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'Investimentos sustentáveis são incrivelmente confusos', diz executivo

Autoridade em ESG, australiano cobra simplicidade e dados para facilitar compreensão por investidores

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São Paulo

A aposta em investimentos sustentáveis, que transcendam o princípio da maximização dos lucros em busca de um propósito a mais, seja ele social ou ambiental, parece ter aumentado após o início da pandemia de Covid-19.

Pesquisa do banco suíço UBS feita com investidores de 15 mercados, incluindo o Brasil, apontou que, com a pandemia, 79% deles passaram a reconsiderar aquilo que é importante enquanto cerca de 60% estão mais interessados em investimentos sustentáveis do que antes da crise sanitária.

Esse aumento de interesse segue o rastro da popularização das práticas ESG, que avaliam o impacto das operações de uma empresa em três eixos de sustentabilidade (boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa) com a promessa de que levarão a maiores investimentos e participação no mercado.

Para o economista australiano Simon Smiles, uma das maiores autoridades em ESG do mercado de capitais, apenas uma pequena parcela desse interesse se converteu em investimentos reais. Segundo ele, o grande entrave é a complexidade criada em torno de investimentos sustentáveis e de impacto social e ambiental.

O australiano Simon Smiles é um dos maiores especialistas em ESG, sigla em inglês para Environment, Social e Governance, parâmetros de transparência, sustentabilidade e responsabilidade social que as empresas cada vez mais são forçadas a cumprir para atrair investimentos no mercado financeiro
O australiano Simon Smiles é um dos maiores especialistas em ESG, sigla em inglês para Environment, Social e Governance, parâmetros de transparência, sustentabilidade e responsabilidade social que as empresas cada vez mais são forçadas a cumprir para atrair investimentos no mercado financeiro - Gabriel Cabral/Folhapress

Smiles criou e comandou a primeira unidade de investimento de impacto e de investimento sustentável da UBS Wealth Management, na Suíça, a maior gestora de patrimônio do mundo. Ele também foi chefe do escritório de investimentos para "ultra high net worth", investidores ultra-ricos com patrimônio liquido de ao menos US$ 30 milhões, do banco UBS.

"Investimentos sustentáveis são incrivelmente confusos em termos das definições e parâmetros comuns, e esse é um grande problema", explica ele.

Para Smiles, investimentos ligados a ESG deveriam ser apresentados como itens das tabelas nutricionais que acompanham embalagens de alimentos, só que no lugar de calorias, gorduras e proteínas estariam quesitos como emissões de carbono, diversidade, respeito a direitos humanos ou política de resíduos.

"Será algo mais compreensível e que tende a atrair um volume maior de investimentos sustentáveis, promovendo ações de sustentabilidade entre as corporações."

Quando ESG se tornou algo importante para negócios?
Governança corporativa [o "G" de "corporate governance" da sigla em inglês] sempre foi algo importante para investidores, mas é bem recente o foco de investimentos em aspectos ambientais [o "E" de "enviroment", meio ambiente em inglês] e sociais [o "S", de social]. Mesmo assim, uma grande parcela da comunidade tradicional de investidores ainda não está particularmente focada em questões ambientais, sociais e de governança como uma combinação importante. Reguladores e governos estão cada vez mais interessados nessa área. E praticamente todas as empresas de gestão de ativos estão falando sobre ESG e sustentabilidade nos seus relatórios Mas ainda existe um longo caminho a percorrer.

O quanto dos investimentos ESG hoje são mais teoria do que prática?
Eu reformularia essa questão para: "O quanto do universo de investimentos de hoje é sustentável?" A resposta é: muito menos do que é relatado. Ainda assim, o crescimento desses ativos é alto e consistente. Já se fala em trilhões de dólares em ativos sustentáveis. Se você observar os investimentos com impacto de verdade ou com impacto dedicado, que cumprem todos os critérios requeridos pela International Finance Corporation [IFC], do Banco Mundial, em suas diretrizes de investimento sustentável, verá que eles também estão crescendo de maneira muito forte.

Por outro lado, muitos dos ativos sustentáveis disponíveis para investimento hoje são apenas ativos tradicionais que passaram por um processo de re-branding ou ressignificação. O aumento em sustentabilidade de fato é algo difícil de definir e mensurar. E como se define sustentabilidade faz toda a diferença na hora de classificar um investimento como tal.

São muitas as diferentes definições de investimentos sustentáveis?
Sim. Um dos conceitos é o de investimento sustentável por exclusão, ou seja, aquelas carteiras em que alguns setores são simplesmente excluídos porque produzem coisas que podem ser consideradas ruins, como álcool, armas e tabaco.

Essa é a abordagem tradicional —e questionável, na minha opinião— de investimentos sustentáveis. Primeiro porque não é um conceito que não se encaixe em diferentes percepções individuais sobre o que é certo ou errado. Muitas pessoas têm armas, bebem ou fumam. Quem tem o direito de dizer a elas que não podem investir em companhias destes setores porque isso é errado? E, em segundo lugar, porque é difícil mensurar qual é o impacto da exclusão de ativos dessas empresas para estes setores. Por que isso seria sustentável se nem impacto tem nos setores excluídos?

Há uma profusão de conceitos e termos técnicos entre investimentos ESG. Como navegar esse universo?
Esse é um grande problema dos investimentos sustentáveis. Eles são incrivelmente confusos em termos das definições comuns e existem diversas iniciativas de padronização que competem entre si e que portanto criam ainda maior confusão, especialmente para investidores individuais não-institucionais. A própria definição do IFC é apenas uma entre muitas.

A inconsistência e a falta de simplicidade torna quase impossível para um investidor não-institucional navegar investimentos ESG. Um relatório do Instituto CFA mostrou que 69% dos investidores não-institucionais estavam interessados em investimentos sustentáveis, mas apenas 10% haviam efetivamente feito algum investimento nesse campo.

O que pode ajudar esses investidores a encontrar ativos sustentáveis ou de impacto?
Podemos olhar para o rating [classificação de risco] de ESG. Existem ao menos seis grandes provedores desse tipo de rating. Eles recebem dados das corporações e atribuem notas de ESG para empresas tão diversas quanto Google, Tesla ou Exxon.

O problema é que a correlação entre as notas dos diferentes provedores é muito baixa. O MIT [Massachusetts Institute of Tecnology, nos EUA] publicou um estudo que mostrava que a companhias entre as classificações das seis maiores companhias de rating em ESG era de apenas 54%. Em alguns casos, podia ser tão baixo quanto 38%. Não é fácil, portanto, para os investidores encontrarem parâmetros do que é bom ou ruim.

E quando se olha no detalhe para questões de meio ambiente, por exemplo, fica ainda mais complexo. A Tesla pode ser uma empresa com nota ruim, média ou boa dependendo da agência. Algumas acessam dados do processo de produção dos carros da empresa, e a utilização de alguns dos componentes de baterias elétricas torna sua nota baixa. Mas outras empresas analisam dados do impacto desses carros na redução de emissões de carbono e no meio ambiente, então, sua nota fica alta.

Como resolver esses problemas?
Entender como os índices são calculados. Avaliações agregadas acabam se tornando confusas. O que acontece, tipicamente, é que corporações que não são boas em nada, mas que também não são muito ruins em nada, acabam recebendo boas avaliações. Há extremos, como empresas que poluem as águas, mas que têm alta diversidade, e essas avaliações são misturadas num índice geral.

Uma saída é não agregar tudo, mas focar em alguns aspectos para direcionar investimentos dos indivíduos que se importam com essas questões. Algumas pessoas se preocupam com direitos humanos, outras são apaixonadas por questões ambientais, outras querem saber como a empresa descarta seus resíduos, outras estão de olho na diversidade. Se um investidor se importa um ou dois desses aspectos, ele pode construir uma carteira de investimentos com empresas com boas avaliações nesses quesitos.

Cada produto ou investimento deveria ter uma etiqueta, nos moldes daquelas tabelas nutricionais das embalagens de alimentos. No lugar de informações sobre calorias, gorduras, carboidratos e proteína, haveria emissões de carbono, diversidade real, respeito a direitos humanos, poluição de águas e descartes de resíduos etc.

Qual é o papel dos consumidores nesse universo ESG?
Quando se trata de consumidores, se um produto é tão bom quanto outro, custa mais ou menos a mesma coisa, mas tem impacto positivo sobre algo que importa para determinado consumidor, ele vai comprar esse produto, que tende a alcançar maior participação no mercado. Se o produto é pior ou mais caro que o tradicional, mesmo que tenha um impacto social ou ambiental positivo, apenas algumas pessoas o comprariam, mas a maioria, não. É a mesma coisa com investidores: entre produtos similares, aquele que tem um resultado positivo em ESG tende a ser mais popular.

Investidores não são reconhecidos como atores interessados em salvar o planeta ou torná-lo menos desigual. De onde vêm os incentivos para investimentos ESG?
Esse é um ótimo ponto. Se você está falando de fundos de pensão, investidores institucionais ou mesmo do braço financeiro de uma fundação, o mandato é maximizar a relação risco-retorno. Os gestores de investimentos de organizações filantrópicas, por exemplo, investem tradicionalmente, e não de maneira sustentável, porque precisam maximizar ganhos.

Ainda assim, empresas mais amigas do meio ambiente têm tido boa performance em certas regiões. Empresas do setor automotivo têm investido cada vez mais em tecnologia para carros elétricos, em boa parte por conta de regulações dos EUA e da Europa –a mudança nesse setor é menos movida pela demanda por veículos elétricos do que por novas legislações ambientais. Investidores tradicionais não mudaram em nada, a não ser quando essa mudança foi provocada por uma nova arquitetura regulatória criada por governos e que os força nessa direção.

Como empresas podem se tornar atraentes para investimentos ESG?
Algumas assumiram como estratégia ter impacto positivo na sociedade e no meio ambiente, como a marca de roupas Patagônia. Mas elas são minoria. Outras empresas foram forçadas por reguladores a terem menor impacto ou a criarem impacto positivo, como no caso da indústria automobilística e sua mudança de matriz energética.

E existe uma terceira categoria que são empresas que buscam aumentar sua lucratividade adotando estratégias que, sem querer, acabam gerando impacto ambiental ou social positivo inesperado. Foi esse o caso da UPS, empresa americana de entregas, que criou rotas de entrega inteligentes para diminuição de custos e prazos, e isso não só economizou centenas de milhões de dólares ao ano mas também diminuiu dramaticamente suas emissões de carbono.

Então existem diferentes caminhos em diferentes corporações, seja o incentivo regulatório, ou pressionado por consumidores ou porque mudanças estratégicas tiverem impacto positivo não-intencional.

Como evitar que ESG se torne uma maquiagem para mais do mesmo?
A quantidade de corporações que hoje publicam relatórios socioambientais nos seus balanços aumentou dramaticamente. E isso se deve mais aos departamentos de marketing e de relações públicas do que ao núcleo da empresa. É algo que pega bem para a imagem no mercado, e não necessariamente uma mudança que parte do centro decisório da corporação.

Além disso, são necessárias regulações governamentais, consistência nos dados e simplificação de conceitos, parâmetros e sua mensuração. A falta dessa arquitetura inteligível está impedindo investimentos sustentáveis e o próprio consumo sustentável.

Como instituições financeiras podem ter impacto social e ambiental maximizado?

Bancos podem ir além de edifícios-sede inteligentes e aumentar linhas de crédito para clientes interessados em mudar sua matriz energética para fontes renováveis, com alto impacto para a sociedade. E isso é fantástico porque os bancos podem emprestar mais enquanto incentivam uma mudança de comportamento de algum setor, aumentando seus próprios ganhos.

O potencial de bancos, instituições de crédito e todo o setor financeiro terem resultados sociais e ambientais positivos incentivando seus clientes a determinadas mudanças de comportamento, serviços e produtos configura uma grande oportunidade para essas empresas, no lugar de fazerem algo acanhado só para cumprirem com o básico de ESG. Com isso, é possível trocar uma decisão puramente ética por uma decisão que garanta ganhos, mas tenha um impacto positivo bastante concreto.

RAIO-X

Simon Smiles, 43, criador da primeira unidade de investimentos de impacto do UBS

Comandou a primeira unidade de investimento de impacto e de investimento sustentável da UBS Wealth Management, na Suíça, a maior gestora de patrimônio do mundo, da qual foi diretor de investimentos de clientes considerados ultrarricos ("ultra high net worth"). Antes, trabalhou para o UBS em Hong Kong e lecionou economia e finanças na Universidade de Sidney, na Austrália, onde nasceu. É PhD em economia pela Universidasde Nacional da Austrália.​

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