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Lia Assumpção

Sobre plásticos e reciclagem

27/09/2020 04h00

Sempre que ouço que algo é reciclável penso que provavelmente ele nunca virá a ser de fato reciclado. E isso é baseado num monte de números que vira e mexe aparecem na minha frente como: somente 9% dos plásticos já produzidos no mundo foram efetivamente reciclados; o Brasil é o maior produtor de lixo do mundo; ou pra citar um exemplo da maior cidade do Brasil, apenas 7% do lixo coletado seletivamente em São Paulo é reciclado.

Então quando alguém enche a boca pra me dizer que algo é feito com material reciclado ou reciclável, inicia-se na minha cabeça uma chuva de perguntas intermináveis tipo: e é você mesmo que vai reciclar? Ou vai pegar de volta as embalagens e mandar para alguém que recicle? Vai facilitar de alguma maneira esse retorno do material usado para a empresa que recicla? Ou é tipo, eu fiz a minha parte, as demais partes da cadeia farão as suas (oremos). Será que a pessoa não fica curiosa pra saber de fato quanto daquilo é reciclado efetivamente?

Às vezes eu tenho a oportunidade de fazer essas perguntas. Há uns cinco anos pude perguntar para uma das grandes produtoras de plástico do Brasil: há interesse em reciclar o material que é colocado por vocês no mercado? Será que isso já é feito e eu não sei? Se tem mesmo tanta gente preocupada com a reciclagem, não seria interessante que isso fosse incluído no processo produtivo de uma grande indústria? Será que se isso pudesse ser incluído de alguma maneira no processo produtivo de plástico, esses números do primeiro parágrafo seriam diferentes e eu não teria essa reação quando alguém me dissesse que está usando um material reciclável? E será que isso seria lucrativo?

Confesso que tenho uma tendência (um tanto preconceituosa, é verdade) a achar que grandes empresas visam somente o lucro e não estão nem aí se estão poluindo tudo. Portanto, me surpreendi quando o moço que eu conversava me disse que pensam sim em reciclagem, mas que naquele momento, a complexidade de implementá-la ainda era maior do que o interesse. E a complexidade passa por alguns dos pontos que listo alguns abaixo:

1) A logística para reunir todos os materiais e encaminhar para a reciclagem. Vai recolher no mercado? Será uma seleta coletiva na cidade? Nesse ponto, fica um empurra-empurra porque isso pode acontecer de muitas maneiras mas como não fica muito claro de quem é a responsabilidade (pois ela é compartilhada entre poder público, iniciativa privada e nós, consumidores), fica um pouco um jogando a culpa no outro.

2) A dificuldade de saber que tipo de plástico vai voltar para o ciclo produtivo. Existem muitos tipos de plástico e não é que você coloca todos eles numa panelona e eles voltam a virar plástico; não, cada um tem um processo de reciclagem diferente do outro. Como é difícil de mensurar quanto de garrafa de amaciante e quanto de embalagem de detergente volta para a fábrica, fica muito difícil saber o tipo de material que poderá ser produzido. E isso dentro do ciclo produtivo de uma grande indústria, em que você tem que produzir um número específico de embalagens de detergente com o plástico tal por mês, é bastante complicado.

3) A queda de qualidade do plástico depois de cada reciclagem e a perda de suas características originais, restringindo seu uso. Isso quer dizer que o plástico da embalagem do amaciante, depois de reciclada, pode ser que não sirva mais para amaciantes e tenha que virar lixeiras, por exemplo.

Isso tudo, no final das contas, faz com que seja mais barato produzir plástico a partir de uma matéria prima virgem do que de uma reciclada. Então, se por um lado tem gente pensando nisso dentro desta empresa — e imagino que em outras também —, por outro essa conclusão, de certa forma, corrobora com meu preconceito de uns parágrafos acima; afinal, custos e lucros são determinantes numa indústria.

Apesar dessa conclusão, eu saí muito animada com a possibilidade de ler uma manchete contando que essa empresa teria implementado logística reversa no seu processo produtivo. Porém, passados 5 anos sem que a manchete tenha acontecido, alguns pensamentos ficaram comigo e geraram novas perguntas.

O primeiro pensamento é, na verdade, uma lembrança: das filas para devolver vasilhames de vidro; ou das garrafas de leite (lindas!) entregues na porta das casas. Era no passado, mas tinha uma logística rolando, não? Levávamos os vasilhames (ou o moço do leite levava a garrafa vazia quando vinha trazer a cheia), a fábrica pegava, higienizava e bebíamos o refrigerante, a cerveja ou o leite tranquilos… Será que naquele tempo era assim tão complexo?

O segundo é um comparativo com o alumínio que é O caso de sucesso da reciclagem (com "o" maiúsculo mesmo). Ele é O caso de sucesso porque pode ser reciclado infinitamente sem perder qualidade. O símbolo do infinito, inclusive, faz parte do logo da ABAL (Associação Brasileira do Alumínio). No site, tem uma informação que eu desconhecia: daqui a 60 dias, a latinha do que quer que seja que você bebeu hoje e jogou no lixo reciclável, estará de volta à uma gôndola de mercado. Esse é o tempo aproximado do processo de reciclagem das latinhas. Eu sei que eles são materiais com características muito diferentes, mas ainda assim…

E como esse foi um texto com mais perguntas do que respostas, termino com mais uma: porque mesmo com essas experiências tão próximas (de logística reversa das garrafas de leite ou vasilhames de vidro e da reciclagem do alumínio), não temos ainda uma alternativa de reciclagem similar para o plástico?