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Governo prepara corte de impostos para incentivar produção de semicondutores

Recursos públicos podem ser usados para bancar riscos de fabricantes do setor

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Brasília

O governo prepara uma MP (Medida Provisória) voltada à desoneração da cadeia de semicondutores. O objetivo é estimular a oferta brasileira dos componentes, que passam por um problema global de fornecimento principalmente desde a pandemia e que são cruciais para o funcionamento de uma série de produtos —de brinquedos e celulares a aviões e sistemas de defesa.

A MP faz parte de um conjunto mais amplo de iniciativas sendo estudadas pelo governo para fomentar a produção de semicondutores e diminuir a dependência externa no longo prazo. O governo estima que cinco empresas detenham atualmente mais de 90% da produção global dos componentes.

Com o conjunto de ações, o governo prevê ser possível aumentar de US$ 1 bilhão para US$ 5 bilhões o faturamento do mercado interno do setor até 2026, podendo chegar a US$ 12 bilhões em 2031 e a US$ 24 bilhões em 2036 –o que corresponderia a 4% do faturamento global.

Funcionários trabalham na linha de montagem de caminhão em fábrica de São Bernardo; indústria automotiva é usuária intensiva de semicondutores - 08.jan.2021-Eduardo Knapp/Folhapress

A MP seria apenas o primeiro passo do plano. Serão alteradas a Lei de Informática e o Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores).

Conforme mostrou a Folha em março, o ministro Paulo Guedes (Economia) concordou após reuniões com empresas ligadas ao setor com a importância de o país ter uma indústria voltada aos semicondutores e com medidas voltadas à desoneração.

Guedes, no entanto, costuma criticar subsídios tributários setoriais. Para ele, em grande parte eles resultam do poder de lobby de certas indústrias em Brasília enquanto outras, sem poder de articulação, precisam arcar com a carga tributária existente.

Após ser perguntada sobre como o plano setorial se encaixa na visão de Guedes, a secretária especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia, Daniella Marques, afirmou que os semicondutores são estratégicos e que a intenção é modernizar uma lei já existente.

"Semicondutores hoje é um assunto estratégico que estamos trazendo como prioritário e de política de Estado, pelos gargalos óbvios existentes no mundo. A gente não está falando de criar benefícios localizados novos", afirmou. "Estamos falando da modernização do Padis e da Lei de informática atual, e não da criação de um programa novo de desoneração", afirmou.

Ela buscou reforçar, no entanto, que a prioridade do Ministério da Economia é conceder reduções amplas de impostos. "Como é sabido, a gente tem priorizado reduções horizontais de impostos, então a gente vem em uma agenda constante de, preservada a meta fiscal, transformar o excesso de arrecadação em redução de impostos para empresas e para a população", disse.

Marques afirmou ainda que a MP vai incluir novos itens na lista de desoneração existente hoje na legislação. "O objetivo é desonerar a cadeia através de um sistema simplificado de entrada e saída no país de materiais e componentes", disse.

Segundo ela, ainda não há uma estimativa de impacto fiscal a ser gerado, pois o governo ainda estuda a medida e seus efeitos.

Em outra frente, o governo estuda usar recursos públicos para bancar parte dos riscos dos fabricantes na hora de investir –por meio de fundos existentes, da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, empresa pública voltada ao fomento da ciência) ou de programas orçamentários dos ministérios (como o da Ciência e Tecnologia).

No conjunto estudado para os semicondutores, o governo planeja ainda desoneração ao longo da cadeia com pagamento de tributo apenas na comercialização do produto acabado, programas de capacitação de mão de obra, sistema simplificado e expresso de entrada e saída de materiais, além do desenvolvimento de uma nova plataforma de exportação.

Em evento nesta quarta-feira (27), Guedes colocou o Brasil como candidato à produção de semicondutores, com base na eficácia logística, em um cenário de reconfiguração das cadeias produtivas globais decorrente da guerra na Ucrânia.

"Muitos semicondutores, por exemplo, que eram produzidos na Ásia, vão ser agora produzidos em regiões mais próximas do Ocidente, e o Brasil é um candidato. Daí começa a emergir a importância da simplificação dos impostos, de reforma do sistema tributário", afirmou o ministro em seminário promovido pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e pela Receita Federal.

As discussões entre governo e iniciativa privada têm como referência exemplos de outros países que estão em uma corrida mundial para estimular o setor. Entre as iniciativas tomadas pelo mundo, estão subsídios e até a divisão de custos de construção de fábricas entre Estado e empresas.

Uma das iniciativas analisadas é dos Estados Unidos, onde parlamentares avançaram recentemente com um projeto de US$ 52 bilhões em subsídios para a produção de semicondutores. O país, assim como outros, tenta diminuir a dependência da Ásia —responsável por atender cerca de 80% da demanda global.

A União Europeia pretende dobrar sua produção de semicondutores até 2030. Enquanto isso, países como China, Taiwan e Cingapura continuam destinando incentivos a empresas do ramo.

O problema no fornecimento de semicondutores chegou a um extremo durante a pandemia e continua sendo sentido na fabricação de automóveis. Com a Covid-19, o trabalho remoto elevou a demanda por eletrônicos enquanto as montadoras desaceleraram suas encomendas diante das incertezas —desorganizando a cadeia.

Rogério Nunes, presidente da Abisemi (Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores), disse à Folha no mês passado que o desenvolvimento da produção nacional pode não ter resultados em menos de 10 ou 15 anos. Mesmo assim, ele defende políticas governamentais ao setor.

"É uma questão de domínio da tecnologia. A indústria de semicondutores é base para os outros produtos e, por isso, vai aumentar nossos níveis de desenvolvimento social e econômico. É absolutamente estratégico", afirma.

Segundo ele, menos de 20 empresas atuam no ramo dos semicondutores no Brasil —mas as empresas não participam da cadeia completa e cerca de 70% dos insumos são importados.

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