Fashion Revolution

Descolonizar nossa mentalidade: de onde nasce a sustentabilidade?

Modo de vida das periferias é – e sempre foi – baseado em trocas de serviço entre as pessoas e no compartilhamento comunitário

Periferia Inventando Moda, projeto que busca a inclusão social de populações periféricas através da indústria do design.
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Por Eloisa Artuso*

Há muito tempo vivemos sob um modelo de produção e consumo – imposto pela hegemonia da economia capitalista ocidental e do norte global sobre o resto do mundo – que extrapolou todos os limites dos recursos naturais da Terra.

 

Se as demandas por esses recursos continuarem a aumentar como nos últimos 20 anos, precisaremos de quase três planetas em 2050. É o que diz o relatório Living Planet, que reúne dados científicos sobre o meio ambiente e é produzido a cada dois anos pela WWF.

Mais recentemente, a sustentabilidade vem ganhando uma roupagem contemporânea e se tornando peça-chave em nosso vocabulário. Ela basicamente virou um produto de desejo, assim como todas as suas propostas de se existir no mundo hoje se voltam para essa “nova forma” de consumir, se comportar, se alimentar, se transportar etc.

Mas essa “nova forma” é nova mesmo?

Antes da existência desse mundo colonizado e colonizador, o modo de vida das comunidades originárias e tradicionais já tinha como premissa essencial regenerar o ambiente onde se habita, partindo da ideia fundamental de que somos natureza e, preservando-a, preservamo-nos também.  Há estudos que indicam que a altíssima biodiversidade da Mata Atlântica, por exemplo, seja fruto de uma vivência respeitosa entre homem e natureza, um trabalho de jardinagem feito pelo povo Guarani.

Nossas avós, assim como nossas mães (ou grande parte delas), compravam a granel, usavam sacola reutilizável, consumiam alimentos frescos, não processados, orgânicos e locais – muitas vezes vindo do próprio quintal, além de comprar roupas raramente, para ocasiões especiais ou para durar muito tempo (até porque elas provavelmente faziam e/ou remendavam as roupas da família).

Da mesma forma, o modo de vida das periferias é – e sempre foi – baseado em trocas de serviço entre as pessoas, no compartilhamento comunitário, nas hortas dentro de casa, na valorização dos recursos e na economia de água e energia, nas opções de segunda-mão e muitas outras práticas que são vivenciadas e repassadas dia-a-dia.

Sempre foi natural, seja por consciência ou por necessidade, para essas comunidades e populações desenvolverem uma relação mais harmoniosa e respeitosa com o ambiente a sua volta. O fato da ‘simplicidade’ e, por vezes, da escassez, estarem presentes nestes contextos, ensinou-os a valorizar cada centímetro de terra e tudo o que ela nos dá, aproveitando dos benefícios da colaboração e da partilha com os demais.

No entanto, hoje, upcycling, economia circular e compartilhada, consumo colaborativo etc. soam como as novas grandes promessas do século, criados por especialistas (do topo da pirâmide) para nos guiar por novos caminhos.

Faço essa reflexão como um esforço de rever o discurso que eu mesma venho propagando há anos.

Quantos ensinamentos já nos foram passados e esquecidos, guardados em uma memória antiga ou simplesmente ignorados? Por que precisamos de líderes com um perfil quase heroico para nos salvar agora?

Estaríamos ainda, depois de séculos, reproduzindo as mesmas práticas e perpetuando o mesmo modo de pensar que estamos tentando combater?

………

Dica: leia a matéria Descolonize o olhar: “O que você chama de sustentável, a periferia sempre fez”. da @universa_uol, por Ana Paula Xongani disponível aqui.

*Eloisa Artuso é designer, diretora educacional do Fashion Revolution Brasil e professora de Design e Sustentabilidade do IED – Istituto Europeo di Design. Com um trabalho fundamentado no espaço onde sustentabilidade, cultura e educação se fundem com o design, se dedica a projetos que incentivam profundas transformações na indústria da moda. Siga @eloartuso

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