ZF espera por volume para nacionalizar sistemas automatizados de direção

Empresa prevê que 25% dos veículos produzidos no Brasil terão algum nível de automação até 2025

Por PEDRO KUTNEY, AB
  • 09/08/2021 - 13:25
  • | Atualizado há 2 anos, 8 meses
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    Os sistemas avançados de assistência ao motorista (ADAS, na sigla em inglês), que entre outras funções incluem frenagem automática de emergência (AEB), piloto automático adaptativo(ACC) e assistente eletrônico de permanência em faixa (LKA), já ganharam volumes robustos de produção e em alguns casos são obrigatórios em países da Europa, América do Norte e Japão. Essas tecnologias também vêm ganhando corpo em veículos produzidos no Brasil, por enquanto nas versões mais caras, topo de linha. A ZF espera que essa inclusão tecnológica desça para opções mais baratas, por isso prevê aumento expressivo da demanda por ADAS no País nos próximos cinco anos e a nacionalização de alguns deles na fábrica de Limeira (SP) – uma herança da TRW, comprada pela ZF em 2015.

    De acordo com projeções feitas pelo departamento de inteligência de mercado da empresa, a estimativa é que até 2025 cerca de 25% dos carros fabricados no País vão incorporar algum tipo de automação da direção e assistência eletrônica ao motorista. Gustavo Ducatti, head de engenharia e das unidades de negócios de segurança passiva e eletrônicos da ZF América do Sul, lembra que globalmente a empresa já tem um portfólio completo de ADAS, incluindo a produção própria de todos os agregados necessários como sensores (radares e câmeras), centrais de processamento de dados e atuadores eletromecânicos, e poderá produzir no Brasil boa parte deles assim que a demanda aumentar.

    “O desafio para localizar no Brasil a produção dos sistemas avançados de assistência à direção, os ADAS, é mover dos modelos topo de linha para baixo a incorporação dessas tecnologias em carros mais baratos, para aumentar a escala e justificar o investimento”, diz Gustavo Ducatti.



    Já existem exemplos práticos dessa dinâmica na fábrica da ZF em Limeira, que há pouco mais de um ano inaugurou a mais moderna linha de produção de colunas de direção elétrica (EPS) do grupo no mundo, com elevado nível de automação. O rápido crescimento da adoção da EPS no Brasil justificou o investimento.


    Linha de produção de colunas de direção elétrica da ZF em Limeira: a mais moderna e automatizada do grupo no mundo

    De acordo com levantamento da ZF, atualmente 73% dos veículos produzidos no País saem de fábrica direção elétrica, contra apenas 11% há 10 anos, e a estimativa é que a partir de 2024 essa proporção vai chegar a 90% no mercado nacional. Para além do potencial do mercado interno, a planta brasileira tornou-se um polo global de fornecimento da coluna de direção elétrica integrada com módulo de controle e já exporta o equipamento para a América do Norte.

    “Com a nova EPS produzida em Limeira nacionalizamos um componente que integra os sistemas de direção autônoma”, explica Ducatti. Por exemplo, o assistente eletrônico de permanência na faixa de rodagem, ou de desvio de obstáculos e pedestres, aciona o atuador eletromecânico elétrica para corrigir o rumo ou mudar a direção do veículo automaticamente.

    LEGISLAÇÃO, INCENTIVOS E CÂMBIO ESTIMULAM ADOÇÃO DE ADAS NO BRASIL



    Graças à evolução da legislação brasileira que torna obrigatória a adoção de vários sistemas de segurança veicular ativa no horizonte dos próximos cinco anos – incluindo controle de estabilidade (ESC), frenagem automática (AEB) e alerta de permanência em faixa (LDW), assim como já aconteceu em anos recentes com airbags frontais e freios ABS –, estima-se que diversas tecnologias de auxílio à condução terão adesão gradual e crescente por boa parte dos veículos novos produzidos no País.

    Um exemplo é a AEB (sigla em inglês para frenagem automática de emergência, acionada quando é detectado um obstáculo ou pedestre à frente do carro), que pode tornar-se obrigatório a partir de 2025. Hoje presente em cerca de 5% dos carros novos no Brasil, quase que exclusivamente nos modelos topo de gama, a AEB deverá avançar para aproximadamente 26% da frota até 2025, segundo calcula a ZF.

    Há outros estímulos para além da legislação em si, como o Rota 2030, programa criado em 2017 pelo governo federal para balizar o desenvolvimento da indústria automotiva no País, que oferece descontos tributários a fabricantes de veículos que adotarem sistemas ativos de segurança.

    Os testes do Latin NCAP não garantem incentivos fiscais, mas são mais um ponto de pressão, pois levam em consideração a incorporação de ADAS como AEB e assistência de direção para avaliar a segurança dos carros com notas de zero a cinco estrelas. “O consumidor brasileiro hoje tem maior percepção sobre os sistemas de segurança e conforto, alguns querem esses equipamentos nos carros e as montadoras já usam isso como apelo de vendas”, aponta Ducatti.

    O executivo também reconhece que a pressão cambial estimula a maior nacionalização da produção de vário sistemas automotivos. “A localização é uma das nossas prioridades, para evitar o impacto do câmbio que encarece muito as importações, mas claro que isso depende de volume, da demanda do mercado”, lembra o engenheiro.

    Ducatti afirma que a fábrica de Limeira tem condições de nacionalizar a produção de diversas partes que integram os ADAS, como sensores, módulos e atuadores, assim que os fabricantes de veículos no País demandarem volumes maiores desses sistemas. Ele cita o exemplo da nova geração da central eletrônica de controle de airbags da ZF, lançada há cerca de um ano na Europa, e que entram em produção no Brasil ainda neste semestre.

    Também está na lista de novas tecnologias a serem produzidas pela ZF no Brasil, segundo o executivo, uma nova geração de atuadores elétricos de freios, que também podem integrar sistemas autônomos de assistência à condução como a AEB. “Estamos sempre negociando com os clientes (montadoras) oportunidades de popularizar novas tecnologias no País”, diz Ducatti.


    Gustavo Ducatti e a planta da ZF em Limeira: oportunidades de nacionalizar novos sistemas eletrônicos de assistência à condução

    ELETRÔNICOS IMPORTADOS SÃO GARGALOS



    O que continua fora do horizonte possível de nacionalização são os componentes eletrônicos necessários à produção de todos os novos sistemas inteligentes de condução, que não têm produção no Brasil e são importados principalmente da Ásia. Ducatti reconhece que esse é um gargalo que ficou bem mais apertado nos últimos meses com a falta generalizada de semicondutores no mercado global, provocada pelo desequilíbrio da cadeia global de suprimentos causada pela pandemia de coronavírus desde o ano passado, problema que vem paralisando fábricas de veículos e componentes pelo mundo todo, inclusive no Brasil.

    “O problema é que quando a indústria automotiva retomou a produção os fabricantes de semicondutores já tinham desviado o fornecimento para outros compradores que competem nesse mercado e aumentaram o consumo no período da pandemia, como plantas de smartphones e computadores. Agora esses fornecedores de eletrônicos não têm produção suficiente para atender os pedidos e precisam de 40 a 45 semanas (cerca de um ano) para normalizar as entregas”, conta Ducatti.

    O engenheiro aponta ainda que, além do desiquilíbrio da cadeia de suprimentos, também houve problemas adicionais que agravaram a situação, a começar pelo incêndio em março passado na fábrica no Japão de um dos maiores fornecedores globais de chips eletrônicos, a Renesas Electronics. Um pouco antes, em fevereiro, a Samsung precisou fechar sua planta de chips no Texas, Estados Unidos. Agora o problema é na Malásia, onde fábricas foram fechadas para conter o alastramento de uma nova onda de Covid-19. “Tudo isso afeta o fornecimento”, pontua Ducatti.

    Segundo o executivo, com a escassez de semicondutores para produzir seus sistemas eletrônicos, a ZF tem feito alocações de fornecimentos globais de acordo com os pedidos das fabricantes de veículos. “Tenho feito duas reuniões por semana para entender quantos componentes vamos precisar, conforme nos pedem as montadoras. Como o Brasil representa apenas 3% dos pedidos globais de semicondutores da companhia, até agora tivemos problemas menores do que outros lugares que consomem mais”, explica.

    De forma geral, nessa situação de escassez as montadoras preferem direcionar os eletrônicos que conseguem comprar para as fábricas que produzem veículos de maior valor agregado. “Se um chip com o mesmo preço for usado em um carro de US$ 10 mil e outro de US$ 30 mil, se não há componentes em quantidade suficiente para ambos, o fornecimento será direcionado preferencialmente para o produto mais caro (e rentável)”, confirma Ducatti.