Descrição de chapéu petrobras

Intervenção atabalhoada na empresa é prejuízo certo

A última coisa que o país precisa é um retrocesso de dez anos em um dos mais importantes setores da economia

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Evandro Buccini

Sócio e diretor de Renda Fixa e Multimercado da Rio Bravo Investimentos

Entre os economistas, há uma piada em relação ao câmbio: repetir para os colegas que ele está sempre 20% mais valorizado (caro) do que deveria.

O preço dos combustíveis, em especial gasolina e diesel, parece sofrer do mesmo problema para o governo atual —com a diferença que não é uma piada e não tem graça.

A troca do presidente da Petrobras e a distância do preço praticado para a paridade internacional (sempre em momentos como o atual, de elevação do preço internacional do petróleo) confirmam que havia uma ameaça pairando sobre a empresa.

Por causa dessa postura, está cada vez mais difícil para o governo, ao mesmo tempo, parecer “liberal” e agradar a alguns grupos de apoio.

Mais uma vez, a Petrobras aparece como o lado mais fraco da equação. A ameaça de alteração da política de preços da estatal ronda Brasília —em mais um lance que traz semelhanças do atual governo com outros do passado.

Vamos lembrar que o custo dessas medidas costuma ser alto. Na última vez em que o governo agiu sobre a Petrobras e manteve o preço dos combustíveis artificialmente baixo, gerou um prejuízo de R$71 bilhões para a Petrobras, de acordo com o Centro Brasileiro de Infraestrutura.

Nada é mais sagrado para quem acredita no mercado (entendido aqui de forma muito ampla, não em relação ao mercado financeiro) do que o preço. O preço é o sinal que orienta os investidores e empresas a tirar ou colocar dinheiro em novos projetos, que guia as pessoas a poupar mais ou consumir mais. O risco de distorção em um preço tão importante da economia como o dos combustíveis justifica tanta atenção.

Políticas públicas que mexam com algo tão relevante como esse setor devem ser desenhadas com calma e utilizando as ferramentas adequadas.

Se a apreensão do governo é com a inflação/taxa de juros, não há muito a fazer. A taxa de juros vai subir de qualquer jeito, e uma intervenção atabalhoada no setor deve levar a depreciação do câmbio e a mais pressão. Se a preocupação (justificada ou não) é com os caminhoneiros, o governo deveria considerar algo mais focalizado, que não causasse impactos em toda a economia.

E tem mais. De onde tirar recursos para esse programa com a situação atual das contas públicas? E se encontrasse, isso é realmente uma grande prioridade? Sobram duas alternativas inferiores. A primeira, mexer nos impostos. A segunda, sempre mais fácil, é “mudar” a Petrobras.

Do preço da gasolina para o consumidor final, 32% são tributos (principalmente ICMS), e do diesel, 25%. Com a situação das contas públicas, o governo reluta em reduzir impostos, mas já considera “suspender a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal)” para não compensar essa redução.

Há vários problemas nessa intenção. O código tributário brasileiro já é dos mais complexos do mundo, um novo remendo só vai piorá-lo. Ninguém ainda tratou dessa questão no âmbito da reforma tributária, mas o governo parece não priorizar essa reforma.

Ainda ter que defender o mérito da LRF em 2021 é inesperado, essa é a pior alternativa.

Outro aspecto de mudanças tributárias em combustíveis que não está preocupando em nada o governo é a tendência mundial, ancorada em extensa pesquisa acadêmica, de taxar emissões de carbono. A Petrobras acaba sendo o alvo mais fácil, ela tem muitos acionistas minoritários, e seu balanço “não é consolidado” com o governo.

Causar um prejuízo na empresa depois que o precedente anterior não teve penas, não teve culpados nem em esfera administrativa, na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), é um problema menor do que arranjar recursos no orçamento.

As consequências políticas imediatas são quase nulas. Mas o impacto verdadeiro é enorme —e a ação cair alguns pontos percentuais não começam nem a descrevê-lo.

O Brasil já tem problemas muito desafiadores na economia. Alta dívida pública, déficit primário sem perspectivas de retorno ao superávit e um problema crônico de crescimento. A última coisa que o país precisa é um retrocesso de dez anos em um dos mais importantes setores da economia e em uma das maiores empresas do país.

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