Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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Descrição de chapéu mercado de trabalho internet

Pós-pandemia deveria ser marcado por proteção ambiental e combate a desigualdade

Superação da crise decorrente da pandemia exige transformar base produtiva atual

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O futuro do trabalho pós-pandemia vem preocupando muitas organizações e especialistas, que prospectam diferentes alternativas para o que vem pela frente no mundo do trabalho.

Mas, talvez em razão da herança trágica da pandemia no Brasil, o enfrentamento das desigualdades e o cuidado com o ambiente já aparecem juntos, conectados, em diversas projeções sobre trabalho nos próximos anos.

A criação de novos postos de trabalho em setores econômicos não poluentes que favorecem a preservação do ambiente vem sendo frequentemente considerada, o que não deixa de ser um paradoxo no caso brasileiro, pois trabalho e devastação de riquezas marcam profundamente a história do país.

Termo pejorativo por muitos anos durante a colonização, "brasileiro" remete à ocupação de tirador do pau-brasil, daí a utilização do sufixo "eiro" normalmente para profissões, tal como pedreiro, marceneiro etc. Só que "brasileiro" era ocupação em geral desempenhada por criminosos, mandados ao Brasil pela Coroa Portuguesa, consolidando, desde aquela época, um modelo de desenvolvimento baseado na ideia de exploração e extração de riquezas, e não na formação de uma sociedade, como nos aponta Daniel Teixeira em artigo publicado pelo UOL.

No entanto, hoje, a superação da crise decorrente da pandemia exige um caminho oposto: transformar a base produtiva atual com vistas a uma economia mais limpa e com menos emissão de carbono, a partir de investimentos públicos e privados, em contraposição a uma política econômica baseada em combustíveis fósseis como petróleo e carvão.

Investimentos sustentáveis poderiam, no Brasil, mobilizar recursos entre R$ 890 bilhões e R$ 1,3 trilhão até 2030, como nos mostra recente nota técnica do Dieese. Esses investimentos abarcariam setores nos quais temos presença majoritária de populações mais vulneráveis, como na construção civil, no transporte público, no saneamento básico, na saúde e educação públicas, em que a população trabalhadora é majoritariamente negra.

Setores de energias renováveis, produção alimentar orgânica, recuperação de rios, florestas e bacias hidrográficas, entre outros, seriam igualmente contemplados, o que garantiria um crescimento anual em torno de 1,6% do PIB, segundo a mesma nota técnica.

Pactos e muita conversa teriam que ocorrer entre trabalhadores e seus sindicatos, empregadores, governos e comunidades, para a construção de uma nova perspectiva de desenvolvimento que não se apoia nas desigualdades, na poluição e no desmatamento e desapropriação.

As manchetes de jornal não nos deixam esquecer que a Covid-19 teve um impacto profundo em trabalhadores com menor proteção social e baixa escolaridade, considerando ainda que, dentre os 10% com os menores rendimentos, 75,2% são pessoas negras (IBGE, 2019).

Enfrentar essas desigualdades exige a formação e a requalificação profissional, programas sociais em apoio a trabalhadores que têm seu retorno ao mercado de trabalho dificultado, bem como investimentos para a recuperação de pequenas e médias organizações empregadoras.

Há que lembrar ainda que a pandemia acelerou o processo de automação e que o estudo e o trabalho remoto foram ampliados, num contexto em que apenas 14% dos domicílios das classes D e E têm a presença de computadores, enquanto estes estão presentes em 95% dos domicílios da classe A (pesquisas da Cetic-Br, publicadas em 2020).

Ou seja, desigualdades digitais precisam ser enfrentadas. A gestão pública tem papel central na implementação de medidas adequadas, como aquelas prescritas no Marco Civil da Internet no Brasil.

Desenvolvimento sustentável deve significar investimentos que considerem necessidades de uma população já vulnerável antes da pandemia pelo sucateamento dos serviços públicos e pela derrubada de direitos e que se torna cada vez mais intolerante com as recorrentes violências e desigualdades raciais e de gênero, que ocorrem desde o início de nossa história como país, juntamente com a devastação ambiental.

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