Elétricos feitos no Brasil ou na Argentina? Só com políticas dos governos, diz Tavares

Peugeot 208 elétrico estava previsto para chegar em janeiro ao mercado brasileiro: pouca penetração

Por PEDRO KUTNEY, AB
  • 22/01/2021 - 20:30
  • | Atualizado há 2 anos, 9 meses
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    Até quando os fabricantes de veículos no Brasil e na Argentina vão ficar à parte da onda de eletrificação que que toma conta do mundo automotivo? Para Carlos Tavares, CEO da Stellantis – empresa nascida da fusão entre FCA e PSA concluída esta semana –, essa é uma pergunta que deve ser feita aos governos da região, para saber se eles querem incentivar a eletromobilidade para compensar de alguma forma os custos muito mais elevados dos modelos híbridos e elétricos.

    Mas ao menos por enquanto o executivo desaconselha essa opção, pois ele considera que isso iria reduzir o acesso à mobilidade individual na região, porque os mercados latino-americanos não têm poder de compra suficiente para sustentar vendas de grandes volumes de carros eletrificados. Ao mesmo tempo, pode introduzir riscos adicionais à já ameaçada sustentabilidade das empresas fabricantes, que precisam de escala de produção elevada para viabilizar o negócio.

    “A eletrificação traz expressivos aumentos de custos e isso coloca as empresas em risco, seja porque elas reduzem suas margens para não perder mercado, ou porque precisam aumentar os preços e assim perdem clientes. Mas o fato é que veículos elétricos não são acessíveis hoje à maioria da população. Então a questão é como os governos locais querem lidar com essa situação”, ponderou Carlos Tavares.



    Para o executivo, na América do Sul existe a opção de melhorar as emissões com o aperfeiçoamento dos motores a combustão interna e uso de biocombustíveis, como já ocorre no Brasil. Mas se os governos quiserem “copiar e colar” o modelo europeu ou chinês – onde a eletrificação progride em passo acelerado por força da legislação e generosos incentivos à compra de elétricos –, “é preciso lembrar que as políticas nacionais também precisam assegurar a liberdade de mobilidade de acordo com as aspirações de seus cidadãos”, pontua.

    O CLIENTE PODE PAGAR?



    “É uma decisão política que as montadoras não podem tomar. Nós trazemos as soluções, temos as tecnologias necessárias [de eletrificação], capacidade de produção e rede de distribuição. Mas a pergunta é: os clientes podem pagar por esse tipo de mobilidade?”, indaga o CEO da Stellantis. No caso brasileiro, é certo que apenas alguns poucos clientes podem comprar um carro elétrico ou híbrido. Desde 2017 o governo zerou o imposto de importação de modelos elétricos, e mesmo assim eles chegam aqui por preços acima dos R$ 200 mil e vão muito além disso.

    Tavares concorda que os volumes de produção de veículos eletrificados estão em elevação e ao longo dos próximos anos os custos de baterias e outros componentes tendem a baixar, mas ainda em nível insuficiente para popularizar a eletromobilidade no mesmo patamar atingido até agora pela motorização a combustão. “No momento não vejo que essa seja uma tecnologia que pode se espalhar pelo mundo todo de forma tão ampla, porque a maioria da população mundial não tem poder de compra para pagar esses preços [por modelos elétricos e híbridos]”, avalia.

    Com essa visão em mente, até que o cenário seja diferente, Tavares pretende continuar na Stellantis com a estratégia que colocou em curso desde 2014 quando assumiu o posto de CEO do Grupo PSA: apostar em plataformas multienergéticas, que podem receber powertrain a combustão, híbrido ou 100% elétrico, e assim uma mesma carroceria pode ser vendida com as três opções de propulsão, o cliente (com alguma ajuda das políticas dos governos) escolhe qual prefere. A tendência é aumentar produção e vendas de modelos eletrificados onde hoje eles são incentivados, como na Europa, e produzir e vender os mesmos carros com motor a combustão onde não há restrições a eles, como ainda acontece no Brasil e na Argentina.

    Uma consequência dessa estratégia na Stellantis é que a produção de tecnologias de propulsão elétrica ficará concentrada na Europa, enquanto a manufatura e investimentos na motorização a combustão estão sendo deslocados para a América do Sul. A FCA lançou mão dessa estratégia mais de um ano antes da fusão com a PSA, quando anunciou em 2019 o investimento de R$ 500 milhões para ampliar a fábrica de motores de Betim (MG), que este ano começa a produzir motores turbo 1.0 e 1.3 que vão equipar novos modelos Fiat e Jeep (e agora provavelmente também Peugeot e Citroën). A unidade brasileira venceu uma competição global para fazer os novos propulsores e será um polo exportador: 400 mil unidades a serem produzidas na planta já estavam encomendadas para operações do grupo na Europa até 2022.

    ELETRIFICAÇÃO IMPORTADA



    O que não faltam são projetos para expandir substantivamente a já ampla gama de modelos eletrificados da Stellantis, especialmente na Europa, onde a eletrificação foi o caminho escolhido para reduzir emissões. O grupo nasceu com 29 veículos elétricos e híbridos em seu portfólio e segundo confirmou Tavares mais 10 serão acrescentados a essa lista até o fim deste ano.

    No Brasil, enquanto o grupo se torna um exportador de motores a combustão, vão aumentar as importações de modelos eletrificados para os poucos que podem compra-los. Segundo planos já conhecidos da FCA antes da conclusão da fusão, este ano devem ser lançados no mercado brasileiro o Fiat 500 elétrico e uma versão híbrida plug-in do Jeep Renegade, ambos importados da Europa. Da antiga PSA, a Peugeot comunicou no ano passado, quando lançou o novo 208 fabricado na Argentina, que este mês começaria a vender a versão elétrica europeia do hatch, aqui batizada e-GT. Não se sabe ainda como esses lançamentos vão progredir após a união das duas empresas.