“Brasil tem uma estrutura automotiva ociosa”, diz diretor comercial da Great Wall

Executivo da montadora concedeu entrevista ao podcast Radar, que estreia hoje no AB Cast

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Bruno de Oliveira
  • 15/02/2022 - 15:28
  • 4 minutos de leitura

    A Great Wall começa uma operação do zero no país, tanto em termos comerciais quanto em termos produtivos. Para o diretor comercial Oswaldo Ramos, entrevistado pela reportagem em fevereiro para o podcast Radar, que estreia nesta terça-feira, 15, uma oferta de veículos eletrificados no Brasil e na América Latina demanda medidas que a montadora não tomou em outras regiões onde atua. “Participar deste novo modelo de negócio é um sonho porque eu vejo evoluir uma indústria que estava há muito tempo parada”, disse o executivo na entrevista que segue abaixo, na íntegra.


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    AB - Quais os desafios enfrentados por quem deseja produzir veículos elétricos no Brasil?

    Oswaldo Ramos - Se você fizer uma pesquisa de mercado tradicional perguntando o que o consumidor de carro elétrico quer, ele não vai saber o que responder, ele não conhece as tecnologias novas. Tudo que é novo, disruptivo, tem que passar pelas necessidades do consumidor. Item de segurança era algo que não constava nas pesquisas anos atrás. Hoje é algo considerado imprescindível, uma vez que começou a se popularizar no mercado.

    AB - Quais são as frentes em que a montadora vai trabalhar para divulgar o carro elétrico?

    OR - O veículo híbrido representa transição em tudo. Todo um ecossistema precisa evoluir junto com a empresa que se propõe a produzir este tipo de veículo. O híbrido é uma ponte para a eletrificação. O que podemos dizer na parte de fornecedores? Sim, há esta evolução porque já representa um início da eletrificação, e esta parte não é só bateria, existe também uma evolução de software importante. E, por isso, é preciso desenvolver toda uma cadeia de fornecedores. No caso das baterias ainda precisamos ter escala. A grande mudança na cadeia de fornecedores é que deixa de ser algo focado em porca e parafuso para algo mais voltado aos sistemas.

    AB - A Great Wall é uma montadora ou uma empresa de software?

    OR - A empresa se define como uma autotech onde nosso principal foco de investimento está no desenvolvimento de software. Temos, claro, o background de uma montadora tradicional de veículos, isso já está mais do que consolidado dentro do grupo. Agora precisamos desenvolver essa parte de software que também conta com a experiência de empresas subsidiárias.

    AB - Qual a diferença de participar da operação de uma montadora tradicional para uma que tem em sua base esse desenvolvimento tecnológico?

    OR - Para mim representa um sonho porque eu vejo evoluir uma indústria que estava há muito tempo parada. Agora temos a oportunidade de desenhar do zero uma nova estrutura produtiva, o que é diferente de modificar um legado construído ao longo de muitos anos.

    AB - Por falar em legado, qual é a experiência que a GWM vai trazer de fora para o Brasil?

    OR - De um lado, a empresa quer se globalizar. Do outro, o Brasil é um mercado carente do que está acontecendo lá fora. Dito isso, nossa aposta no país vai muito além da compra da fábrica de Iracemápolis, é muito mais do que os US$ 10 bilhões anunciados. O Brasil para nós passa a ser um hub dessa nova GWM para o mundo. O modelo de negócio para a região está sendo também desenhado do zero. Tem sim o legado das picapes, dos SUVs, mas estamos sempre olhando para a frente.

    AB - Do ponto de vista da manufatura, o que há de novo no modelo da GWM Brasil?

    OR - A parte tradicional de carroceria etc, isso vem evoluindo e não é novidade. Agora, a parte de software, sim, é algo novo. Por causa disso deveremos ter na linha sistemas inteligentes de produção que demandam os veículos eletrificados. Esses sistemas envolvem não apenas a construção do veículo ali na fábrica, mas a integração com fornecedores e equipes de software no mundo.

    AB - A fábrica será integrante de um condomínio industrial?

    OR - Ainda não. Existe uma sequência de investimentos sendo feitos, ainda não teremos, por exemplo, toda a base de fornecedores aqui no Brasil. Dentro do ciclo, depois dessa etapa de três anos, sim poderemos trazer mais empresas fornecedoras para a região. Aliás, Iracemápolis foi escolhida porque está próxima de uma base de fornecedores importantes, empresas que atendem outras empresas asiáticas que mantêm produção na região. E são fornecedores que podem desenvolver a tecnologia que nós vamos aplicar aqui no Brasil.

    AB - Qual é o quadro que a empresa encontra no Brasil hoje em termos de fornecimento de componentes?

    OR - O Brasil tem uma infraestrutura automotiva gigante, não é apenas um mercado consumidor, existe excelência em fornecimento, em rede de concessionárias, em sistema financeiro também. E estamos vendo um desinvestimento no mercado brasileiro, afora uma ociosidade dessa estrutura. Estamos construindo uma rede de colaboração com todas essas partes justamente porque há na região um desinvestimento, e percebo que estão todos sedentos por negócios envolvendo novas tecnologias. O país não é uma terra de ninguém, pelo contrário, a razão pela qual a GWM investiu aqui é justamente a ociosidade de toda essa estrutura. 

    
             Plataforma elétrica modular é uma das grandes apostas da GWM na região

    AB - Por que houve tanto desinvestimento na região?

    OR - Não é fácil fechar a conta aqui no Brasil e mais difícil do que fechar a conta no curto prazo e ter condições de se fazer projeção, ter estabilidade. Se tivermos uma estrutura mais enxuta em termos de burocracia, consequentemente haverá mais investimento estrangeiro aqui. Se você chegar no Brasil sem um avalista por trás fica realmente muito difícil de operar.

    AB - A conta fecha na América Latina?

    OR - É o sétimo maior mercado do mundo, a conta tem que fechar. Isso é possível trazendo um produto adequado à realidade do consumidor, mas não significa necessariamente depenar o carro, ou seja, retirar de um modelo global itens tecnológicos importantes. Isso já aconteceu no passado no mercado e, na minha opinião, é uma leitura errada. Ajustar o custo não significa depenar o carro. No nosso caso, a gente lida com a nossa oferta com pessoas extremamente bem-sucedidas e informadas. Então, não adianta trazer um carro sem muitos recursos só para poder ajustar os custos, isso é um tiro no pé, gera frustração ao cliente.

    AB - Qual é o perfil do consumidor de veículos GWM?

    OR - O brasileiro é muito aberto às novas marcas desde que elas entreguem estas novidades. Percebemos em pesquisas que ele muda de marca se aquela onde ele é consumidor cativo não entregar. O nosso consumidor busca novidade, conectividade, um carro inteligente e entende que o mercado vai evoluir para a eletrificação.

    AB - A empresa também desenhou do zero um novo modelo de venda de veículos para o país?

    OR - Não temos como trabalhar da forma tradicional com estes novos produtos. Vamos utilizar uma rede formada por mega distribuidores, que são empresas parceiras com forte atuação em mercados que consideramos chave aqui na região. O modelo chega com novidades como a assinatura, que é um produto que não decola nos modelos tradicionais de concessionárias. É algo que as montadoras estão deixando escapar para as locadoras.