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Jeitinho brasileiro atrasa mudanças em empresas familiares, diz advogado

Governança é o principal nó na estruturação do ESG nessas companhias, avalia

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Débora Yuri
São Paulo

Se quiserem ter longevidade, negócios comandados por famílias precisam adotar hoje uma nova postura, baseada em aceleração da transformação digital, priorização de metas sustentáveis e governança profissional. A avaliação está no estudo Family Business Survey 2021, da PwC, que entrevistou 2.801 executivos em 87 mercados.

Questões ligadas à sustentabilidade recebem menos atenção de corporações familiares globais e nacionais, de acordo com o relatório.

Das 282 empresas pesquisadas no Brasil, menos da metade (47%) acredita ser responsável por combater as mudanças climáticas e apenas 39% desenvolveram uma estratégia de sustentabilidade.

Para o advogado Jonathan Mazon, 45, especialista em governança corporativa que há duas décadas atua com organizações familiares, o fator cultural é um dos grandes entraves quando elas tentam implementar uma agenda ESG.

O “jeitinho brasileiro” atrasa mudanças empresariais, diz. Ele aponta, porém, o G de governança como a letra mais problemática da sigla no cenário local.

Homem de blusa social posando para foto
Jonathan Mazon, 45, é sócio do Junqueira Ie Advogados na área de governança corporativa, formado em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas e em direito pela Universidade de São Paulo. Também é especialista em gestão de riscos pela Harvard Business School. Há mais de 20 anos atua com empresas familiares - Karime Xavier/Folhapress

Quais são as maiores dificuldades que uma empresa familiar brasileira enfrenta para adotar práticas de ESG? A primeira dificuldade é conhecer, entender verdadeiramente o que é ESG, que muitas empresas ainda confundem com responsabilidade social.

Filantropia corporativa é a empresa pegando os recursos que tem e direcionando a outro lugar; ESG é direcionar os recursos para dentro da empresa, para que seus negócios cresçam com base em pilares de ESG. Existe um conceito errado.

Além disso, muita gente acredita que ESG é mais um blablablá, como uma vez aconteceu com a sustentabilidade. Batizavam qualquer coisa de sustentabilidade, como hoje batizam de ESG. Colocam uma roupagem, mas continuam fazendo as mesmas coisas. Outro obstáculo é entender por que essas práticas são boas.

É um problema ligado a priorizar recursos? O que mais existe no Brasil é empresa familiar, de todos os tamanhos. Se a gente estiver falando das pequenas, a disponibilidade de recursos que elas têm para implantar programas e fazer relatórios formais para o mercado sobre ESG é muito menor, por uma questão de foco. A escala é menor, e a empresa tem que fazer aquilo que é crítico para ela.

Mas o problema não é falta de recurso. Dá para fazer muita coisa gastando apenas tempo. Criar uma política, treinar uma pessoa e fazê-la cumprir essa política custam só tempo, não é um investimento financeiro. É possível também para negócios menores.

Mudar a mentalidade é difícil em negócios familiares? Não sei se o problema é a mentalidade. Talvez seja cultural. No ambiental, é você pensar seu uso da água, sua gestão de resíduos, o quanto se imprime; no social, treinar e qualificar sua mão de obra, pensar em igualdade salarial entre os gêneros, buscar uma força de trabalho diversa; na governança, é não contratar prestadores de serviços que compactuem com corrupção, criar uma política de proteção de dados. Se isso consome recurso, é muito singelo.

A questão é cultural. Eu diria que a dificuldade é, primeiro, de conhecimento. Depois vem a barreira cultural para adotar iniciativas ESG.

Então o Brasil amplifica essas barreiras? O fator cultural é muito forte aqui. No exterior, as empresas estão mais institucionalizadas: sabem que têm de cumprir a lei, estão em um país com leis ambientais mais estritas ou com normas que são levadas mais a sério.

Também existem culturas que são mais igualitárias, como a escandinava. Então, para eles, é mais fácil: isso já está no alicerce do negócio, ele é fundado, criado, construído com base nesses pilares. O que falta também é criar padrões e indicadores globais de ESG, para que os resultados possam ser auditados e as empresas, comparadas. Para todo o mundo falar uma linguagem comum.

O que empresas familiares bem-sucedidas em iniciativas ESG estão fazendo hoje? Quais estratégias elas adotaram? As empresas familiares brasileiras que encaram com seriedade sua agenda ESG estão constantemente olhando para os riscos dos seus negócios associados a esses aspectos. Elas buscam implantar hoje práticas que acelerem a mitigação desses riscos.

Dois exemplos relacionados à governança são medidas de combate à corrupção e de implantação da LGPD —iniciativas voltadas à privacidade e à gestão de dados. Um negócio não precisa ser grande ou ter ações negociadas em Bolsa para adotar e fazer cumprir uma política anticorrupção entre seus sócios, colaboradores e prestadores de serviços.

Alguma das letras da sigla impõe um desafio maior a essas empresas? No Brasil, o combate à corrupção é um tema ainda pouco falado. Não querer fazer do “jeitinho” é algo que se choca muito com a cultura brasileira mais antiga. Vejo meus filhos, eles me cobram para fazer o certo nas menores coisas: quando o farol está amarelo, indo para o vermelho, é para parar. Eles aprenderam na pré-escola a fechar a torneira e apagar a luz; eu não aprendi.

Aqui os empresários dizem: “Eu tenho que fazer assim porque estou com pressa”, “Vou pagar o despachante porque ele vai obter algum atalho”.

O G de governança pesa mais no Brasil. Ambiental e social são bandeiras que já estão mais altas na visão das pessoas, enquanto a governança fica um pouco esquecida porque pensam que é coisa de advogado. Mas não é. Uma prova é quando vemos nossos dados sendo expostos por empresas que não cuidam deles.

É mais difícil mudar uma organização familiar? Não diria isso. Uma empresa familiar pode ter todos pensando de forma muito aberta. Talvez seja mais difícil numa companhia grande, que tem 2.000 funcionários e faz negócios daquele jeito há 40 anos. Depende mesmo é do comando, se os líderes são ou não resistentes a mudanças. A empresa familiar de pequeno ou médio porte tem uma vantagem nesse aspecto, por ser menor e mais ágil, em geral.

Novas gerações entrando no cenário corporativo aceleram as mudanças? Com certeza. É fato que as mudanças nesse campo têm se acelerado, em especial pelo impulso dado pelas gerações mais recentes, que estão começando a ganhar expressão dentro das empresas e nas economias dos países.

Estar atento ao mercado que essas gerações representam é essencial para a sobrevivência e o crescimento dos negócios. A reputação que eles conquistam perante a sociedade é como uma licença tácita para operar e, da mesma forma como ela é dada a um negócio que respeita os valores dessa sociedade, ela pode ser suspensa ou retirada de um negócio que tiver essa reputação perante seu público abalada de maneira grave.

Isso vai além de simplesmente analisar juridicamente e cumprir o que diz a lei, pois envolve também estar em sintonia com os valores atuais da sociedade, bem como desenhar políticas e implantar práticas condizentes com esses valores.

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