Pandemia desafia indústria brasileira na retomada da economia

Reformas estruturais são necessárias, ambiente de negócios precisa melhorar e a inovação alavancaria o crescimento

Retomada do crescimento na indústria depende da inovação em produtos e processos. Foto: José Paulo Lacerda

Depois de um ano difícil em 2019, a economia brasileira, especialmente a indústria, apresentava sinais de recuperação em janeiro de 2020. Porém, a crise de saúde provocada pelo coronavírus tomou o mundo e chegou ao Brasil.

Um cenário dominado por incertezas, nada atraente para investidores, se instalou. Tanto os governos quanto o setor privado tiveram que enfrentar desafios de proporções inéditas para evitar recessão e retomar o crescimento da economia.

De acordo com o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, a retomada da economia após a pandemia da Covid-19 será difícil e depende de iniciativas como acesso ao crédito, renegociação de dívidas, incentivo à inovação e adoção de reformas estruturais.

“São muitas as tarefas a serem enfrentadas pelo setor público, pelas empresas e por toda a sociedade, para que seja possível mitigar ou mesmo superar os danos causados pela pandemia da Covid-19”, sinaliza.

A CNI listou no documento Propostas para a retomada do crescimento econômico 19 ações que, se adotadas, farão o setor produtivo voltar a se desenvolver e gerar empregos.

“As medidas emergenciais adotadas pelo governo e o Congresso Nacional foram essenciais para a retomada da economia. No entanto, empresas, famílias e governos estão saindo da crise bastante fragilizados, de modo que a transição para o crescimento sustentado se apresenta como mais um desafio. As ações propostas representam uma cartilha de forma estruturada e objetiva para o Brasil acelerar o desenvolvimento econômico e social, gerar emprego e renda”, comentou o presidente da CNI em evento organizado em parceria com o Poder360 em setembro.

Dentre as reformas estruturais necessárias para o avanço da economia, Robson Braga de Andrade destaca a reforma tributária. Aliada a burocracia excessiva e gargalos de logística, a tributação alta e complexa a que as empresas brasileiras são submetidas coloca o mercado nacional em um jogo de desvantagem na comparação com países desenvolvidos. É o chamado Custo Brasil.

A redução do Custo Brasil sempre foi uma das principais bandeiras da CNI. Para o presidente da instituição, o tema é crucial para o crescimento e desenvolvimento econômico do país, uma vez que a redução deste custo impulsionaria a retomada da atividade econômica, do emprego e da renda.

Para quantificar a influência do Custo Brasil no campo da competitividade global, o Ministério da Economia encomendou um estudo ao Movimento Brasil Competitivo e associações do setor produtivo. A pesquisa, inédita, comparou o Brasil com membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e estimou que a desvantagem é de R$ 1,5 trilhão, que corresponde ao que é pago a mais pelas empresas brasileiras para realizarem negócios. Esse valor representa 22% do PIB, que é a soma de todas as riquezas produzidas no país.

Atrair investidores

Além de transpor as barreiras tributárias, atrair investimentos é outro desafio que especialistas consideram importante para o crescimento da economia brasileira. A economista Zeina Latif destaca que definir uma agenda de ações e firmar compromisso com o setor fiscal é essencial para reduzir incertezas.

“O governo tem que deixar clara a agenda, mostrar que tem capacidade de tocar, mostrar a capacidade de avançar. Isso é pedra fundamental para a gente ter um ambiente macroeconômico mais previsível e que permita investimento, aumento de contratações”, analisa.

Para Robson Braga de Andrade, o crescimento econômico e o desenvolvimento social no Brasil dependem da garantia de um ambiente favorável aos negócios, que ofereça segurança jurídica, melhore as expectativas e estimule o investimento. “A atração dos investimentos em infraestrutura está diretamente relacionada à segurança jurídica e respeito aos contratos. É preciso criar condições mais favoráveis para a participação do setor privado e conciliar investimento público com a busca pelo equilíbrio fiscal”, avalia.

A segurança jurídica, aliás, precisa estar aliada a um sistema tributário menos burocrático, de acordo com o presidente da CNI. “Nós precisamos ter regras claras, segurança jurídica e um sistema tributário que seja compreensível, porque o sistema tributário hoje ninguém compreende. Precisamos trazer para os investidores um sistema simples que seja compreensível no mundo inteiro, porque já se trabalha dessa forma lá fora. Precisamos de segurança jurídica, não podemos dormir e acordar com legislações diferentes. O que vemos hoje no ativismo judiciário, é que juízes, o MP e outros níveis do judiciário tomam decisões que impactam no nível de investimento.”

Inovação

Outra solução importante elencada por especialistas para alavancar o crescimento da economia é a aposta em inovação, como forma de modernizar processos e produtos. “A automação, combinada com a digitalização na atividade industrial, aumentará a eficiência nas linhas de produção e reduzirá custos. Entretanto, para que o Brasil consiga se conectar com a quarta Revolução Industrial, também chamada de Indústria 4.0, o país terá que aumentar de forma expressiva os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias”, destaca o presidente da CNI.

No contexto global, a posição do Brasil no quesito inovação aumentou em 2020, na comparação com 2019. De acordo com os dados do Índice Global de Inovação (IGI), divulgados no início de setembro, o país passou da 66ª para a 62ª colocação no ranking que abrange 131 países.

Os 10 mais bem colocados são: Suíça, Suécia, Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Finlândia, Singapura, Alemanha e Coreia do Sul. Pela 1ª vez, dois países asiáticos aparecem no top 10, com a melhora dos sul-coreanos, que passaram da 11ª para a 10ª posição.

Porém, apesar de ganhar posições em relação ao ano passado, para a CNI, a melhora do Brasil ainda não é motivo para comemoração, uma vez que a 62ª posição é incompatível com o fato de o país ser a 9ª maior economia do mundo. De acordo com o IGI, o país subiu no ranking em razão da queda de outros países, pois a pontuação do Brasil caiu quando comparado com ele mesmo em relação ao ano passado.

“O Brasil continua numa posição abaixo de seu potencial. Precisamos melhorar o financiamento à inovação, fortalecer parcerias entre governo, setor produtivo e academia, estruturar políticas de longo prazo e priorizar a formação de profissionais qualificados”, afirma o presidente da CNI. Para ele, o Índice Global de Inovação é uma ferramenta imprescindível para comparar o Brasil com os países mais inovadores do mundo.

O papel da inovação é importante diante de um período de incertezas e de retração na economia provocadas pela pandemia. Foto: José Paulo Lacerda

Pandemia x inovação

A pandemia de Covid-19 está exercendo uma forte pressão sobre os avanços na inovação mundial. É o que aponta o relatório do IGI, divulgado em setembro. O novo coronavírus tende a ser um obstáculo para certas atividades inovadoras enquanto catalisa a inventividade em outros setores, notadamente na área da saúde.

Para a CNI, o papel da inovação se mostra cada vez mais imprescindível diante de um período de incertezas e de retração na economia provocadas pela pandemia. Se de um lado as empresas se veem com possibilidades escassas de investimentos, de outro precisam buscar alternativas para sobreviver e manter seus empregados. Daí a necessidade de ser criativo e apostar na inovação como um diferencial para sair mais forte da pandemia.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, avalia que além de oferecer produtos inovadores aos consumidores, retraídos em função da queda do emprego e do nível de renda, também é preciso inovar na forma de produção. Ele acredita que o governo precisa desonerar os impostos embutidos na compra de equipamentos industriais.

“Não faz nenhum sentido comprar uma máquina, pagar Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e não poder ser ressarcido desse IPI em 5 anos. Então, o governo precisa se conter um pouco mais na arrecadação para permitir o consumo. O governo é muito pesado e alguns impostos que ele acaba devolvendo é em um período muito largo de tempo, que desestimula maiores inovações dentro das empresas”, destaca.

Nesse sentido, segundo Barbato, a reforma tributária é algo fundamental para diminuir a desindustrialização que está acontecendo no Brasil. “O governo onera tanto a indústria, de uma forma tão grave que acaba se tornando mais interessante importar do que produzir localmente. Então, a reforma tributária, além de ser simplificadora, ela tem que fazer com que outros atores, que não a indústria, possam contribuir mais com a carga tributária”, explica.

Mais emprego

Alguns setores comemoraram o aumento de vagas de emprego no mês de agosto. O Brasil abriu 249.388 vagas de emprego com carteira assinada, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados em 30 de setembro pelo Ministério da Economia. É o 2º mês seguido de saldo positivo, depois dos mais de 131 mil postos de trabalho formais criados em julho. Porém, em 2020, o saldo ainda é negativo: nos 8 primeiros meses do ano, foram perdidos 849.387 empregos.

O presidente da Abinee, Humberto Barbato, atribui o aumento dos postos de trabalho às medidas que foram tomadas pelo governo, como a MP 936 que, segundo ele, flexibilizou a relação de trabalho e possibilitou que não houvesse um nível maior de desemprego. Além disso, Barbato informa que o setor eletroeletrônico festejou, no mês de agosto, o fato de ter recuperado todos os postos de emprego perdidos entre março e abril.

“Já voltamos os níveis de emprego que tínhamos antes da pandemia. Atribuo isso, por exemplo, àquelas fábricas que tiveram que reduzir turnos de trabalho. Com a reposição dos estoques do varejo, elas estão sendo demandadas e estão repondo trabalhadores. Aquelas que trabalhavam com três turnos de trabalho e passaram a ter dois turnos, não tiveram a opção de apenas fazer redução de jornada. Elas tiveram que demitir. As que demitiram estão readmitindo e isso tem que feito que a gente recupere os empregos, voltando aos níveis pré-pandemia”, esclarece Barbato.

Confiança do empresário aumenta

Levando em consideração que quem trabalha, consome, o empresário brasileiro está otimista. O Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI) passou de 57,0 pontos em agosto para 61,6 pontos em setembro. “Estamos confiantes. Esse mês de setembro é maior do que foi setembro do ano passado. Esse índice de confiança dessa vez não está baseado na expectativa, porque o índice de confiança é baseado em duas coisas: expectativa e realidade. Neste mês de setembro, observamos que a confiança do empresário aumentou pelo número de encomendas que entrou nas fábricas e não pela expectativa de que as coisas iriam mudar”, analisa o presidente da Abinee.

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