a educação privada. Paraíba, Alagoas e Pernambuco registravam 32,9%, 44,9% e 45% de colégios particulares com internet disponível, respectivamente.

Ensino remoto provocou desigualdade no ensino brasileiro

Ensino remoto provocou desigualdade no ensino brasileiro

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!